Nos anos 70, um dos assuntos do qual se falava imenso nos Estados Unidos era a emancipação da mulher. Numa sociedade em transformação, onde a juventude se manifestava contra a guerra, onde se falava sobre métodos contracepctivos, e onde o sexo feminino entreva em forma no mercado de trabalho, sem ser em tempo de guerra, e também se falava numa emenda constitucional chamada Equal Payment Act, ou EPA - que acabou por não passar, apesar de ter ficado a pouco mais de dois terços de ser considerada uma lei inscrita na Constituição.
Nesses anos 70, os redutos machistas caiam um a um. Havia mulheres na tropa, em posições de combate. Juízas poderiam ir para o Supremo Tribunal, da mesma forma que poderiam ser eleitas para os mais altos cargos e tentar a sua sorte nas eleições presidenciais. Mas havia uma grande barreira a atravessar nesse tempo: o automobilismo.
IndyCar e NASCAR são autênticos redutos machistas hoje em dia, mas há 40 anos, pior eram. Todos consideravam que as mulheres não eram capazes, que só serviriam para segurar cronómetros e fazerem-se de cartazes publicitários ambulantes. Mas havia excepções. Mulheres que faziam tudo, e não iria ser o sexo que os impediria de os fazer. Se havia cientistas mulheres a calcular a trajetória da Apollo 11 na Lua, porque não uma mulher nas 500 Milhas de Indianápolis ou nas 500 Milhas de Daytona?
E foi nessa altura que surgiu Janet Guthrie. Nascida a 7 de março de 1938, era licenciada em engenharia aeroespecial e queria ir para o Espaço. Contudo, a NASA apertava muito as chances de uma mulher ir para lá - só consentiu em 1983, com Sally Ride, vinte anos depois da russa Valentina Tereshkova ter feito isso - e assim sendo, desviou-se para a aviação. Até que o automobilismo entrou um dia na sua vida. Começou na SCCA, o Sports Car Club of America, num Jaguar, e em 1972, já corria em Sebring e Daytona.
Assim sendo, em 1976, tentou a sua sorte na NASCAR... e na IndyCar. Os dois redutos do automobilismo americano. E uma maré de machos que queriam provar que aquilo não era lugar de mulher. E usaram os seus argumentos, preconceituosos que eram. A sua primeira tentativa foi nas 500 Milhas de Indianápolis. Num chassis Coyote, e num motor mais fraco que a concorrência, tinha todos esses obstáculos, para além da desconfiança de pilotos como A.J. Foyt, que não dava nada a ela. Ela lá pssou o "Rookie Test", mas o motor perdia constantemente óleo e substitui-lo era um problema. Para não falar de problemas menores - a sua bagagem tinha sido roubada no aeroporto, por exemplo.
No final, todos torciam para que ela falhasse. Não conseguiu. Mas não foi por ser menos veloz que outros. Até conseguiu respeito suficiente para que o próprio Foyt emprestasse um carro para poder tentar a sua sorte. Não conseguiu, mas por esta altura, os holofotes estavam em cima dela, e muitos já se tinham convertido à sua simpatia e sua determinação em entrar nas 500 Milhas. Logo a seguir, Humpfy Wheeler, um promotor da NASCAR, arranjou um acordo com a Holman Moody para que lhes desse um carro e tentar a sua sorte na World 600, em Charlotte. Ela participou e acabou num honroso 15º posto. Tinha conseguido furar todas as barreiras e desabar todos os preconceitos.
E em 1977, voltou a Indianápolis. Qualificou-se na 26ª posição e no ano seguinte, fez melhor, ao terminar essa edição no nono posto, depois de se partir de 15ª. E em 1979, largou uma posição mais acima. E deu origem à entrada de mais mulheres, como Lyn St. James.
Hoje, a caminho dos 82 anos, e depois de ter escrito a sua biografia, e ver a sua vida retratada no mítico "ESPN 30 by 30", a série de episódios sobre o desporto nos Estados Unidos, ela vai entrar no Indianápolis Hall of Fame, que retrata todos os que marcaram a história no mítico "Brickyard". O seu carro está no museu do autódromo, e o seu capacete e fato estão no Smitsonian Museum, em Washington. E sim, ela merece. É graças a ela que tivemos Danica Patrick, por exemplo.
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