terça-feira, 23 de março de 2021

A imagem do dia


Se fosse vivo, Donald Campbell teria comemorado hoje o seu centenário. Campbell foi um exemplo bem precoce do filho de piloto, pois era descendente de Malcom Campbell, um dos grandes recordistas de velocidade de antes da II Guerra Mundial, e dos poucos desse tempo que teve uma morte natural, já que faleceu em 1948, aos 63 anos, com recordes estabelecidos em terra e na água, muitos deles com o seu Bluebird.

A Royal Air Firce homenageou-o hoje com a passagem de dois aviões Hawk por Coniston Water, o local onde, a 4 de janeiro de 1967, sofreu o seu acidente fatal quando tentava bater um recorde na água a bordo do seu Bluebird. 

Quando Donald começou as suas tentativas de velocidade, tinha uma fasquia bem alta para superar, e isso se tornou numa obsessão para toda a sua vida. Aliás, isso e as suas superstições foram as coisas que se tornaram obsessivas para ele: nunca se separou do seu ursinho de peluche, Mr. Whoppit, odiava o verde - em contraste, tosos os seus carros eram azuis, como eram os do seu pai - não corria com o 13 e nunca se metia em provas às sextas-feiras, porque acreditava que nada de bom acontecia nesse dia.

Começou a correr na água, com um barco veloz, com motor a jato, que chamou de Bluebird, e estava determinado a trazer o recorde de volta à Grã-Bretanha, sobretudo após a morte de John Cobb, numa tentativa de velocidade no Lago Ness, em 1952. Durou três anos, mas conseguiu 325,60 km/hora em Ullswater, no Lake District britânico. Foi o primeiro de oito recordes que iria bater até 1964, quatro dos quais em Coniston Water, também no Lake District.

Em novembro de 1966, Campbell regressou ao Lake District para bater novo recorde na água, depois de ter andado a bater recordes em terra na planície salgada do Lago Eyre, na Austrália, a bordo de um Bluebird que foi construído com a ajuda de Alfred Owen, um dos sonos da BRM. A ideia era de usar esse recorde de velocidade como publicidade para angariar dinheiro para construir o seu Bluebird 1.1, o carro a jato que pretendia bater o recorde de velocidade em terra, um último antes de se retirar. Já tinha 46 anos, o seu corpo sofria com o acidente que tinha tido em 1960 em Bonneville.

Ao longo de novembro e dezembro, Campbell sofreu com o tempo. Tinha de ser feito sem vento, e o inverno inglês não era bom. E quando o tempo era suficiente para uma tentativa, apesar de chegar aos 400 km/hora, problemas de motor e de injeção de combustível abortavam as suas tentativas. Só no final de dezembro que, depois de substituir a bomba de combustível é que ele aguardava por um bom dia para tentar a sua sorte.

Esse dia aconteceu a 4 de janeiro de 1967. E foi o último da vida de Donald Campbell. Na véspera, quando jogava cartas com os seus mecânicos, saiu-lhe o ás e a rainha de espadas, precisamente as mesmas que Mary, a Rainha da Escócia, tinha saído na véspera da sua execução. Notando a coincidência, ele afirmou que "I will get the chop" (vão cortar-me a cabeça, numa tradução aproximada) 

Cedo, ele levou o barco para o meio do lago e começou a sua tentativa às 8:45 da manhã. Acelerou até aos 475 km/hora, e depois passou dos 500 km/hora, acabando com uma média de 478,9 km/hora, superior ao recorde de então. O barco portava-se bem e o tempo mantinha-se estabilizado. 

Contudo, ele queria fazer a passagem de volta o mais rapidamente possível, sem reabastecer e sem esperar que as ondas no lago abrandassem. Apesar de não ser algo invulgar, acabou por ser um erro de consequências fatais. A meio da sua tentativa, acima dos 350 km/hora, passou por cima das ondas, a frente levantou-se e catapultou o barco contra a água, destruindo-o. Campbell teve morte imediata.

No final, a falta de reabastecimento - tornou o barco mais leve - o facto de ter passado os seus limites aerodinâmicos - poucos dias antes, atingiu um pato e danificou um dos estabilizadores - causou o seu final trágico. 

Pouca coisa foi recuperada da água, como o seu ursinho de peluche e o seu capacete. O resto, como o Bluebird e o seu corpo, ficou no fundo do lago, apenas foi recuperado em maio de 2001. Numa profecia autocumprida, nunca encontraram a sua cabeça, dando vazão à teoria que ele teve morte imediata, decapitado com o impacto do barco com a água. He got the chop.

O Bluebird foi reconstruído e agora está em exposição em Coniston Water, não muito longe do cemitério onde repousam os restos mortais de Campbell.

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