quinta-feira, 15 de junho de 2023

A imagem do dia


O GP do Canadá de 1993 foi uma corrida interessante. Michael Schumacher andou o tempo inteiro a perseguir os Williams. Ayrton Senna andou bem, depois de ter sido surpreendido pelos Ferrari na partida, mas acabou por passá-los, antes de ter um problema com o alternador e acabar por abandonar. E Martin Brundle, no seu Ligier, bem como Karl Wendlinger, no seu Sauber, ficaram com as duas últimas posições pontuáveis. 

E porque falo disso? Porque foi a última corrida que James Hunt viu na vida. Dois dias depois, então com 45 anos de idade, teve um ataque cardíaco fulminante e morreu. E o mais irónico é que ele ia pedir a sua namorada de então em casamento. Se tudo desse certo, teria sido a sua terceira mulher, e sabe-se lá quantos mais filhos não teria tido. 

Mais outra ironia: nesta altura, ele tinha largado o álcool e as festas. O seu estilo de vida era bem mais relaxado daquele que tinha vivido nos anos 70, ao serviço da Hesketh, McLaren e Wolf. E boa razão disso tem a ver com a sua segunda vida como comentador de Grandes Prémios, ao serviço da BBC. 

As coisas começaram pouco depois de ter pendurado o capacete, no GP do Mónaco de 1979. Estava desmotivado e os excessos do seu estilo de vida ameaçavam-no. Emparelhou com Murray Walker e cedo, deram-se bem... cada qual à sua maneira. Um era o entendido, explicava os carros e as corridas, outro era o emocional. Um exemplo que se pode encontrar no Youtube é a corrida final dos Turismos britânicos de 1992, em Silberstone, onde John Cleland, depois uma uma ultrapassagem "musculada", decidiu saudar o seu adversário com o dedo no meio, ao que Walker respondeu com um "eu corro para o primeiro lugar!"

Hunt não tinha papas na língua na televisão. Abominava os motores Turbo, detestava "chicanes móveis" - os seus diatribes contra René Arnoux e Andrea de Cesaris tornaram-se lendários - mas o que não se sabia era, por exemplo, contribuía generosamente - financeiramente e dando abrigo a dissidentes, na Grã-Bretanha - com organizações anti-apartheid nos anos 80, para libertar a África do Sul dos governos de minoria branca. E nunca perdia a chance de lançar diatribes contra o facto da Formula 1 ser a única competição que furava o boicote desportivo ao país. Aliás, a BBC já nem ia mais ao país, mas o resto do mundo não sabia disso. Só Hunt "meteu a boca no trombone" nesse caso, mas ficou aliviado quando depois dos eventos de 1985, a Formula 1 deixou de lá ir, apenas regressando em 1992, com o regime em transição para a maioria negra. 

Chances para regressar não faltaram. Fala-se que esteve para ir à Brabham em 1980, logo em Long Beach, mas um acidente de ski nos Alpes suíços cortou essa chance. Voltou a testar com um Williams em 1989, em Paul Ricard, aos 42 anos, mas estava fora e forma e não beliscou nem Riccardo Patrese, nem Thierry Boutsen.

No final, Walker e Hunt davam-se bem, embora muitas das vezes quase entravam em vias de facto porque... a BBC só lhes tinha dado um microfone e queriam comentar ao mesmo tempo! E a dupla era mesmo popular. Hunt era melhor a explicar que Jackie Stewart, por exemplo, e os seus comentários mais... coloridos batiam o escocês aos pontos, pois este era bem mais polido, mais "professoral". E a ausência inesperada de Hunt foi muito sentida na BBC, que sentiu a sua orfandade até à chegada de Martin Brundle em 1997, depois deste ter pendurado o capacete. 

Após estes anos todos, o carisma de Hunt ainda é sentida por aqueles que viveram aquele tempo.

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