Mas na primeira parte desta história, falarei das 500 Milhas de Indianápolis. E em 1914, os estados Unidos, que como na Europa, tinha mergulhado de cabeça na aventura do automobilismo e tinha montado uma industria, era, curiosamente... uma potência secundária, perante os Europeus. É que em 1914, os favoritos eram franceses: Delage e Peugeot.
Em 1913, a Peugeot tinha sido a primeira marca europeia a triunfar no "Brickyard", com Jules Goux ao volante, e no ano seguinte, regressava com Goux, Georges Boillot e o belga Arthur Duray. Do lado da Delage, havia René Thomas e Albert Guyot, mas também havia outras marcas, como a britânica Sunbeam. O prémio era bem chorudo: 25 mil dólares para o vencedor. Parece não ser grande coisa agora, mas nesse tempo, era dez vezes maior que a média de prémios recebidos pelo primeiro classificado. Com prémios destes, tinha conseguido atrair a atenção dos europeus que nesse ano, estavam seis franceses e dois belgas, contra uma maré americana de Stutzs, Duesenbergs ou Mercers, entre outros.
Goux, que regressava para defender o título, tinha conseguido através de uma tática... pouco ortodoxa. Nascido a 6 de abril de 1885, em Valentigney, no leste de França, tinha começado a correr em 1909, ganhando a Taça da Catalunha, em Stiges, foi no ano seguinte para a Peugeot, onde se tornou piloto de fábrica, ao lado de Georges Boillot. em 1913, ambos foram para a América, concorrer nas 500 Milhas. Ele e o seu mecânico de bordo, Emil Begin, beberam... quatro garrafas de campanhe entre eles durante as paragens nas boxes. Era um dia muito quente e era a bebida que tinham mais à mão. Acabou com... sete voltas de avanço sobre o segundo classificado, Spencer Wishart. A maior diferença de voltas entre os dois primeiros até aos dias de hoje.
No final da corrida, Goux afirmou: "O calor foi terrível. Sofri, mas se não fosse o vinho, não teria conseguido guiar esta corrida". Contudo, para 1914, os oficiais da AAA - A Associação Automobilística Americana, entidade que regulava então as 500 Milhas de Indianápolis, baniram o consumo de álcool nos pilotos.
A preparação para as 500 Milhas de 1914 não foi aquele que conhecemos hoje. Aliás, seria irreconhecível e incompreensível para os padrões de agora. Havia em primeiro lugar um concurso de velocidade, onde os trinta melhores passariam em termos de velocidade de ponta - não as quatro voltas onde a média é contada. E depois disso... um sorteio puro. Sim, leram bem: um sorteio. Ou seja, se fores a pole, e tiveres azar, poderias largar de último, a caminho de uma corrida que, nessa altura, durava seis horas.
Na primeira parte, o melhor foi outro Peugeot, o de Georges Boillot, fazendo o tempo de 1.30,1, a uma velocidade máxima de 125 milhas por hora, ou 201 km/hora, e uma média de 99,86 milhas por hora, ou 160,70 km/hora. Quase as míticas cem milhas de média - que só seriam passadas uma década depois, em 1925.
As origens de Boillot, outro francês e um pouco mais velho que Goux - nascera a 3 de agosto de 1884, em Vatinguey, no Doubs francês - eram mais humildes: tinha começado como mecânico, antes de 1908 ter sido aceite na Peugeot. Começara a competir na Targa Florio de 1910, e em 1912, em Dieppe, ganhara o GP de França, a bordo do modelo L76, o primeiro modelo com uma dupla árvore de cames, com quatro válvulas por cilindro. No ano seguinte, em Amiens repete a proeza, ao ganhar pela segunda vez seguida o GP de França. Em 1914, com muita razão, era o piloto mais famoso do seu país, e claro, a Peugeot tinha, se calhar, a melhor equipa do mundo.
E claro, era o favorito numero 1 à vitória.
Com o sorteio, que acontecera dois dias antes da corrida, o sortudo foi outro francês, Jean Chassagne, que corria pela Sunbeam. Duray foi o melhor dos Peugeot, partindo de 11º, enquanto Goux largava de 19º e Boillot era o segundo... a contar do fim.
Na partida, Howdy Wilcox foi o primeiro líder, mas na segunda volta, era o belga Josef Christiaens a ficar com o comando, iniciando o domínio dos europeus. rené Thomas chegou ao primeiro lugar na 13ª volta, no seu Delage, e ficou definitivamente por lá a partir da volta 116. No final, foi outra marca francesa a triunfar, mas ao todo, ele liderou por 102 voltas, pouco mais de metade da corrida. O belga Arthur Duray foi o segundo, no seu Peugeot, e Albert Guyot, no segundo Delage, o terceiro. Barney Oldfield foi o melhor dos americanos, mas apenas na quinta posição.
Quanto aos outros pilotos da Peugeot, tiveram sortes diferentes: Goux foi quarto e Boillot foi vítima da degradação precoce dos pneus, acabando na 14ª posição.
Muitos anos depois, em 1973, René Thomas, então com 87 anos, regressou a Indianápolis para andar na pista, no carro que ganhou em 1914, perante o aplauso da multidão. Morreu a 23 de setembro de 1975 em Colombes, na região de Hautes-La-Seine, aos 89 anos de idade. O seu carro ainda está no museu de Indianápolis, na galeria dos vencedores.
Para finalizar: entre os que terminaram a corrida, na décima posição, estava um americano chamado Eddie Rickenbacker. Nessa altura tinha 23 anos, mas apenas estava no inicio de uma vida cheia de aventuras no automobilismo e na aviação. Mas isso fica para outro dia.




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