Mark Felt, o homem que deu ao mundo os pormenores que ajudaram Bob Woodward e Carl Bernstein a escrever no Washington Post os detalhes do "caso Watergate", que levou à demissão de Richard Nixon, em 1974, morreu esta quinta-feira em Santa Rosa, na California, aos 95 anos de idade.
Felt nasceu a 17 de Agosto de 1913 como Walter Mark Falt, na cidade de Twin Falls (Idaho). Filho de um carpinteiro, graduou-se com um Bacharelato de Artes na Universidade de Idaho, em 1935. Sete anos depois, já em Washington, licenciou-se em Direito, e começou a trabalhar no gabinte de dois senadores do seu estado. Antes de entrar no FBI, em 1942, trabalhou na Comissão de Comércio, um trabalho que segundo as palavras do próprio, "detestou". No "Bureau", trabalhou na secção de espionagem da agência durante a II Guerra Mundial e depois percorreu outras secções, primeiro da Secção Atómica, onde escrutinou todos os trabalhadores da áera, procurando por espiões soviéticos (já se tinha entrado na era da Guerra Fria) e depois, em 1958, em Las Vegas, onde começou a investigar os tentáculos da Máfia no jogo.
Em 1962, volta a Washington, para o Departamento de Assuntos Interbnos, e em 1971, ascendeu a numero três do FBI, esperando ser o sucessor do mítico J.Edgar Hoover. Quando este morreu, em Abril de 1972, isto tinha acontecido apenas algumas semanas antes do famoso asslato ao edificio Watergate, onde estava instalada a sede do Partido Democrata.
Com a morte de Hoover, Felt esperava que Richard Nixon o nomeasse como sucessor. Mas o então presidente americano tinha outros planos, e decidiu que o melhor para o lugar seria Louis Patrick Gray (1916-2005), Felt foi o numero dois, encarregue da matéria operacional que recolhia e entregava ao presidente. Só que na noite de 17 de Junho de 1972, um guarda do Edificio Watergate, Frank Willis (1948-2000), descobre cinco ladrões no Edificio Watergate e chama a Policia.
De inicio, o FBI investiga o caso, a pedido do Presidente, mas Gray, que era um homem doente, delega poderes a Felt, que sendo o "numero 2", era o homem do terreno e o verdadeiro operacional da agência, e foi descobrindo as razões por detrás do assalto ao edificio. No inicio de 1973, Gray demite-se e Felt esperava que Nixon o pudesse nomear para o lugar, mas não o fez.
Entretanto, o "Washington Post", chefiado por Ben Bradlee, delegara dois jovens jornalistas, Bob Woodward e Carl Bernstein, para seguir a história do arrombamento dos escritórios do Partido Democrata. Inicialmente seria algo pouco interessante, mas quando se descobriu que os ladrões eram ex-operacionais da CIA (dois deles eram de origem cubana), e estavam com os bolsos cheios de notas, e um desses ladrões era E. Howard Hunt (1918-2007), que trabalhava no gabiente presidencial de Richard Nixon.
Cedo Felt descobriu que este assalto era mais uma manobra suja conduzida directamente por membros do "staff" presidencial, só que não sabia se era por ordem directa do Presidente Nixon. Mas à medida que as semanas passavam, e operacionais como Hunt, G. Gordon Liddy, Samuel Colson, Edward Haldermann, John Erlichmann, Ed Krogh e outros, contavam o esquema e revelavam o grau de importância que isto tinha, chegou-se à conclusão que o assalto teve orden directa de Nixon. Para mais, ele próprio gravava secretamente todas as conversas, o que lhe viria a ser fatal...
Felt descobriu que Woodward, um dos jornalistas do Washington Post, tinha sido ajudante de Thomas H. Moorer, o então Chefe das Forças Armadas, durante o seu tempo como oficial da Marinha, e achou por bem ajudá-lo a revelar os pormenores do escândalo. Aos poucos e poucos, trocaram correspondência em sítios esconsos como a garagem de um parque de estacionamento no centro de Washington, através de códigos secretos. Se Felt queria falar, marcava a vermelho a página 20 do New York Times que Woodward recebia em casa. Se fosse o contrário, seria Woodward que movia determinado vaso do seu lugar. Quanto ao nome da fonte, baptizaram-no com o nome do filme mais famoso de época: "Garganta Funda", o primeiro filme pornográfico de massas.
Com o tempo, o escândalo alcançou porporções enormes. Nixon, suspeitando que a fonte vinha do FBI, pediu a... Mark Felt para que investigasse a origem da fonte. Entretanto o Congresso tinha criado uma Comissão Conjunta do Senado, composta por Republicanos e Democratas, onde se contavam elementos como William Cohen (futuro Secretário da Defesa com Bill Clinton) ou Fred Thompson (futuro candidato presidencial e... actor de Hollywood). Todos os conselheiros foram chamados, e todos indicavam que o "senhor X" era Nixon. Estas audiências eram seguidas em directo por milhões de espectadores na televisão, ao longo de 1973, até à Primavera de 1974.
Quando se descobriu que Nixon fazia gravações da suas conversas na Sala Oval, a Comissão exigiu-as, mas o presidente fez finca-pé. Finalmente, em Abril de 1974, acedeu, mas quando descobriram que havia partes largamente deletadas (apagadas) que o comprometiam, a opinião pública começou a apoiar a ideia de destituição, ou então a de demissão do Presidente. A 2 de Agosto de 1974, a Comissão votou favoravelmente uma moção, recomendando que o Congresso apresentasse uma moção "to impeach", ou seja, para o demitir. Na noite de 8 de Agosto de 1974, num discurso à Nação, Richard Nixon demitia-se do cargo, o unico presidente que o fez até agora.
Quando isso aconteceu, Felt tinha saído do FBI um ano antes, e estava a braços com a Justiça devido a metodos ilegais para obter provas contra uma organização terrorista chamada "Weather Undeground", que tinha colocado bombas contra edificios publicos nessa altura. Felt tinha sido multado em cinco mil dólares em 1980, mas mais tarde foi perdoado pelo então presidente Ronald Reagan.
O caso Watergate deu um livro, "Os Homens do Presidente", que foi passado para filme em 1976, com Alan J. Pakula como realizador, e Dustin Hoffman e Robert Redford como Carl Berstein e Bob Woodward, enquanto que Hal Holbrook fazia o papel de "Garganta Profunda". Nessa altura, especulava-se quem era ele, e Woodward tinha jurado que só o ia revelar após a sua morte ou antes, caso o quisesse. Muitos nomes foram ditos, como Alexander Haig (mais tarde Secretário de Estado de Reagan), a jornalista Diane Sawyer, o Secretário de Imprensa de Nixon, Ron Ziegler (1939-2003), e o então director da CIA, William Colby entre outros nomes, incluindo o próprio Felt. Mas este negou-o durante anos, mesmo quando publicou a sua autobiografia.
Mas em Junho de 2005, um artigo da revista Vanity Fair revelou-o, então com 91 anos, velho e frágil, vivendo com a sua filha Joan em Santa Rosa, na California. Quando os jornalistas chegaram à sua casa, ele afirmou "Sou a pessoa que costumavam chamar de 'Garganta Funda'", revelando-se assim um dos segredos mais bem guardados do jornalismo do século XX. Woodward escreveu depois da revelação, as motivações pelo qual Felt decidiu ser a fonte: "Felt acreditava que estava protegendo a agência (FBI) ao encontrar uma maneira clandestina de vazar informações dos interrogatórios e arquivos do FBI para o público, a fim de construir uma pressão pública e política para que Nixon e sua equipa fossem responsabilizados. Ele só tinha desprezo pela Casa Branca de Nixon e seus esforços de manipular a agência por razões políticas".
Assim sendo, podemos acreditar que tirando as razões pessoais, o que Felt decidiu fazer foi pura e simplesmente o papel de bom americano. O seu legado será controverso, mas conseguiu o seu lugar num dos maiores escandalos politicos da segunda metade do séxulo XX. Ars lunga, vita brevis.
1 comentário:
Amigo Speeder,
Aproveitando este ótimo post sobre um assunto fascinante para nós, jornalistas que respiramos outras coisas além de automobilismo, quero desejar Boas Festas e um ótimo 2009 a você e sua família.
Nossos encontros "internéticos" continuarão a todo vapor em 2009. E, se pudermos, quem sabe um ao vivo em Interlagos, Curitiba, Estoril ou Portimão...
Grande abraço e tudo de bom! (LAP)
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