segunda-feira, 10 de abril de 2017

No Nobres do Grid deste mês...

"Coming out" é o termo usado na língua inglesa por estes dias para alguém que se declara homossexual ou lésbica. Ter pessoas que se assumem nessa condição, dizendo que querem viver da mesma maneira que as pessoas heterossexuais, é importante nos nossos dias, porque nos testa em termos de pessoa e a sociedade como um todo. Se no hemisfério ocidental, é algo aceite até por lei - neste momento, é reconhecido em 24 países do mundo, Portugal e Brasil incluídos - noutras parte do mundo é exatamente o contrário: não só é ilegal, como há penas que podem ir até à morte. Logo, assumir não é algo fácil, pois muitos temem a censura familiar e social, mesmo depois da proteção garantida por lei.

Pior ainda é se a pessoa fora desportista. São raros os que se assumem no desporto. Seja ele no atletismo, no futebol, no rugby, no automobilismo. Em desportos onde as emoções estão ao rubro, insultar o teu adversário com nomes como "bicha" ou "maricas", tentando atingir a auto-estima da pessoa, é bem mais frequente que imagina. E se muitas das vezes, as claques mais fanáticas insultam os seus adversários pela cor da pele, agora imaginem aqueles que são homossexuais, mas não o podem dizê-lo, pois caso contrário, é o equivalente ao suicídio da sua carreira... e se calhar, algo mais.

Há cerca de um mês e meio, um automobilista decidiu “sair do armário”. O britânico Danny Watts, de 37 anos, anunciou que era homossexual e que tinha orgulho nisso. A entrevista causou ondas, quer de um lado, aqueles que aplaudiram a decisão, quer do outro, daqueles que acham que é um “não-assunto” e que coisas da vida privada são precisamente isso: vida privada. O problema é que foi ele que o disse, numa entrevista, e não foi uma “coscuvilhice” ou uma “fofoca”: foi algo pensado e dito de forma pública, logo, é notícia. E como a pessoa deu a notícia sobre a sua situação, deu-a para dar um exemplo aos que ainda vivem no armário e tem medo da reação da sociedade perante tal coisa, que ainda vêm como uma aberração, por exemplo. Perguntem a um russo, por exemplo, se é fácil “sair do armário” naquelas bandas. Quem sabe da situação que se vive por lá, sabe que tal coisa não existe.

E é verdade: são poucos os casos de pessoas do automobilismo que são gays. Só conheço dois pilotos de Formula 1 que foram, e não tiveram grandes carreiras: o português Mário de Araújo Cabral, vulgo "Nicha", e o britânico Mike Beuttler.

No primeiro caso, "Nicha" correu quatro grandes Prémios entre 1959 e 1964, sem grandes resultados, e no segundo caso, Beuttler correu entre 1971 e 1973 numa March privada de cor amarela, sem pontuar alguma vez - o melhor que conseguiu foi um sétimo posto no GP de Espanha de 1973. Se "Nicha" ainda vive, aos 83 anos de idade, já Beuttler não: morreu em 1988, em São Francisco, vitima do vírus HIV. (...)

Este mês, escrevo no Nobres do Grid um tema delicado: a orientação sexual dos pilotos de automóveis. Sendo um meio onde a virilidade é um posto, um meio onde a esmagadora maioria das pessoas são homens e mostram a sua heterossexualidade, qualquer coisas que seja mostrada como "diferente" é vista num misto e curiosidade e hostilidade. Poucos são os pilotos que assumiram a sua homossexualidade, e a tendência é aquela que acontece com o desporto em geral, onde só quando as suas carreiras terminam, o desportista - seja em que área for - sai do armário e vive a sua vida.

Qualquer declaração nesse sentido, nestes tempos que correm, continua a ser um ato de coragem e só acontece em determinadas circunstâncias. E é um pouco sobre isso que falo este mês no Nobres do Grid

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