Em 2013, participei num projeto de curta duração chamado ADN80. A ideia era de fazer artigos de fundo sobre variados temas, e durou três números. O projeto era de um amigo meu, João Pedro Pereira, e decidi participar com um artigo sobre as mortes na Formula 1 em 1968, desde Jim Clark a Jo Schelsser, que todos tinham algo em comum: terem todos acontecido num dia 7, de abril até julho.
Nesse artigo, falei sobre os quatro pilotos em questão, bem como Jackie Stewart, um paladino pela segurança, e também sobre aquela que provavelmente foi a sua melhor corrida de sempre no automobilismo, o Grande Prémio da Alemanha de 1968, disputado debaixo de imensa chuva, em condições que hoje em dia não seriam as mais adequadas para a competição.
Para assinalar os 50 anos da morte de Jim Clark, que aconecem hoje, decidi recuperar esse artigo de há cinco anos, para recordar as circunstâncias e os testemunhos dessa altura, provenientes de muitas personagens relevantes. Espero que gostem, e pode ser que qualquer dia coloque o artigo na sua íntegra.
(...) Desde 1966 que a Formula 1 vivia
tempos de mudança em todos os aspetos: técnicos e de regulamento. Nesse ano, a
Formula 1 tinha adotado os motores de três litros, e no ano seguinte, entrou em
ação o motor Ford Cosworth DFV V8, uma encomenda de Colin Chapman, patrão da
Lotus, e de Walter Hayes, patrão da Ford Europa, à preparadora Cosworth. Nessa
temporada, tinha sido o melhor motor do campeonato, e os seus preços eram bem
mais baratos do que os potentes motores V12 que tinham a concorrência.
Contudo, no início de 1968, havia
duas novas revoluções. A primeira tinha sido nos regulamentos, quando a
Comission Sportive International (CSI), antecessora da FIA, decidiu abolir o
regulamento que obrigava as equipas a reger-se pelas cores nacionais de cada
país. Isso deu a Colin Chapman a oportunidade de arranjar um grande patrocínio,
na figura da Gold Leaf, graças a um contrato com a Imperial Tobacco. E algumas
semanas depois, uma segunda revolução começou a ser experimentada na Austrália,
durante as Tasman Series, quando se colocou um aerofólio traseiro no Lotus de
Jim Clark.
Mas todas essas experimentações e
a sensação de excitação e novidade que deram foram rapidamente apagadas com os
acidentes que sucederam nessa primavera e verão. As mortes em pista fizeram com
que se repensasse a maneira de correr e fizeram com que a segurança para as
pistas e para os pilotos começasse a ser reivindicada.
Nesse mesmo dia, na cidade
americana de Atlanta, mais de um milhão de pessoas estava a assistir ao funeral
de Martin Luther King, assassinado três dias antes na cidade de Memphis, com
uma bala na cabeça. O mundo falava e comentava a morte violenta do líder do
movimento dos Direitos Civis, mas na Europa, mais concretamente no circuito
alemão de Hockenheim, decorria uma prova do Europeu de Formula 2, onde se
juntaria alguma da fina flor da Formula 1, como o francês Jean-Pierre Beltoise,
da Matra, e os pilotos da Lotus, o escocês Jim Clark e o inglês Graham Hill.
A Formula 1, como de costume, já
tinha começado a sua temporada, na Africa do Sul, mas isso tinha sido em janeiro.
Somente no inicio de maio é que iria prosseguir, no circuito espanhol de
Jarama. Até lá, a Lotus tinha ido à Austrália e à Nova Zelândia para efetuarem
a Tasman Series, onde Clark tinha acabado como vencedor, já com a marca a
correr com as cores vermelhas e douradas do seu novo patrocinador, a tabaqueira
Golden Leaf. Eram a primeira equipa a correr com as cores que não do seu país.
De volta à Europa, Clark e Hill
estavam na Alemanha para participar nessa corrida, a “Deutschland Trophae”. A
Lotus estava lá devido a compromissos com a marca de pneus Firestone, e para os
pilotos, era uma oportunidade para passar mais dias fora da Grã-Bretanha, para
evitar pagar mais impostos sobre o rendimento, e ambos tinham os dias contado
para testes e corridas. Daí que Clark tinha declinado o convite para correr
nesse dia em Brands Hatch, numa prova de Endurance.
Contudo, nesse fim-de-semana,
Clark estava a ter um momento difícil. O seu Lotus 48 de Formula 2 era um carro
pouco equilibrado e ele andou o fim-de-semana a tentar encontrar a afinação
ideal para poder andar entre os da frente. Para piorar as coisas, aquele dia
estava a ser chuvoso e frio, e a pista estava molhada na maior parte do
circuito. As suas últimas palavras para um dos mecânicos, David Sims, foram: “Da
maneira como este carro está, não contes comigo no pódio”.
Sims contou depois que o tempo
nesse dia estava horrível: “Estava muito frio, tão frio que tínhamos
problemas para medir o combustível, porque tínhamos componentes a quebrar
devido ao estado do tempo, pois congelavam”.
Na lista de inscritos, para além
de Clark e Hill, estavam os Matra de Jean-Pierre Beltoise e Henri Pescarolo, o
Ferrari de Chris Amon, dois Brabham inscritos por um jovem chamado Frank
Williams, para Derek Bell e Piers Courage, e uma série de privados, incluindo
um futuro construtor, o francês Guy Ligier, e um futuro presidente da FIA, Max
Mosley, que corria num Brabham.
A corrida estava dividida em duas
mangas, e quando a primeira começou, a chuva tinha caído pouco antes e a
visibilidade era pobre. Mosley contou anos depois o seu testemunho: “Quando
fazíamos a primeira curva, o “spray” era tão grande e tão denso e pensei ‘isto não é boa ideia’. A única maneira de te guiares era pelo topo das árvores, porque não
conseguias ver os limites da pista”.
Nessa corrida, Beltoise saltou
para a frente e não mais foi alcançado. Na quarta volta, ocorre o primeiro
acidente, quando o local Walter Habberger despistou-se com o seu Lotus 41 na
entrada da primeira curva e alguns destroços foram para a pista. Entretanto,
Clark ficou para trás e rodava isolado quando começou a quinta volta da
corrida.
Doug Nye, jornalista britânico, relata sobre
o acidente: “Jim acelerou pelo bosque fora… um solitário comissário de
pista ouviu o Lotus aproximar-se, depois dos líderes terem passado, e de
repente, a máquina vermelha e dourada começou a ziguezaguear de um lado para o
outro, com o piloto lutando com o volante. Depois, saiu da pista, de lado, a
uns 225 km/hora, até se partir ao meio contra uma árvore”.
Outro jornalista, o português Francisco Santos, relatou anos depois
sobre esse dia: "Estava eu sentado na
primeira fila da sala de imprensa das '500 Milhas BOAC' em Brands Hatch. A grelha era aliciante e a corrida
emocionante. Jim Clark deveria correr no novo P68 Ford (…) para o Mundial GT desse ano e
para uma vitória em Le Mans. Clark aceitou o convite, já que esse carro era apadrinhado
por Walter Hayes, a quem o escocês devia bastante do seu sucesso graças ao
motor DFV. (...)
(…) As 'BOAC 500' estavam
emocionantes. Ao meu lado, um colega puxou o telefone directo para a redação do 'Daily Mail' e
eu senti um vazio, um longo silêncio entre o ronco dos V8. Perguntei 'o que se passa?', e meio gaguejado,
respondeu-me 'Clark
acaba de morrer'. De
repente, toda a sala parou. Em estado de choque."
Chapman, que não estava em Hockenheim nesse dia – estava de
férias, nos Alpes suíços - ficou devastado com a morte de Clark. Afirmou
publicamente que “tinha perdido o seu melhor amigo”, e pensou
seriamente em abandonar a competição. Por isso, queria saber a fundo o motivo
pelo qual Jim Clark perdera a vida. E foi com esse objetivo que pediu a Peter
Jovitt, um perito especializado em acidentes aéreos para determinar as causas
do seu despiste fatal. Quase vinte anos depois, em 1986, Jowitt recordou a
investigação:
“Encontrei um corte estranho no pneu traseiro
direito, e não vi qualquer destroço que o tivesse provocado. Se o pneu tivesse
furado, há um efeito que conheço bem: a alta velocidade, em reta, a força
centrífuga segura o pneu de tal forma que o piloto nem nota o furo. Em curva,
aumentada a carga do pneu, ele torna-se instável e perde a aderência que o
piloto dele espera. O conta-rotações mecânico mostra que Jim tinha continuado a
acelerar até ao embate, tentando controlar o carro. O pneu traseiro estava
descolado do aro e metade de fora. Havia lama em todo o piso do pneu (…) Em
pistas atuais, um acidente como este não causaria mais do que uma batida contra
os rails e um regresso a pé para as boxes…”
Sobre
a razão desse furo, não se sabe bem se foi por defeito do pneumático ou porque
Clark passou pelos destroços de outro carro, o de Walter Habbeger, que se tinha
despistado na volta anterior, na primeira curva do circuito, imediatamente
antes de Clark perder o controle do seu Lotus e sofrer o seu acidente fatal.
Chapman ficou convencido até à sua morte, em 1982, que foi essa a causa do
acidente mortal de Clark, mas David Sims, o mecânico que estava nesse dia em
Hockenheim, avança outra explicação para o acidente, que tinha a ver com a má
carburação do motor naquelas condições.
Ele transmitiu isso a
Derek Bell, futuro vencedor das 24 Horas de Le Mans, e este respondeu: “Se
entendo o que se passou, caso fizesse aquela curva, o motor ‘cortava’ a aquela
velocidade e fazia com que o piloto perdesse o controlo do bólide… quem sabe?”
Uma teoria que foi corroborada por outro
piloto britânico, Chris Irwin, que seguia Clark a cerca de cem metros de
distância. “De repente, o carro perdeu o controlo. Julguei logo que tinha sido algo
mecânico.”
Independentemente
das causas, a perda de Jim Clark foi enorme para a Formula 1. Alguns dias
depois, em Duns, a terra natal do piloto, a fina flor do automobilismo
despedia-se daquele que provavelmente era o melhor da sua geração. O
neozelandês Chris Amon disse depois o que muita gente pensava: “Acho que
ninguém passou a andar mais devagar depois da morte de Jimmy, mas todos
pensávamos que se poderia acontecer com ele, poderia acontecer a qualquer um.
Muitos de nós achávamos que éramos inatingíveis, e isso acabou ali…”
2 comentários:
Muito bacana. Parabéns pelo artigo sou um grande admirador dele. Até hoje.
A primeira equipe a correr com patrocinadores foi o Team Gunston em Kyalami 1968. O Gold Leaf veio logo após.
Enviar um comentário