A Formula 1 sempre correu lá desde 1962 - até havia um campeonato nacional! - primeiro em East London, mas a partir de 1966, corriam em Kyalami, uma pista rápida nos arredores de Joanesburgo. Apesar de, já nessa altura, a África do Sul ter sido banido do Comité Olímpico Internacional e da FIFA por se recusar a apresentar equipas multiraciais, e até nos desportos mais queridos da população, como o cricket e o rugby, terem sido boicotados pelas outras potências como a Austrália e Nova Zelândia, que tinham nativos nas suas equipas, que estavam vetados de jogarem nesse país, a Formula 1 era a resistente. O Estado despejava dinheiro, e aparentemente, não havia movimentações para que os pilotos de Formula 1, ou a FISA, de evitarem correr por ali.
Até 1985. Politicamente, o país estava agitado, estavam em pleno estado de emergência, e para piorar as coisas, decidiram nesse mês enforcar alguns dos membros da resistência anti-racial por crimes de sangue, perante os fortes protestos da comunidade internacional. Ali, alguns países decidiram intervir, pressionando as equipas de boicotarem a corrida.
Mas primeiro, pressionaram a FISA para que cancelasse o GP sul-africano. Jean-Marie Balestre, o presidente da FISA, não se deixou influenciar, e a corrida foi adiante. Bernie Ecclestone queria o dinheiro, e isso estava acima da politica. E como era o patrão da Brabham, também queria correr. Depois, foram os pilotos. Alguns deles sentiram que correr ali era um incómodo, ainda por cima, o campeonato já estava decidido. Alguns patrocinadores decidiram não aparecer nessa corrida, retirando os seus nomes dos carros, sendo o mais famoso deles a Marlboro, que tirou o seu nome dos McLaren, decidindo correr "nus", apesar de estarem pintados de vermelho e branco.
Alguns governos, como os do Brasil, Finlândia e Suécia, tentaram convencer os seus pilotos em não participar, mas eles acabaram por ir na mesma. Ayrton Senna disse até que, se a Lotus fosse a Kyalami, iria correr. E como eles apareceram, ele decidiu participar.
Os pilotos poderiam ter tentado boicotar a corrida? Se estivessem organizados, sim. Mas como a GPDA tinha sido dissolvida em 1982, depois da greve... em Kyalami, e os seus assuntos eram os deles próprios, reativá-lo por isto não teria sido suficiente para eles, assim pensaram.
Mas quem fez melhor o seu trabalho de casa foi a França. Pressionou a Renault e a Ligier para que não mandassem os seus carros para a África do Sul, e conseguiram. E a razão até era mais pragmática: a Renault pertencia ao Estado francês, e a Ligier era fortemente patrocinado pela tabaqueira nacional que pertencia... ao estado. E ainda por cima, Guy Ligier era amigo pessoal de Francois Miterrand, o então presidente de França, que a certa altura, era deputado por Nevers, terra natal do ex-piloto e fundador da Ligier.
Curiosamente, Philippe Streiff decidiu aproveitar a ocasião para ir bater à porta da Tyrrell e saber se a vaga estava por preencher. O velho lenhador respondeu afirmativamente e ele acabou por correr na equipa que o iria acolher em 1986...
Alguns canais de televisão resolveram também entrar no boicote, um deles a BBC, que desde há uns tempos que não mandava ninguém para o país, apenas recebiam o sinal via satélite, com os comentadores a fazer o seu trabalho em Londres - anos depois, revelou-se que James Hunt ajudou financeiramente organizações anti-apartheid no Reino Unido.
E era assim a situação antes de correrem a prova a 19 de outubro, um sábado. Iria ser a última vez que correriam nesse dia da semana até 2023, quando Las Vegas reentrou no calendário com uma corrida noturna.
Pequena estória pós-corrida: quando os contentores que continham o material das equipas chegou à Austrália, os estivadores decidiram não tocar neles por mais de um dia para protestarem pelo facto de terem estado na África do Sul, e também mostrarem a sua oposição ao regime do "apartheid".



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