segunda-feira, 15 de julho de 2024

A imagem do dia


O alemão Ralf Schumacher nunca teve o palmarés e a fama do seu irmão, Michael Schumacher. Aliás, os ingleses, quando queriam denegri-lo, falavam na brincadeira em "Half" Schumacher, um jogo de palavras com o seu primeiro nome. Entre 1997 e 2008, ele ganhou seis Grandes Prémios, todos ao serviço da Williams, depois de ter passado por Jordan e Toyota. 

O que também ouvia nesses tempos, de quando em quando, era a insinuação sobre a sua... masculinidade. E alguns usavam isso para o atacar nos seus resultados, justificar a sua mediocridade perante o seu irmão mais velho. E do lado dele, a sua personalidade abrasiva no trato colaboravam para a sua má reputação. Mas na altura era casada com uma modelo, Cora, mãe do seu filho David Schumacher, e até tinha posado na Playboy Alemanha, e poucos queriam saber disso. Alguns, até, acharam que o prolongamento das insinuações sobre ele já roçava o mau gosto.  

Schumacher, como sabem, saiu da Formula 1 e seguiu a sua vida, e claro, poucos queriam saber dele a partir do final de 2013, quando o seu irmão sofreu o acidente de ski na estância de Méribel, em França, e o conduziu a um estado vegetativo. Entretanto, discretamente, como é típico dos alemães, divorciou-se (embora se diga que foi um pouco acrimonioso) e ajudou na carreira do seu filho David, primo de Mick Schumacher, que chegou à Formula 1 e agora é piloto da Alpine na WEC. David andou no DTM e agora corre no ADAC GT Masters, num Mercedes AMG GT3.

E subitamente, num domingo de verão, Ralf vai às redes sociais e afirma estar num relacionamento com um homem. É um choque para muitos. Mas as reações foram, na sua esmagadora maioria, de aprovação, e algum carinho, pelo seu anuncio e pelo facto de agora, ser mais feliz ou estar mais aliviado por ter "saído do armário".

Muito poucos são os pilotos de Formula 1 que se assumiram. Só tenho o conhecimento de três: Mário de Araújo Cabral (Nicha), o primeiro português na categoria máxima, o britânico Mike Beuttler e a italiana Lella Lombardi. Há outros pilotos noutras categorias. Um bom exemplo era na antiga W Series, onde duas concorrentes, as britânicas Jessica Hawkins e Abbie Eaton, eram... um casal!   

Mas o mais doido no meio disto tudo é que há uns tempos, num podcast seu, Ralf foi critico de algumas das questões de atualidade que o Lewis Hamilton levanta - e o Sebastian Vettel também. Ambos tinham desde o inicio desta década discussões e atitudes sobre assuntos como o LGBTQIA+, mas também sobre os direitos humanos em locais como a Arábia Saudita - na altura, as mulheres estavam proibidas de guiar ao volante, algo que já foi levantado. Agora que ele "saiu do armário", digamos assim, qual será a sua justificação? Existirá alguma explicação para isso, sem ser uma opinião pessoal diferente da dele? Há quem esteja agora a insinuar que isto tudo poderá não ser mais que a reação às suas hesitações em sair do armário. Não creio que seja isso, mas... 

No final do dia, o que estamos a ver é o alargar de uma pequena lista de pilotos que andaram na Formula 1 e que tiveram relacionamento com pessoas do mesmo sexo. No caso de Ralf, é o piloto com maior palmarés. Mas apesar de tudo, apesar das mentalidades estarem a mudar, de pessoas que, muito tempo depois, decidirem sair do armário - um bom exemplo aconteceu na América com Hurley Haywood, um dos maiores pilotos da Endurance, vencedor em Daytona, Sebring e Le Mans, que decidiu declarar-se muito tempo depois, num documentário feito em sua honra - este tipo de gente no automobilismo ainda é uma pequeníssima minoria, do qual muito poucos se assumem. Ainda é um meio muito machista e pouco inclusivo. Mas, volto a afirmar, as mentalidades estão a mudar. E no mundo, desde o inicio do século, quando os Países Baixos legalizaram o casamento entre as pessoas do mesmo sexo, já são 36 os países que admitem esse tipo de casamento. E a tendência é para aumentar, e as atitudes são cada vez mais favoráveis.

No final do dia, digam que disserem sobre a relevância do assunto (ou não), somos pessoas. Humanos. E todo o ser humano merece buscar a felicidade.  

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