domingo, 26 de outubro de 2025

A imagem do dia



Eu creio que muito poucos conhecem esta história. Mas há 50 anos, no dia 25 de outubro, a Formula 1 esteve à beira de um acontecimento que poderia ter abalado a Itália e o automobilismo. Que foi impedido por pouco. 

Mas já lá vamos: nesse outubro de 1975, a Ferrari estava em festa: depois de onze anos sem títulos, alcançava ambos, os de pilotos e construtores, com uma excelente dupla, constituída pelo austríaco Niki Lauda e pelo suíço Clay Regazzoni. Enzo Ferrari tinha então 77 anos e na sua gestão, vindo da Fiat, estava um jovem Luca de Montezemolo. Dentro da administração estava Piero Lardi, então com 30 anos, a saber os detalhes da equipa, quer na parte automobilística, quer na parte comercial. 

O que ninguém sabia era que um "gang" de criminosos, a Banda dei Marsigliesi, tinha um plano bem ousado para sacar dinheiro: nada mais, nada menos, que raptar Enzo Ferrari. E esse "rapto do século", não aconteceu por muito pouco. 

A Autosprint italiana contou nesta semana o caso, e entrevistou Pino Zaccaria. Quem? Um dos dois policias que abortou o plano de rapto do "Commendatore" em Modena, nesse dia 25 de outubro, um sábado. E não era um dia qualquer: dali a algumas horas, iria ser apresentado na pista de Fiorano o carro para 1976, com Lauda e Regazzoni presentes. 

Zaccaria, agora reformado, conta os pormenores do que aconteceu nesse dia à revista italiana:

"Nessa manhã, Enzo Ferrari estava na barbearia de Massimo D'Elia, no Corso Canal Grande, a poucos passos do tribunal. Para o Comendador, era um ritual diário, um hábito agradável, fazer a barba ao seu barbeiro de confiança, que por acaso era também sogro de Franco Gozzi, um dos associados mais próximos de Drake. Ia lá todas as manhãs escoltado pelo seu motorista Dino Tagliazzucchi e pelo seu guarda-costas Valdemaro Valentini, um antigo colega da Polícia Estadual."  

"Nesse dia, estava em patrulha com o Marechal Natale Ramondino: íamos a pé para o Ministério Público. Quando chegámos em frente à barbearia, reparámos imediatamente num carro suspeito com quatro homens lá dentro. Dois deles saíram então e esperaram debaixo do pórtico, fingindo não se conhecerem, mas um pormenor chamou-me a atenção. Um dos dois homens tinha uma tatuagem na palma da mão esquerda que, tanto quanto sabíamos na altura, indicava pertencer a uma categoria criminal mais elevada. Tratava-se, na verdade, de uma tatuagem que representava os cinco pontos do submundo do crime, que, à data em que ocorreu o episódio, apenas os diretores das prisões de segurança máxima podiam ostentar tal 'marca'".

"Agimos imediatamente quando vimos que o carro de onde os dois indivíduos tinham saído alguns minutos antes estava a regressar a Corso Canal Grande. Ficou claro para nós que estavam prestes a entrar em ação."

"Abordámos os dois, empurrando-os em direção à entrada de um edifício para dificultar a sua fuga. Pedimos os seus documentos e os cartões de identidade que mostraram, que eram novinhos em folha, com os nomes de documentos emitidos em Milão quando os dois indivíduos tinham um forte sotaque romano."

"[De repente] um dos dois indivíduos tentou escapar. Eu persegui-o e houve uma luta violenta. Ele pontapeou-me algumas vezes, partindo-me as costelas, mas eu impedi-o. Eu era mais pequeno do que ele, mas consegui detê-lo e prendê-lo. Finalmente, um carro-patrulha, chamado por Valentini, interveio. Os dois suspeitos acabaram por ser algemados. Mas o jovem que eu tinha abordado, que mais tarde se descobriu ser um ex-pugilista amador, chegou à esquadra e atirou-se contra uma janela, ferindo-se. Esperava criar condições favoráveis ​​para uma fuga subsequente do hospital onde  poderia ser internado."

"Entretanto, os cúmplices no carro tinham desaparecido. Mais tarde, descobrimos que todos faziam parte de um grupo armado, formado por fugitivos [da prisão], que alegadamente apoiavam os dois criminosos detidos nessa manhã em Modena na tentativa de rapto de Enzo Ferrari. Tinham espingardas no carro. As nossas investigações revelaram posteriormente que o gangue era o grupo armado dos Marselheses, um dos clãs mais temíveis e criminosos daqueles anos, responsável por roubos sangrentos e uma infinidade de raptos."

Tudo isto sem o conhecimento de Ferrari, que estava a ter a sua rotina no centro de Modena. Horas depois, como planeado, iria apresentar o carro com Lauda, Regazzoni e toda a imprensa italiana e internacional. 

Contudo, pouco tempo depois, a Questura informou o Drake do plano abortado, a segurança foi reforçada. Soube também quem tinham sido os agentes que impediram o plano, e quis encontrá-los no restaurante Cavallino, em Maranello. Para Zaccaria, o convite para almoçar tinha também outro: o de trabalhar para a Ferrari, cuidar do aparato de segurança.

Mas ele recusou o convite: "Recusei a oferta com pesar, embora fosse muito mais rentável do que aquilo que o Estado poderia oferecer. O engenheiro compreendeu e apreciou o meu gesto. Casei-me com a farda e nunca a traí."

E foi assim que se soube como estivemos perto de acontecer uma das histórias mais sensacionais da vida de Enzo Ferrari.

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