terça-feira, 29 de junho de 2021

A imagem do dia


No calor de Monsanto, durante o GP de Portugal de 1959, um piloto aproveita para se refrescar. O que está no carro é Harry Schell, e na ponta está outro piloto, o sueco Jo Bonnier. Entre eles, agarrando a garrafa de água, o fotógrafo francês Bernard Cahier. Schell e Bonnier eram pilotos da BRM, e o americano acabou a corrida na quinta posição, a três voltas do vencedor.  

Que o automobilismo é perigoso, disso nunca houve dúvidas. E no dia em que se completa o centenário do seu nascimento, a grande ironia de Harry Schell é que ele era prudente a conduzir e foi um dos primeiros advogados da segurança nos automóveis. Ele tinha visto os carros americanos com enormes proteções por atrás da cabeça do piloto, suficientemente altos para o proteger em caso de capotamento, evitando que fique esmagado ou com o pescoço partido. Ironia das ironias, ele morreu durante uma corrida em Silverstone... vitima de um capotamento.

Mas a vida de Harry começou muito antes. Os seus pais, americanos expatriados que mereciam um capitulo no "Paris é Uma Festa", o livro de Ernst Hemingway sobre os seus tempos na Europa, após a I Guerra Mundial, adoravam o automobilismo e fundaram a Ecurie Bleue, financiando a aventura da Delhaye antes da II Guerra Mundial. Com ele a crescer no meio de barulho e cheiro a gasolina, ser piloto tornou-se uma inevitabilidade.

Mas antes de ter uma carreira a sério, a II Guerra Mundial entrou na sua vida. Primeiro, foi oferecer os seus serviços para a Força Aérea Finlandesa, e depois, ao serviço do Exército Americano, guiou tanques Sherman por essa Europa fora até ao centro da Alemanha.  E quando tudo acabou, ajudou a mãe na equipa, ele que já tinha isto o pai morrer em outubro de 1939 num acidente de estrada.

Quando herdou a fortuna da mãe, em 1952, passou a ser um piloto consistente na pista e a viver a vida como se acabasse tudo no dia seguinte. Mas com o tempo, tornou-se num dos mais respeitado do pelotão. Foi ele que deu os primeiros pontos da Vanwall, ao ser quarto classificado no GP da Bélgica de 1956, e dois anos depois, ao serviço da BRM, foi um piloto consistente com o seu melhor resultado um segundo lugar no GP dos Países Baixos, em Zandvoort, depois de um duelo com o Vanwall de Stirling Moss, ficando também na frente de Jean Behra, seu companheiro de equipa.

Em 1960, Schell, com quase 39 anos, estava mais a pensar reerguer a Ecurie Bleue, a formação da sua mãe, e do qual tinha começado a sua carreira. Mas uma oferta para correr na British Racing Partnership, que tinha inscrito os Cooper T51 vencedores do campeonato de 1959, ao lado de Chris Bristow e Tony Brooks, o fez aceitar a oferta. E a sua primeira corrida ao serviço deles iria ser no International Trophy, a 14 de maio desse ano, em Silverstone.

Contudo, durante os treinos, perdeu o controlo do seu Cooper na curva Abbey a mais de 160 km/hora, o carro capotou e foi de encontro a uma parede, derrubando-o. Schell morreu imediatamente, mesmo antes do sucesso que a equipa teve naquele ano, pois o seu substituto, o belga Olivier Gendebien, conseguiu dois pódios nessa temporada. Quanto à sua defesa de um "rollbar" nos carros, isso acabou por acontecer na temporada seguinte.

Hoje, falei do filho. Amanhã, falo da mãe. 

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