sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Quebrando sob Pressão (parte 1)


Desde há uns meses a esta parte que a carreira do catalão Jaime Alguersuari estava em suspenso depois do incidente que teve após a corrida em Moscovo da Formula E. Sem que os médicos pudessem avaliar a sua causa, apesar dos rigorosos testes feitos ao longo do mês de julho, o piloto de 25 anos, com passagem pela Toro Rosso de 2009 a 2011, decidiu terminar com a sua carreira e tentar ser feliz... na musica, sendo DJ.

Numa conferência de imprensa feita na manhã desta quinta-feira no Conselho Superior dos Desportos, em Madrid, o piloto espanhol explicou que “decidi parar porque este é um momento de mudança. Algo dentro de mim diz que é necessário seguir um novo caminho porque perdi o amor pelo desporto automóvel. Não é um dia triste, o que neste momento faz com que esteja feliz é a música, agora vou fazer música. Não sei sou bom nem sei o que vai acontecer”.

A carreira de Alguersuari foi curta, mas cheia. Campeão da Formula 3 britânica em 2008, apoiado pela Red Bull desde algum tempo antes, chegou à Formula 1 no GP da Hungria de 2009 em substituição de Sebastien Bourdais, aos 19 anos e 125 dias, um recorde que foi batido este ano por Max Verstappen. Ao todo fez 46 Grandes Prémios, em três temporadas, conseguindo 31 pontos e dois sétimos lugares em 2011 como melhores resultados.

Saindo da Toro Rosso em 2012 - em conjunto com Sebastien Buemi, o seu companheiro de equipa - foi piloto de testes pela Pirelli até regressar competitivamente em 2014 na Formula E, ao serviço da Virgin, obtendo 30 pontos - e um quarto lugar em Buenos Aires como melhor resultado - para além de uma volta mais rápida, antes de sair precocemente da equipa na ronda final de Londres.

O abandono da carreira a uma idade precoce parece ser algo pouco falado, mas é bem frequente, parecendo que não. E mais do que a razão habitual - o dinheiro e a falta dela - nos faz pensar até que ponto estes jovens estão a fazer as coisas de forma contrariada. Lembro-me do exemplo de Joshua Hill, filho de Damon Hill e neto de Graham Hill, que abandonou em 2013 uma carreira na Formula 3 europeia para perseguir o seu sonho de ser musico, algo que o seu pai faz nas horas vagas. Há frustrações por não poderem ir tão longe como queiram, mas também nos últimos anos houve a obsessão de chegar o mais alto possível, o mais cedo possível.

Mas no caso de Alguersuari - e já agora, de mais alguns piltos - é lendária a pressão que a Red Bull faz aos pilotos da sua academia, e muitos cedem, se não forem feitos do mesmo material que são feitos os campeões. Um bom exemplo desse "cracking under pressure" (um trocadilho ao famoso anuncio da marca de relógios TAG Heuer) foi o que aconteceu com Scott Speed no GP da Europa de 2007, onde trocou socos com Franz Tost, o chefe da equipa. Despedido após essa corrida, foi substituído por um alemão chamado Sebastian Vettel...

A Red Bull sempre foi um prsente envenenado. Muitos dos pilotos que lá entraram acabaram mal, e quando saem, falam sempre da prssão inacreditável que os responsáveis faziam sobre ele no sentido de conseguirem resultados "para ontem". E quando não correspondiam, a equipa simplesmente os descartava, qual objeto indesejável. Quando soube que António Félix da Costa foi para a academia, em junho de 2012, receei que ele fosse "triturado" e cuspido sem dó nem piedade. A sua meia temporada da World Series by Renault e na GP3 desmentiram isso, mas no ano seguinte, quando foi superado por Stoffel Vandoorne e Kevin Magnussen, foi superado pelo russo Daniil Kvyat, que na altura poucos tinham ouvido falar, mas que nessa estava a fazer bons resultados na Formula 3 europeia. Agora, o pilto português continua a ser apoiado pelos energéticos, mas no DTM alemão, e provavelmente pode ter perdido para sempre a sua chance na Formula 1.

Recuemos quase dezasseis anos no tempo. Antes da fornada vinda do "infantário" da Red Bull, houve o caso do argentino Esteban Tuero. Ao chegar à Formula 1 pela Minardi, tornava-se num dos mais jovens pilotos de sempre, com 19 anos de idade. Aliás, nessa altura, apenas Mike Thackwell e Ricardo Rodriguez o tinham superado. Tuero teve as dificuldades subjacentes a uma adaptação à categoria máxima do automobilismo, tendo como melhor um oitavo lugar no GP de San Marino. No final da temporada, Tuero sofreu um acidente que o fez magoar no pescoço, mas pouco depois - e de uma maneira chocante - ele decidiu que iria abandonar de vez os automóveis. Ele, que tinha lugar assegurado na Minardi em 1999 por causa da sua performance. 

E foi então que se viu o que se passava: vindo de uma familia de automobilistas - o seu pai foi piloto nas categorias locais - Tuero andava em karts desde os sete anos de idade, e passou para os monolugares aos 14 anos, na sua Argentina natal. Em 1995, aos 17 anos, o seu pai o colocou na Europa, para correr na Formula 2000 italiana, onde ganhou com tranquilidade. No ano seguinte, foi para a Formula 3 italiana, onde contra pilotos como Jarno Trulli, onde após algumas boas corridas, aterrou na Formula 3000... a meio do ano, pela Draco. Sentindo a diferença de potência, e alguma falta de adaptação, não pontuou. No ano seguinte foi para o Japão, mais concretamente para a Formula Nippon, onde conseguiu um sexto lugar em Fuji, numa altura em que já fazia testes com a Minardi, no sentido de fazer a quilometragem necessária para obter a Super-Licença. 

E tudo isto em menos de cinco anos, com uma familia a pressionar o seu rapaz para que chegasse à Formula 1 o mais depressa possivel. É certo que estes empenham as suas economias para que este chegue a bom porto, mas muitas vezes não se perguntam aos rapazes que estão nessa aventura se tem a capacidade de continuar. O mundo automobilistico pode ser stressante, e todas as equipas lutam para ter dinheiro para sobreviver, desde as categorias mais baixas até à Formula 1. E como nas outras categorias, muitos pais vêm nos seus filhos aquilo que eles não conseguiram ser nas suas vidas. Alguma vez perguntaram a eles se é esta a vida que querem ter?

(continua amanhã)

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