domingo, 2 de setembro de 2018

Ferrari, o cemitério dos pilotos

A Ferrari na Formula 1 é como o Evereste nos alpinistas. Está lá, logo, temos de ir para sermos pilotos a sério. Se chegarmos lá e ganhar, teremos o respeito de todos. Não preciso de ser piloto de Formula 1 para pensar assim, basta conhecer a história da Scuderia. E é verdade. Mas a Ferrari é um cemitério de pilotos. Dos anos 50 aos 80, era literal: Alberto Ascari, Eugenio Castelotti, Alfonso de Portago, Peter Collins, Wolfgang on Trips, Lorenzo Bandini, Ignazio Giunti e Gilles Villeneuve, todos acabaram a sua vida ao volante de um carro vermelho. E ainda por cima, nesses tempos, muitos consideravam que perder a ida ao volante do carro vermelho nem era uma tragédia, era uma honra.

Nem todos tinham essa atitude. Juan Manuel Fangio tinha medo de correr com eles, Stirling Moss foi mal tratado por Enzo Ferrari no inicio da sua carreira e jurou que nunca iria correr para eles. Mike Parkes partiu ambas as pernas em Spa-Francochamps, na corrida a seguir ao acidente mortal de Bandini, em 1967, acabando precocemente a sua carreira no automobilismo, Ludovico Scarfiotti preferiu abandonar a equipa porque temia ser "a próxima vítima". E John Surtees, "Big John", foi vítima das intrigas dentro da Scuderia. E nem falo de Niki Lauda, que carrega as cicatrizes de uma tarde de agosto no Nordschleife e meses mais tarde, em Fuji, quando largou voluntáriamente o carro porque prezava mais a vida que o campeonato, foi acusado de traidor e cobarde. No ano seguinte, foi campeão usando o cérebro e na primeira oportunidade, saiu pelo seu próprio pé, avisando todos... menos Enzo Ferrari.

É esta a história da Scuderia. Hoje em dia, acabaram-se as mortes na Formula 1, mas a Scuderia sepulta carreiras. Não só de pilotos, mas também de mecânicos e engenheiros. Podem ver o palmarés atual: não ganha nada desde 2008. E vejam só quantos é que estiveram por ali: pilotos como Felipe Massa, Fernando Alonso, Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel. Alguns dos melhores do pelotão. Mas apesar das vitórias, a Ferrari assistiu aos domínios, primeiro da Red Bull, depois da Mercedes.

Lembro-me de, no fim de semana do GP da Índia de 2012, Fernando Alonso ter dito que estava a correr contra Adrian Newey, e não contra Sebastian Vettel. Nunca me esqueci dessas declarações e achei de uma tremenda injustiça. Porque era um tremendo mau perder por parte do piloto espanhol, que menosprezava o adversário. E a frustração de Alonso tinha justificação: queria ganhar na Scuderia, achava que tinha tudo, bastava ter um dia de sorte... e não teve. Em 2010, em Abu Dhabi, marcou o cavalo errado - achava que Mark Webber era o favorito, foi bloqueado por Vitaly Petrov e Sebastian Vettel aproveitou a chance para vencer, vindo de trás. E dois anos depois, em Interlagos, teve a sorte do seu lado num momento de azar, quando Bruno Senna tocou na sua Williams no carro do alemão... e este aguentou. E ele ficou na frente do espanhol.

Em suma: a Ferrari derrotou-o. Da mesma forma que derrotou Massa, por causa das politicas ou das hierarquias. Destrói reputações. É verdade que, no caso do brasileiro, teve uma chance de ouro em 2008, quando foi campeão do mundo por trinta segundos, até que Timo Glock saiu em frente na última cura da última volta, dando espaço a Lewis Hamilton de vencer o seu primeiro título mundial, quando não conseguia passar o Toro Rosso de... Sebastian Vettel.

E nem falo só dos pilotos. Falo dos engenheiros, dos administradores, dos estrategistas, dos "manda-chuvas". É como uma equipa de futebol, se não há resultados, todos tem de ser despedidos. Todos estão sob pressão. "A Ferrari é obrigada a ganhar", parece ser um mantra que anda a pairar em Maranello. Parece que o fantasma de Enzo Ferrari nunca abandonou a fábrica, trinta anos depois de ter morrido.

Já repararam em todos os que lá estiveram? Quantos é que foram bem sucedidos? Olhem para Stefano Domenicalli, assediado até ser despedido. Engenheiros como James Allison, que deu o seu melhor até saír, embora a razão tenha sido pessoal - a sua mulher tinha morrido. E digam o que disserem, Marurizio Arrivabene é um homem acossado, que não descansará até ser despedido, a pretexto dos maus resultados, ou vai alegar que está cansado da vida louca da Formula 1.

E claro, a cúpula não escapa. Vimos o que aconteceu neste verão, com o grupo FCA, com o desaparecimento de Sergio Marchionne, em julho, e a substituição na Scuderia por John Elkann, um dos netos de Gianni Agnelli.

E claro, vamos perguntar sobre Michael Schumacher. Todos sabem que foi o único que ganhou títulos - e ganhou cinco seguidos. Ganhou com uma equipa técnica de excelência, com Rory Bryne, Ross Brawn e Jean Todt. Mas conquistou no ano 2000, cinco temporadas depois da sua chegada. E perdeu títulos antes de ganhar: 1997 e 1998, e o acidente em 1999, em Silverstone, colocou-o meia temporada no "estaleiro". Esquecemos que Schumacher, antes de vencer, perdeu muitas vezes, duas vezes em confronto direto.

Em jeito de conclusão, a Ferrari fascina. Mas não é uma equipa fácil. A exigência é enorme, e a qualquer derrota, os "tiffosi" desejam mudanças. E claro, qualquer vitória deles tem mais significado que a de uma Mercedes, Williams, McLaren ou Red Bull. Porque eles estiverem desde sempre. E é onde todos querem vencer. Mas qual máquina trituradora, a Ferrari destrói mais as carreiras dos que pretendem vencer pelos vermelhos. 

Quebrar sob pressão é mais frequente do que triunfar, e Sebastian Vettel poderá ser o próximo de uma longa lista, por muito que seja veloz e bata a concorrência.

1 comentário:

Ricardo Botto disse...

O comentário procede, mas dessa vez Maranello lhe deu um carro competitivo e ele pôs o campeonato a perder. Não é característico dele, por fatos passados inclusive, ser competitivo sob pressão.