Reza a lenda que no dia em que Winston Churchill recebeu as noticias de que o Sexto Exército alemão se tinha rendido na cidade russa de Estalingrado, ele estava num banquete. Ao saber, pronunciou uma das frases que ficou na história. "Não, não é o fim, e provavelmente nem é o principio do fim. Mas provavelmente deverá ser o fim do principio".
O julgamento de Bernie Ecclestone, que começou ontem em Munique poderá não ser o fim do principio, mas provavelmente é o principio do fim. Porque, se não leram os sinais anteriores, agora é altura de pensarmos a ideia: a Formula 1 depois de Bernie Ecclestone. É certo que o julgamento irá ocorrer até setembro, mas as provas contra ele são gritantes, mesmo que diga que foi forçado a fazê-lo porque Gerhard Gribowsky o chantageou por causa de eventuais fugas aos impostos.
Se não é por causa das polémicas, podemos falar da idade: Ecclestone vai a caminho dos 84 anos, e confesso que não me recordo de ninguém trabalhar - pelo menos em termos desportivos - até tão tarde. É verdade que ele, certo dia, disse que iria trabalhar até morrer, mas mesmo assim, acho que é um exagero. A Formula 1 precisa, mais do que nunca de sangue novo, porque se vermos os protagonistas, posso afirmar que, tirando Jean Todt e Christian Horner, todos os outros andam na Formula 1 há pelo menos 40 anos.
Querem um exemplo do que estou falando? Em 1974, Niki Lauda era piloto da Ferrari. Como diretor desportivo da Scuderia estava um jovem Luca de Montezemolo, enquanto que como rival, na Brabham pilotada por Carlos Reutemann e (a partir da segunda metade do ano) José Carlos Pace, tínhamos Bernie Ecclestone, que estava na Formula 1 há algum tempo, depois de ter sido piloto e vendedor de carros usados, tendo lá chegado como "manager" de Jochen Rindt. Um os seus amigos na Formula 1 estava na March, cuidado do aspecto comercial dos carros. Chamava-se Max Mosley.
Bem vistas as coisas, a Formula 1 vê as mesmas caras ha mais de 40 anos. Uma geração inteira viu a ascensão destas pessoas ao topo da categoria máxima do automobilismo. E mesmo Jean Todt não é tão novo assim: está por estas banas desde 1993. E em 1974, era um mero navegador de ralis na Alpine... apenas estava noutra categoria. E Ron Dennis estava na Formula 2, tentando montar a sua equipa para o objetivo da Formula 1, que alcançaria poucos anos depois.
Apesar das inovações tecnológicas, nunca houve uma verdadeira renovação das mentalidades. É um desporto iminentemente conservador e nos últimos vinte anos, perdeu aquele amadorismo garagista que dava cor a sabor a ela, e do qual muitos se viram atraídos. É certo que não desejo o regresso dos Andrea Modas e das Lifes desta vida (trocadilho nada intencional), mas ver esta Formula 1 virar um clube super-elitista, com boxes enormes e esterelizadas, com um público demasiado afastado do "paddock", com novos-ricos a passearem pela grelha, com bilhetes super-caros e transmissões televisivas em canais pagos, é um prego no caixão de um certo tempo onde os garagistas podiam arriscar e ser felizes, contra as marcas que gastavam milhões e pouco ou nada conseguiam. Uma Williams contra uma Alfa Romeo tinha tanta piada como ver o nosso corredor favorito vencer, mas isso hoje não existe mais.
Suspeito que depois de Bernie, venham tempos agitados. É certo que muita desta agitação atual é artificial, por causa dos gostos e das apetências de certos dirigentes. Há muito circo nas declarações de Luca de Montezemolo e do próprio Bernie Ecclestone, mas na verdade, sabemos que quando um se vai embora, todos querem o trono, para poderem mandar nos outros. E a Formula 1 - há que reconhecê-lo - é muito mais rica graças a Ecclestone. E todos querem uma fatia maior desse bolo que no final do ano passado já valia 1700 milhões de euros.
Em suma, o final de uma era que crescemos, observamos e por vezes odiamos, está aqui. O que vai acontecer a seguir é uma incógnita. Tanto pode ser bom, como mau. Mas será diferente, com certeza.
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