domingo, 7 de outubro de 2018

A Ferrari tem de deixar de ser italiana

Já escrevi há algumas semanas que a Ferrari tem sido, desde da saída de Michael Schumacher, há doze anos, um cemitério de carreiras para pilotos. Fernando Alonso, Felipe Massa, Kimi Raikkonen, e agora, parece que Sebastian Vettel vai a caminho. Não sei se Lewis Hamilton seria a excepção, mas duvido que o inglês vá querer ir para lá, a não ser que seja para umas "férias ativas", ou seja, uma última temporada antes de pendurar o capacete e ir para Hollywood.

Quem se lembra da Ferrari dos tempos em que Schumacher dominava tudo, no inicio deste século, sabia mais ou menos quem estava nos cargos de chefia da equipa. O chefe era Jean Todt, o diretor técnico era Ross Brawn, o projetista era Rory Bryne. E esses três, combinado com Schumacher, ganharam cinco campeonatos seguidos entre 2000 e 2004. Mas estavam juntos desde 1997, contratados com a anuência de Luca de Montzemolo. E perderam muito antes de ganhar, especialmente em 97, onde tudo acabou na curva Dry Sac, em Jerez, com uma manobra controvérsa do piloto alemão.

Dos títulos vencidos, só o de 2003 foi o mais apertado de todos, resolvido na última corrida, depois de três vitórias consecutivas do alemão. De resto, foi ganha com folgas, e os títulos de 2002 e 2004 foram vencidos com margens a roçar o escândalo. Mas desde que Schumacher saiu da Scuderia, em 2006, e com as saídas de Todt e Brawn, a equipa italiana não conseguiu mais nada de relevante, tirando 2007, quando ganhou de modo inesperado o título mundial, com Kimi Raikkonen. E os famosos trinta segundos de Felipe Massa em Interlagos, em 2008. Desde então, houve demasiados "remates à trave", primeiro, com Fernando Alonso, e agora, com Sebastian Vettel. E nem falamos de Felipe Massa.

Nesse tempo, a Ferrari quis voltar a ser "italiana", Primeiro com Stefano Domenicalli, agora com Maurizio Arrivabene. E em termos de dirigentes, de Luca de Montezemolo, passamos para Sergio Marchionne, que liderou o grupo FCA até morrer, em julho deste ano. Só que, apesar da injeção de dinheiro e da contratação de bons engenheiros estrangeiros, como o britânico James Allison, não conseguiram vencer títulos. E houve até anos em que nem venceram corridas, porque a Red Bull e a Mercedes construíram carros realmente imbatíveis.

Agora vamos a ver as dez equipas presentes na Formula 1. Dessas, oito tem sede em terras ingleses, todas elas no "Motorsport Valley". A Red Bull está em Milton Keynes, a Renault está em Enstone, a Mercedes em Brackley, a McLaren em Woking, a Force India em Silverstone, a Haas está em Banburry, a Williams em Grove, e a Toro Rosso não está longe da Red Bull. As excepções são a Sauber, em Hinwill, na Suíça, e a Ferrari. Estão todos perto um do outro, tanto que a zona do centro da Grã-Bretanha, nos Midlands, já se chama de "Motorsport Valley".

E ter todas essas equipas perto é ótimo porque se mudarem, não precisam de mudar de casa, é só o percurso que se torna diferente. E isso dificulta a vida das equipas que não estão lá. Quem é o inglês que queira trabalhar para a Sauber ou Ferrari? Poucos, porque essa gente tem família, e ir para a Suíça ou Itália significa mudar de casa e falara uma língua estrangeira, apesar de quase toda a gente dominar o inglês. E isso foi tido em conta quando Renault e Mercedes foram para a Formula 1. Ambos compraram as instalações que eram da Lotus (Renault) e BrawnGP (Mercedes), evitando construir tudo em França ou Alemanha, onde os custos eram maiores, pois o euro é mais fraco que a libra.

Então, o que se deve pensar? Provavelmente, para a Ferrari voltar a ser alguém, tem de ser menos italiana e mais mundial. Ou seja, ir buscar pessoas de todo o mundo. E para ir buscar os melhores, ou gasta muito dinheiro, ou monta uma sede em terras britânicas. É sacrilégio? Vivemos num mundo globalizado, a ideia de uma equipa representar um país já acabou. A Haas, americana; a Renault, francesa e a Mercedes, alemã, viram que ter uma sede no Motorsport Valley é meio caminho andado para as vitórias e os títulos mundiais. E a Toro Rosso, que não deixou de ter sede em Faenza, onde era a Minardi, criou uma sede inglesa e consegue trabalhar em "tandem" com as sede italiana.

Ter uma sede britânica, recrutando ingleses, não a impede de ter a sede em Maranello. Os carros podem ser fabricados em Itália para serem testados na sua pista privada. Não é preciso fechar a fábrica dos carros de estrada, tudo pode ser feito onde está, mas ter uma sede no Motorsport Valley é importante. Poupa-se dinheiro, contrata-se pela competência e não pela nacionalidade, e ter dirigentes multinacionais fazem com que a politica não seja tão importante na tomada de decisões.

Só que o problema é este: na Ferrari, há demasiada politica. Vê-se que este ano, a decadência da Scuderia no campeonato coincidiu com o falecimento de Marchionne e a substituição por John Elkann. E a falta de liderança vê-se nos constantes erros feitos por todos, desde o piloto que se derrete a olhos vistos, até às más decisões da equipa. A Mercedes ganha por mérito, mas também por demérito da Ferrari.

Portanto... se a Ferrari quiser ser um pouco mais profissional, este seria um bom caminho. Teria mais chances de escolher os melhores e mais chances de vitórias e títulos. O seu último grande momento aconteceu porque tinham escolhido os melhores, tinham um dirigente que lhes deu carta branca e um piloto muito bom. É isso que falta. Ser menos italiano e mais globalista poderá ser o caminho para o regresso aos títulos. Mas provavelmente vão querer ir pelo caminho mais difícil. Se for assim, então a Scuderia vai continuar a ser aquilo que disse há mais de um mês e voltei a dizer no inicio deste artigo: a sepultura de carreiras de pilotos e dirigentes.

1 comentário:

EclipseAgito229 disse...

Muito bom!

Realmente isso é um ponto muito importante que explica em parte a constante derrocada da equipe de Maramello, antes e pós era Michael Schumacher.

É, de fato, um detalhe que muitos (incluso eu) ainda não se aperceberam.