John Miles, falecido neste domingo aos 74 anos de idade, teve uma carreira curta mas valorosa. Boa parte dela ficou ligada à Lotus, apesar de também ter passado pela BRM e Brabham. Em muitos aspectos, era um engenheiro de alma e olhava o automobilismo como das únicas coisas na sua vida. Tudo isto num dos ambientes mais improváveis de acontecer: a sua familia era toda do teatro e do cinema, com os seus pais armados como cavaleiros pelos seus serviços relevantes na arte da representação. O bicho das corridas veio dos seus tios maternos, engenheiros automotivos desde muito cedo na sua vida.
Em outubro de 2014, o jornalista Sid Taylor entrevistou-o para um almoço que ficou captado para a posteridade nas páginas da Motorsport. E é nessas páginas que se ouve, em jeito de entrevista (ou confissão) sobre os bastidores da Formula 1 - e do automobilismo em geral - no tempo em que viveu. Com pormenores bem interessantes sobre alguns pilotos que conheceu em vida. E claro, vale a pena ler isto, do qual traduzi algumas partes.
"Quando um piloto decide pendurar o capacete, ele tem que encontrar uma maneira de lidar o resto de sua vida. Para a maioria, é muito difícil se livrar da paixão que trouxe provavelmente a maior emoção que já experimentaram. Alguns continuam trabalhando no desporto [que amam], gerindo equipas de uma maneira ou outra. Outros usam as [suas] energias competitivas que os fizeram grandes pilotos para encontrar sucesso no mundo comercial. Alguns continuam a aparecer nos cockpits no Goodwood Revival e em outros eventos históricos. E os outros estão sempre olhando para os seus grandes dias na pista, felizes por descrever cada corrida, cada volta, para quem quiser ouvir.
John Miles não é assim. Ele chegou à Fórmula 1, e ficou envolvido num drama terrível que atingiu a Lotus e, mesmo enquanto estavam a vencer o campeonato mundial para pilotos e construtores, sofreu a morte de seu líder, Jochen Rindt. Antes disso, John dominou suas categorias nas corridas britânicas e, depois disso, venceu o British Sports Car Championship. Então, ele virou as costas completamente, indo para uma carreira de sucesso, primeiro como jornalista técnico, e depois como engenheiro de design na indústria automobilística. De hatchbacks a supercarros, vários modelos principais se beneficiaram, geralmente de forma anónima, de sua compreensão sensível no seu manuseio [em estrada]. Agora ele trabalha para a empresa de componentes automotivos Multimatic, de sua base em Norfolk.
Enquanto isso, ele criou e dirige uma editora musical especializada [em jazz] que apresenta vários excelentes expoentes do jazz moderno britânico, e recentemente ele voltou às suas raízes desenvolvendo um par de Austin 7 sofisticados, apenas por diversão.
Mas ele não gasta tempo pensando no passado ou na carreira de automobilismo. Seu carro do dia-adia é um Ford Focus: seu lábio se enrola quando pergunto se é o modelo ST mais impetuoso de corrida. Não é para ele as reuniões sociais com outros ex-pilotos no clube BRDC em Silverstone; na verdade, ele nem é membro do BRDC. Nunca esteve no Goodwood Revival. Em vez disso, ele desfruta de uma vida plena e ocupada utilizando suas consideráveis energias em várias direções, olhando para frente, não para trás.
Feitas as apresentações, Taylor e Miles gozam um almoço calmo em Norfolk, ao pé da sua casa. E contou como começou a meter-se no automobilismo: aos 16 anos, num velho Austin 7, que usava para tudo: como "daily driver" e competir em pistas como Oulton Park, a 320 km de Londres, onde vivia.
Depois disso, andou num Jaguar em corridas de Sports na Grã-Bretanha, e quando venceu, pensou que tinha de vencer mais para atrair a atenção de gente importante. Atraiu Don Sim, fundador e dono da Diva Cars, que em 1964 construiu um chassis com um motor de 1000cc da Ford. Venceu o campeonato e ainda foi aos 1000 km de Nurburgring onde, ao lado de Peter Jackson, venceu na classe 1000cc.
“Tinha apenas 20 anos. Eu tinha ido mais ou menos diretamente dos Austin 7 para o Nürburgring, mas eu estava tão sonhador sobre automobilismo que nenhum dos riscos me ocorreu. Eu não tive nenhuma ambição de ser um piloto de Fórmula 1. Eu queria dirigir carros desportivos. GT40, Cobras e coisas assim. Eu estava mantendo a Diva em um velho cais ao lado da Mermaid [Mermaid Teather o teatro fundado pelo seu pai], tentando prepará-la à noite debaixo de uma lâmpada, e eu não tinha instalações nem apoio."
"Percebi que, para continuar a ser bem-sucedido, precisava de ajuda profissional. Então eu fui ver Jeff Uren no Willment, e isso foi um ponto de viragem. Eu propus que eles preparassem um motor de 1650cc para mim e trabalhei para eles, então, efetivamente, isso não custaria nada. Isso funcionou muito bem: durante a temporada de 1965, com a Diva agora na cor vermelha com listras brancas [cores usadas pela Williment], eu ganhei quase tudo. Eles me pagavam um salário de 1000 libras por ano, e eu caçava objetivos: se eles precisassem, digamos, de uma capa automóvel para seus kits de conversão de estrada, eu teria os desenhos feitos e entregava-os”.
Em 1966, Miles comprou um Lotus Elan, e com ele correu em provas na Grã-Bretanha... e Portugal. "Fiz principalmente eventos britânicos, embora tivéssemos uma viagem a Portugal e feito aqueles circuitos de estrada em Vila Real, Cascais e Montes Claros, em torno dos parques. Quando você olha para esses lugares hoje, você pensa: "Caramba!" Willment também me inscreveu numa corrida em Brands Hatch no seu Cobra coupé, e ganhei."
Uma das corridas que fez com o Elan fora em Brands Hatch, uma prova de 15 voltas onde perdeu o capô do seu carro na primeira volta. Colocaram um novo e quando voltou à pista, era 15º, começando ali uma prova de recuperação "com a faca nos dentes" que acabou com ele no segundo lugar à entrada da última volta, passando Bernard Unett na última curva, vencendo ao "sprint". Entre os que assistiam essa corrida estava Graham Arnold, o diretor de vendas da Lotus, e avisou de John Miles a Colin Chapman.
Seis meses depois, em Oulton Park, Miles estava a arranjar o seu carro quando Chapman apareceu com uma proposta: guiar um Lotus Cortina no lugar de Jim Clark, que estava atrasado. Miles deu quatro voltas com ele até que o escocês apareceu, com ele a devolver o carro.
Mas Chapman não desistiu: convidou-o a guiar um modelo 47 numa corrida no Boxing Day, no final de 1966. Ele alinhara ao lado de Jackie Oliver, vencendo e alcançando a volta mais rápida, mais do que o suficiente para Chapman dizer: "Excelente! Quero-te na minha equipa no ano que vêm".
“Em 1967 eu corri com o Lotus 47 de fábrica e o 41 Fórmula 3, e estava tão ocupado que não tive tempo de respirar. Na maioria das provas, eu corria com dois carros diferentes, em duas sessões de treinos e duas corridas. Eu fiz muitos testes também, então minha técnica já estava a desenvolver. Naquela época, o [campeonato de] F3 com 1000cc era incrivelmente bem disputado. Na minha primeira corrida, em Silverstone, eu nunca tinha feito o slipstreaming antes e perdi quatro lugares na última volta. Eu terminei em décimo - e estava 0,8 segundos do vencedor. Era assim"
“E eles eram uma grande multidão: Charles Lucas, Roy Pike, Chris Williams, Derek Bell e o resto, eu me dei muito bem com todos eles. Mas o Lotus 41 não era um carro fácil de pilotar: porque era muito curto, era imperdoável e precisava de grande precisão. Uma vez recebi dispensa da Chapman para correr um Brabham BT21 em Portugal. Que diferença! Tão fácil comparado aos 41, e as corridas em F3 eram tão próximas que pequenas vantagens significavam muito. Para 1968 Dave Baldwin alongou o 41 por quatro polegadas e Alan Barratt fez um novo corpo em forma de cunha, e este foi o 41X. O carro foi transformado e ganhei quatro internacionais com ele. Mas Chapman não demonstrou interesse naquele carro. Ele não se importava se funcionava ou não".
Amanhã há mais.
“Tinha apenas 20 anos. Eu tinha ido mais ou menos diretamente dos Austin 7 para o Nürburgring, mas eu estava tão sonhador sobre automobilismo que nenhum dos riscos me ocorreu. Eu não tive nenhuma ambição de ser um piloto de Fórmula 1. Eu queria dirigir carros desportivos. GT40, Cobras e coisas assim. Eu estava mantendo a Diva em um velho cais ao lado da Mermaid [Mermaid Teather o teatro fundado pelo seu pai], tentando prepará-la à noite debaixo de uma lâmpada, e eu não tinha instalações nem apoio."
"Percebi que, para continuar a ser bem-sucedido, precisava de ajuda profissional. Então eu fui ver Jeff Uren no Willment, e isso foi um ponto de viragem. Eu propus que eles preparassem um motor de 1650cc para mim e trabalhei para eles, então, efetivamente, isso não custaria nada. Isso funcionou muito bem: durante a temporada de 1965, com a Diva agora na cor vermelha com listras brancas [cores usadas pela Williment], eu ganhei quase tudo. Eles me pagavam um salário de 1000 libras por ano, e eu caçava objetivos: se eles precisassem, digamos, de uma capa automóvel para seus kits de conversão de estrada, eu teria os desenhos feitos e entregava-os”.
Em 1966, Miles comprou um Lotus Elan, e com ele correu em provas na Grã-Bretanha... e Portugal. "Fiz principalmente eventos britânicos, embora tivéssemos uma viagem a Portugal e feito aqueles circuitos de estrada em Vila Real, Cascais e Montes Claros, em torno dos parques. Quando você olha para esses lugares hoje, você pensa: "Caramba!" Willment também me inscreveu numa corrida em Brands Hatch no seu Cobra coupé, e ganhei."
Uma das corridas que fez com o Elan fora em Brands Hatch, uma prova de 15 voltas onde perdeu o capô do seu carro na primeira volta. Colocaram um novo e quando voltou à pista, era 15º, começando ali uma prova de recuperação "com a faca nos dentes" que acabou com ele no segundo lugar à entrada da última volta, passando Bernard Unett na última curva, vencendo ao "sprint". Entre os que assistiam essa corrida estava Graham Arnold, o diretor de vendas da Lotus, e avisou de John Miles a Colin Chapman.
Seis meses depois, em Oulton Park, Miles estava a arranjar o seu carro quando Chapman apareceu com uma proposta: guiar um Lotus Cortina no lugar de Jim Clark, que estava atrasado. Miles deu quatro voltas com ele até que o escocês apareceu, com ele a devolver o carro.
Mas Chapman não desistiu: convidou-o a guiar um modelo 47 numa corrida no Boxing Day, no final de 1966. Ele alinhara ao lado de Jackie Oliver, vencendo e alcançando a volta mais rápida, mais do que o suficiente para Chapman dizer: "Excelente! Quero-te na minha equipa no ano que vêm".
“Em 1967 eu corri com o Lotus 47 de fábrica e o 41 Fórmula 3, e estava tão ocupado que não tive tempo de respirar. Na maioria das provas, eu corria com dois carros diferentes, em duas sessões de treinos e duas corridas. Eu fiz muitos testes também, então minha técnica já estava a desenvolver. Naquela época, o [campeonato de] F3 com 1000cc era incrivelmente bem disputado. Na minha primeira corrida, em Silverstone, eu nunca tinha feito o slipstreaming antes e perdi quatro lugares na última volta. Eu terminei em décimo - e estava 0,8 segundos do vencedor. Era assim"
“E eles eram uma grande multidão: Charles Lucas, Roy Pike, Chris Williams, Derek Bell e o resto, eu me dei muito bem com todos eles. Mas o Lotus 41 não era um carro fácil de pilotar: porque era muito curto, era imperdoável e precisava de grande precisão. Uma vez recebi dispensa da Chapman para correr um Brabham BT21 em Portugal. Que diferença! Tão fácil comparado aos 41, e as corridas em F3 eram tão próximas que pequenas vantagens significavam muito. Para 1968 Dave Baldwin alongou o 41 por quatro polegadas e Alan Barratt fez um novo corpo em forma de cunha, e este foi o 41X. O carro foi transformado e ganhei quatro internacionais com ele. Mas Chapman não demonstrou interesse naquele carro. Ele não se importava se funcionava ou não".
Amanhã há mais.
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