"O Rali de Sanremo iria durar entre os dias 13 e 17 de outubro de 1986 nas estradas à volta da mesma cidade italiana. O rali teria classificativas em asfalto e terra, com 118 inscritos, num total de 2148 quilómetros, 538 dos quais cronometrados. Entre carros de Grupo A e B, as duas marcas do qual todos estavam com os olhos em cima eram a Peugeot e a Lancia. Os franceses, com o 205 Ti16, tinham uma equipa com quatro pilotos: os finlandeses Juha Kankkunen e Timo Salonen, o francês Bruno Saby e o local Andrea Zanussi. No lado da Lancia, o finlandês Markku Alen e o italiano Massimo Biasion eram os pontas de lança, secundados por outros dois italianos, Dario Cerato e Fabrizio Tabaton.
Outras marcas estavam presentes, como a Austin Rover, que tinha três 6R4 para os ingleses Malcom Wilson, Tony Pond e o francês Marc Duez. No Grupo A, havia o Renault 11 Turbo de Jean Ragnotti, o Fiat Uno Turbo de Giovanni del Zoppo e Alessandro Fiorio, e o Volkswagen Golf GTi de Kenneth Ericsson.
A Peugeot já era campeã de Construtores, mas a luta pelo campeonato de pilotos estava ao rubro. Kankkunen, da Peugeot, era o líder, com 91 pontos, contra os 69 de Alen, mas nesses tempos, o vencedor alcançava vinte pontos, e em caso de vitória do piloto da Lancia, e se Kankkunen desistisse, ambos ficariam bem perto um do outro, quando faltavam apenas os ralis inglês RAC e o americano Olympus.
O primeiro dia do rali acontecia sob asfalto e o duelo foi ao segundo entre Peugeot e Lancia. Tendo o conhecimento das estradas locais, Andrea Zanussi acabou o primeiro dia na frente, mas Saby era o segundo, a nove segundos, e Biasion a 15. Timo Salonen era o quarto, seguido por Cerrato, com Juha Kankkunen a ser sexto, a pouco mais de 30 segundos do comando da corrida. Já Alen estava atrasado, perdendo um minuto e 11 segundos devido a um furo. No Grupo A, o melhor era Ragnotti, na frente de Ericsson. (...)
(...) No quarto dia do rali, por volta das cinco da tarde, os organizadores do Rali avisam a Peugeot de que os seus carros tinham sido desclassificados devido a irregularidades nas aletas laterais dos seus modelos 205 Ti16, que segundo os regulamentos então vigentes, eram capazes de causar um “efeito solo” que na altura, era ilegal. Contudo, a Peugeot – que era dirigida na altura por Jean Todt – contrastava a decisão dos comissários italianos, alegando que essa aleta lateral era legal, tinha sido apresentada aos comissários da FISA e que era usada desde o Rali de Portugal, há quase seis meses…
Contudo, por esses dias, os comissários tinham uma enorme autonomia em relação à entidade automobilística, e cada um poderia interpretar os regulamentos à sua maneira, o que poderia levar a abusos. Se existisse uma prova em França, os comissários franceses poderiam interpretar os regulamentos a favor dos franceses, a mesma coisa em Itália, Alemanha ou Grã-Bretanha, pois eram países com marcas de automóveis. E isso não acontecia só nos ralis: na Formula 1, a Ferrari tinha fama de usar os regulamentos a seu favor quando corriam em Monza, por exemplo.
Com o risco de ver a Peugeot excluída do Mundial, caso a FISA voltasse com a palavra atrás, decidiram apelar da decisão, deixando disponíveis os seus carros para que pudessem verificar se estavam de acordo com os regulamentos. Mas a ideia estava lá: se excluíssem os carros franceses deste rali, e a FIA decidisse favorecer o apelo à Peugeot, o mal estaria feito: o título de pilotos cairia às mãos de Markku Alen, mesmo faltando as tais duas provas até fechar o campeonato. (...)
Há 30 anos, em paragens italianas, o Mundial de ralis envolvia-se em mais uma polémica, desta vez regulamentar, ao desclassificar os carros da Peugeot, afirmando que não estavam a cumprir o regulamento. A marca francesa - que era gerida pelo atual presidente da FIA, Jean Todt - contestou a decisão, afirmando que estavam legais desde há mais de seis meses, no Rali de Portugal, e decidiu que os carros poderiam ser inspecionados pela entidade superior do automobilismo.
Na realidade, tudo tinha a ver com a autonomia que os organizadores tinham em relação aos regulamentos, e poderia excluir determinadas marcas por motivos... políticos. E como em Itália, os Lancia mandavam (como a Ferrari na Formula 1), se incomodassem os estrangeiros a favor dos pilotos da casa, o trabalho estaria feito.
No final, a FIA decidiu que os carros franceses estavam legais, e que iria excluir os resultados do Rali de Sanremo desse ano, dando o título à Peugeot e a Juha Kankkunen, colocando um pouco a justiça no resultado. A história desse rali e o resultado que cobriu de farsa esse campeonato, é o artigo que escrevo este mês no Nobres do Grid.
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