sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Ford Versus Ferrari - A verdade por trás do filme (parte 6)

(continuação do capitulo anterior)



CONTRARIEDADES


Depois dessa corrida, Henry Ford II fez as contas de quanto tinha gasto até então: seis milhões de dólares. Julgava que era fácil vencer, e que o peso do dinheiro seria suficiente. Mas depois da segunda tentativa, verificava que não era assim. E pior: a reputação da sua rival, a Ferrari, tinha sido elevada e isso repercutia-se nas vendas dos seus carros, especialmente nos Estados Unidos.

E pior ainda, os europeus sentiam-se defraudados. Depois de Rob Walker ter escrito uma carta dizendo sentir-se defraudado pelo seu GT40 ter durado apenas três horas numa corrida de 24, "Deuce" decidiu agir de novo, convocando o estado-maior para um ponto da situação. Aí, Carrol Shelby, Leo Beebe e Don Frey receberam cada um deles um crachá que dizia simplesmente: "Ford vence Le Mans em 1966". Todos compreenderam: agora era 'vai ou racha'.

Do outro lado do Atlântico, em Maranello, Enzo Ferrari não estava exultante. Apesar de vencer sempre desde 1960 em Le Mans, neste ano tinha sido um carro cliente, inscrito pela NART, de Luigi Chinetti, a ir ao lugar mais alto do pódio. Ferrari também sabia que o desafio da Ford era forte e ele estava a ir cada vez mais fundo aos seus bolsos, pois os americanos tinham todo o seu peso em cima. E precavendo-se, decidiu construir um carro capaz de bater os GT40, e melhor que os 330P2. Acabou por ser o modelo 330 P3, uma evolução desse modelo.

Ferrari confiava nos seus pilotos, mas a 24 de setembro de 1965 aconteceu uma forte contrariedade. John Surtees participava numa corrida em Mosport ao lado do jovem escocês Jackie Stewart, a bordo de um Lola, quando sofreu um acidente grave, do qual se lesionara gravemente na pelvis. A razão tinha sido uma roda que tinha saído durante uma volta rápida. Durante quatro dias, esteve entre a vida e a morte, mas acabou por recuperar. Contudo, o acidente o deixou inválido para o resto da temporada, incluindo na Formula 1. E pior: tinha tido o acidente a bordo de um Lola, não um Ferrari. E isso deixou lívido e furioso Eugenio Dragoni, que há muito puxava pelo seu compatriota Lorenzo Bandini e tolerava as facilidades do patrão para com o inglês.

A recuperação foi longa, demorou o resto do ano, mas no inicio de 1966, ele já tinha voado para o Reino Unido passado todo o tempo em reabilitação, que praticamente o colocou em forma por mais uma temporada na Scuderia.

Enquanto todo este drama pessoal acontecia, em Maranello, a Scuderia fazia a sua parte. O 330 P3 era uma máquina 40 quilos mais leve e 110 cavalos mais potente. A sua forma era mais aerodinâmica, o carro erguia-se a 95 cêntimetros do solo e a posição de condução do piloto era praticamente deitada. O motor V12 de quatro litros tinha injeção de combustível, uma novidade nos carros vermelhos. E tudo estava a ser feito para que o carro alinhasse na primeira corrida do ano, em Sebring. 


VAMOS COMPLICAR AS COISAS


Depois da reunião com Henry Ford II, Leo Beebe decidiu formar um comité com Roy Lunn, Don Frey e mais alguns engenheiros da divisão de competição, com o objetivo de vencer em Le Mans. De duas em duas semanas, iriam falar sobre os progressos da equipa nos carros que iriam construir e também decidiram que iriam espalhar os carro de sete litros para outras equipas. Ou seja, Carrol Shelby iria ter concorrência interna de pessoal da NASCAR.

John Holman e Ralph Moody eram dois preparadores de Charlotte que desde os anos 50 que sabiam mexer nos motores da Ford e vencer nas ovais da NASCAR. Juntos, a Holman-Moody era um contraste com Shelby, o texano que correra na Europa e tinha a sua sede na solarenga California, mas o objetivo era o mesmo: vencer.

Ken Miles fazia testes com o MKII ao longo do verão e outono de 1965, indo para o Arizona no inverno, sempre a levar o carro até ao limite, como ele sabia fazer. O chassis melhorava, a caixa de velocidades era cada vez mais duradoira, mas tinham um problema que se tornava complicado de resolver: os travões. Estes ficavam ao rubro devido ao seu constante uso, e ao longo do inverno, os constantes testes e as soluções que tentavam usar não eram do agrado de todos. E esse era um problema cada vez mais permente.

A 30 de janeiro de 1966, todos estavam em Daytona para participar nas 24 Horas com o mesmo nome. Bill France, o dono da pista, decidiu que a partir daquele ano, devido à popularidade dessas corridas de resistência, a prova passaria a ser disputada com essa duração - o que acontece até hoje. Shelby e Holman-Moody estariam presentes, uma rivalidade interna que se via nos pneus: os primeiros calçavam Goodyear, os segundos Firestone. Do lado da Ferrari, apenas os NART marcariam presença, pois oficialmente, preparavam os 330 P3.

Miles e Lloyd Ruby estavam do lado da Shelby, enquanto Richie Ginther e Walt Hansgen faziam equipa na parte da Holman-Moody. Ambos veteranos, sabiam como fazer andar aquela máquina, mas foi Miles, que praticamente "vivia" naquele carro, levou a melhor sobre todos, e a sua melhor volta tinha sido 15 km/hora mais veloz que a anterior. E tudo funcionou bem, até os problemáticos travões.

A 26 de março, em Sebring, Ford e Ferrari iriam estar presentes. E precisamente nessa altura, Ferrari começa conversações com Giovanni Agnelli, o patrão da marca. O objetivo: ficar nas mãos da companhia maior, para poder ter o melhor de dois mundos, a competição da Scuderia e os cofres de Turim. As prestações do 330P3 iriam ser cruciais para saber se elas iriam ter futuro. Ao mesmo tempo, Surtees voltava e continuava a sua recuperação ao volante dos carros vermelhos. O velho Enzo sabia do que era capaz e não ficou desiludido. E recuperou tanto que começou a queixar-se sobre a razão porque o modelo 246, o carro de Formula 1, não estava pronto a tempo da nova temporada, que teria nova categoria de motores, o de 3 litros. Manter ambos os projetos, com o pouco dinheiro que a equipa tinha, estava a ter as suas consequências.

Mas em Sebring, ambas as marcas estavam presentes. E "a Ford deu uma coça à Ferrari", como tinha dito "Deuce" dois anos e meio antes. E com um final inesperado. Na última hora, os dois Ford GT40 da Shelby estavam na frente, com Dan Gurney em primeiro e Ken Miles em segundo. Miles tentava chegar à frente, mas havia ordens: tinham de chegar ao fim. O britânico protestou, mas ordens eram ordens. Mas na última volta, o drama: a poucas curvas do fim, o motor de Gurney explodiu e Miles tinha um vitória ao colo. Tanto que Lloyd Ruby soube que tinha vencido... enquanto tomava um duche. 

Contudo, tinha sido uma corrida sangrenta. O canadiano Bob McLaren tinha sofrido ferimentos fatais quando embateu contra um poste no seu GT40, e Mário Andretti perdera o controlo do seu Ferrari contra um grupo de espectadores, quatro dos quais acabaram por morrer. Quanto ao Ferrari, não acabou devido a uma caixa de velocidades avariada. Não tinha sido um começo excepcional.

(continua)

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