segunda-feira, 29 de março de 2021

O homem que nos deu a fibra de carbono


Há 40 anos, a Formula 1 via pela primeira vez um carro totalmente construído de um material totalmente novo. A fibra de carbono não era uma novidade, pois era usado em componentes como asas, por exemplo, mas um chassis era território não atravessado. A McLaren deu esse passo com o MP4/1 e nem olhou pra trás, provando que ele era leve e resistente ao ponto de absorver alguns dos piores choques.  

Quem conhece mais ou menos a história do MP4/1, sabe que é um carro desenhado por John Barnard, que aproveitou bem os conhecimentos aerodinâmicos do Chaparral 2K, que às mãos de Johnny Rutheford, venceu o título da IndyCar em 1980, e aproveitou bem o que se fazia na Hercules Aerospace, em Salt Lake City, na tecnologia aeroespacial, para construir esse chassis. Mas antes, bem antes disso, havia uma pessoa que ajudou imenso para que o automobilismo abraçasse essa tecnologia. E é um nome desconhecido para imensa gente: Roger Sloman, que propôs essa solução em 1974, sete anos antes de a ver concretizada.

Curiosamente, a McLaren foi uma das primeiras marcas a usar a fibra de carbono, mas nos seus chassis de Can-Am, no inicio dos anos 70. Mas esse uso era em componentes removíveis, como narizes ou portas, pelo menos nos carros de GT. Sloman, que fora entrevistado pela Motorsport britânica em novembro passado no rescaldo do acidente de Romain Grosjean, recorda das suas origens na modalidade. 

Eu li um artigo sugerindo que a [firma] GKN estava pensando em produzir rodas de fibra de carbono para carros de Formula 1, por 300 libras cada”, começou por dizer. “Isso é absolutamente a pior coisa que você poderia fazer com ele. O encaixe dos pneus, alavancando-os contra o aro - a fibra de carbono não é muito boa para suportar esse tipo de carga - iniciaria possíveis falhas. Minha carta não entrou em detalhes. Basicamente, dizia: 'Pelo amor de Deus, não use para fazer rodas! Mas você pode usá-lo para todo o resto, incluindo um chassis completo.'

Sloman tinha-se graduado em Química de Polímeros na Hatfield Polythecnic e em 1972 tinha aceite um emprego na área de Pesquisa e Desenvolvimento na Fothergill & Harvey, em Littleborough. Ali, pesquisava novos materiais, e chegou à conclusão que a fibra de carbono teria no automobilismo um campo bem fértil, e depois de uma pesquisa na área, chegaram à conclusão de usarem como componentes internos nos motores Cosworth DFV, uma ideia que foi rapidamente descartada.

Recebi respostas encorajadoras à minha carta - Tony Southgate na Shadow, Harvey Postlethwaite em Hesketh, Don Beresford na McLaren, entre outros - e era óbvio que isso estava indo para algum lugar”, disse Sloman. “Então eu perguntei se eu poderia fazer isso no meu tempo livre. Eu costumava abrir caminho para os boxes nas corridas de Formula 1 britânicas - geralmente carregando uma peça em fibra de carbono - e apregoando meus produtos. Eventualmente Bernie Ecclestone começou a me dar passes.

Ele começou necessariamente pequeno, e não estrutural: placas de extremidade de asa para McLaren, Shadow e Tyrrell, entre outros: “As placas de extremidade eram então de alumínio ou magnésio [com esse último material tinham de ter pelo menos 3 milímetros de espessura após o acidente fatal de Jo Schlesser no GP de França de 1968] e pesadas 2 a 3 libras cada. Tiramos 80 por cento disso usando películas finas de fibra de carbono em um núcleo de espuma Rohacell com inserções de tecido de vidro nos pontos de fixação.” 


Mas um acidente colocou dúvidas sobre o seu futuro no automobilismo. A 29 de abril de 1975, durante o GP de Espanha, no circuito de Montjuich, em Barcelona, o Hill de Rolf Stommelen sobre uma quebra estrutural da sua asa e despista-se fortemente, ferindo-o gravemente e causando cinco mortes entre os espectadores. A falha tinha sido causada por causa de um suporte da asa traseira feita... de fibra de carbono. Chegou-se a discutir a proibição do uso de fibra de carbono como componente na construção de carros de Formula 1, mas felizmente tal ideia foi rejeitada.

Poucas semanas mais tarde, uma asa feita de fibra de carbono era usada no Mirage GR8 de Endurance, que guiado por Derek Bell e Jacky Ickx, deu a vitória nas 24 Horas de Le Mans de 1975. De uma certa forma, era a redenção, e Sloman sentia-se vingado, mas por estes dias, as coisas iam mudar na sua vida profissional.

A empresa onde trabalhava não estava interessados no que eu estava fazendo. Talvez eles pensaram que eu iria embora de qualquer maneira. Eu consegui uma indenização de duas mil libras, o que foi útil para começar meu negócio. Eu era casado e tinha um filho pequeno, então havia um elemento de aposta. Eu era uma banda de um homem só. Em setembro de 1976, mudamos para Derby para uma velha fábrica de dois andares com 300 pés quadrados, para ficar mais perto das equipas de Formula 1, e lá permanecemos por um ano, até que a serragem que caia pelas fendas do andar de cima tornou-se um grande problema."

O faturamento do meu primeiro ano foi de dez mil libras, fabricando placas terminais não estruturais. Então sugeri a Harvey Postlethwaite que montasse a asa traseira em placas de extremidade estruturais, livrando-se da montagem central e limpando o fluxo de ar por baixo. Quando Jody Scheckter venceu o primeiro GP de 1977 naquele Wolf, com a sua asa num tubo cruzado na parte superior da caixa de velocidades, todos seguiram o exemplo. As coisas ficaram malucas. O faturamento no meu segundo ano foi de 36 mil libras e ficou claro que precisaríamos de mais espaço, então nos mudamos para uma unidade de dois mil pés quadrados em Derby. A Advanced Composites tornou-se empregadora em setembro de 1977."

A chegada das saias, consequência da adopção do efeito-solo, fez com que o uso da fibra de carbono se generalizasse, e o primeiro uso foi na Brabham, quando Gordon Murray pediu a ajuda deles para fazer o que iria ser o BT46B "ventoinha". E no final de 1978, as receitas tinham aumentado para 136 mil libras.

Eles tinham que ser mantidos no solo por uma mola para vedar a folga de ar e não ficar muito tempo acima dos lancis e lombadas - portanto, seu peso não suspenso era muito importante. As equipes queriam o mais leve possível e fizemos saias para todos, exceto a Ferrari. Tiras de desgaste de cerâmica circulares moldadas no local e tiras de aço inoxidável para os rolos de ranhura rodarem também foram minhas ideias.

O negócio ia de vento em popa até ao final de 1980, quando a FISA decidiu banir as saias. Mas por essa altura, já se pensava em diversificação, e a ideia de construir um chassis completo, a velha aspiração de Sloman, começava a surtir efeito nos projetistas. O primeiro a dar esse passo foi John Barnard, mas ironicamente, não usou os serviços da sua empresa para construir o MP4/1. A Lotus usou também isso para o seu chassis, o 88, mas foi por eles mesmos. Só quando Nigel Benett pediu à Advanced Composites para que ajudasse a construir o seu N181 de 1982, é que as suas ideias foram colocadas em prática. 


Mas o projeto mais vasto veio de Itália, quando Carlo Chiti os contactou para construir um chassis de fibra de carbono total, com o Alfa Romeo 182, projetado por Gerard Ducarouge e guiado pelos italianos Bruno Giacomelli e Andrea de Cesaris

Fui ver Chiti [na Autodelta em Milão] - ele estava lá com seu chihuahua - e ele encomendou uma dúzia de chassis. Devemos ter construído apenas cinco ou seis. Dentro de determinadas dimensões externas e internas, como ele foi projetado e construído dependia de nós. Usamos dois moldes fêmeas, uma metade superior e outra inferior. Eu acho que é como todos fazem agora. Porque você está forçando o material nos cantos, ele não pode dobrar. É melhor em termos estruturais e esteticos. Nosso Alfa 182 era lindo e eu estava muito orgulhoso dele - e [fiquei] desapontado quando eles decidiram encaixar a carroceria na frente.

Do suporte do motor à suspensão dianteira, ao longo do topo da cabine, havia uma correia sólida de Kevlar unidirecional que basicamente manteria o carro coeso em um grande acidente; duas 'cordas' muito fortes evitando que a pele relativamente frágil do favo de mel se rasgasse num acidente. Se você tornar as coisas mais fortes e leves, irá mais rápido. Mas a segurança sempre fez parte do meu lance também. Quando eles [a FIA] exigiram o "crash test", ele provou a enorme capacidade de absorção na trituração da estrutura de colmeia na fibra de carbono."

Sloman continuou a construir chassis para diversas equipas, não só na Formula 1, como também para a Endurance, IndyCar e outras categorias, até se retirar da empresa no ano 2000. Hoje em dia, as suas ideias para a introdução deste tipo de material na Formula 1 fizeram dele uma espécie de "unsung hero" na categoria, porque não era nem piloto, nem projetista ou engenheiro. Apenas um químico com uma boa ideia e um material moldável, que há quatro décadas anda a salvar vidas nas pistas um pouco por todo o mundo. 

1 comentário:

Jefferson disse...

Pensei que o primeiro havia sido o Fittipaldi projetado/construído por um tal de Adrian Newey.