quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Speeder Questiona... Daniel Médici (Cadernos do Automobilismo)

Todos os meus entrevistados valem a pena, porque tem sempre uma história para contar. Mas desde que descobri o Daniel Médici e o seu Cadernos do Automobilismo, e vi o seu estilo de escrita, achei que valeria a pena entrevistá-lo, pois sabia que não seria uma entrevista vulgar. Depois disto, posso afirmar que as minhas expectativas foram confirmadas. E sem abrir o jogo, esta colaboração inicial poderá ter mais desenvolvimentos em breve…


Contudo, não esperava que este Médici tivesse apenas 22 anos, nascido e criado em São Paulo, estudante do 5º ano de jornalismo na Universidade de São Paulo (USP), e diz que já não se recorda muito bem como começou a sua ligação com o automobilismo. Só sabe que essa ligação resultou no blogue Cadernos do Automobilismo, onde se auto - define como “Jovem demais para escrever bem, velho demais para ser sincero.” E hoje, ele é o entrevistado do “Speeder Questiona…”.


1 – Olá Daniel, é um prazer ter-te aqui, neste humilde blog, a responder às minhas perguntas. Queres explicar, em poucas linhas, como surgiu a ideia do teu blogue?

O prazer é todo meu, Speeder! Meu blog surgiu quando percebi que eu poderia acrescentar algo às discussões sobre automobilismo na Internet. Tanto como (um projeto de) jornalista quanto como um aficionado pelo tema.


2 – O nome que ele tem, foi planejado ou saiu, pura e simplesmente, da tua cabeça?

Queria um nome que, de preferência, não tivesse palavras estrangeiras. Nada contra aqueles que têm, mas três dos melhores pilotos da história da Fórmula 1 são lusófonos. Brasil e Portugal são culturalmente muito ligados ao automobilismo, Angola também gosta de corridas... Então por que nós ainda precisamos importar as palavras britânicas, como pole, grid, podium, grip, paddock... Nada contra elas, não sou a favor de trocá-las. Sou a favor de começar a criar palavras para a nossa cultura automobilística, e comecei pelo meu blog. Cadernos do Automobilismo foi um achado, ainda que pouco sonoro, porque dialoga com um universo externo às corridas – o cinema. E a proposta do Cadernos é justamente essa, fazer o automobilismo dialogar com outras esferas.


3 – Antes de começares este blog, já tinhas tido alguma participação em outros blogues ou sites?

Uma ou outra vez comentava algo no GP Total, mas não foi daí que surgiu a vontade de blogar. Eu mal conhecia a blogosfera, na época.


4 – Em que dia é que começaste, e quantas visitas é que já teve até agora?

Comecei dia 9 de setembro de 2007, mas só mais de seis meses depois comecei a me preocupar em contar os acessos. Hoje tenho entre 40 e 70 acessos diários, mas durante a temporada de Fórmula 1 este número se torna maior. Eu me surpreenderia se tivesse mais leitores que isso, não vejo ele como algo facilmente digerível por um grande público.


5 – De todos os posts que já escreveste, lembras-te de algum que te orgulhe… ou não?

Gosto de alguns dos primeiros textos que escrevi, como Auto Falantes (http://cadernosdoautomobilismo.blogspot.com/2007/10/auto-falantes.html) e as crônicas que faço nos dias de GP Brasil. Dos últimos, achei interessante a discussão que ocorreu quando falei das relações entre Fórmula 1 e o automobilismo norte-americano (http://cadernosdoautomobilismo.blogspot.com/2008/11/aprendendo-com-indy.html).


6 – Em que é que tu, escrevendo sobre Formula 1, consegues ser diferente dos outros blogs?

Sempre tento oxigenar as discussões sobre automobilismo, quero buscar referências nas artes, filosofia, cinema, televisão, literatura etc. Nos EUA, as histórias em quadrinhos entraram em decadência quando deixaram de ser vendidas em bancas de jornal para serem vendidas em lojas especializadas. Resultado: criaram vários novos produtos para os já iniciados, mas as crianças deixaram de ler, e os leitores não se renovaram. A blogosfera criou um ambiente muito vasto de discussão sobre automobilismo, mas que requer uma quantidade absurda de informação prévia para ser compreendida. Temo que aconteça com o automobilismo o mesmo que ocorreu com as HQs nos EUA.

Por outro lado, foi justamente um quadrinista que me disse uma vez que “quem só vê filmes não entende nada de cinema”. Sempre me pautei por isso, de que apenas ver corridas não vai me fazer entender de automobilismo. É preciso trabalhar com outras referências, entender de outros temas para criar conhecimento. Em outras palavras, assistir “O Último Tango em Paris” é muito mais importante para compreender o automobilismo dos anos 1970 do que saber que a primeira corrida de Hunt na Fórmula 1 foi o GP de Mônaco de 1973.



7 – Daqueles blogues que conheces sobre automobilismo, qual(is) dele(s) é que tu nunca dispensas uma visita diária?

Há um ditado norte-americano: “Keep your friends close to you. And your enemies closer”. Por isso acho que acompanhar um blog diariamente nem sempre é sinal de admiração... Todos no blogroll do Cadernos são acompanhados de perto, mas um que eu acho fantástico é o Blog do Ico. Com ele eu aprendo a cada post.


8 – Falamos agora de Formula 1. Ainda te lembras da primeira corrida que assististe?

Lembro muito bem de alguns GPs de 1991, 92 e 93. Minha família conta que o primeiro GP que assisti foi o do Brasil de 86, que aliás, ocorreu no dia em que eu nasci (droga, delatei minha idade!). A TV do quarto da minha mãe estava ligada na corrida quando fui levado pra lá.


9 – E qual foi aquela que mais te marcou?

Sem dúvida, o GP de San Marino de 94. Tanto os treinos quanto a corrida ficaram estampados na minha memória com cores muito vivas. Lembro do Ayrton falando na TV sobre o estado de saúde e Barrichello, da aflição que eu sentia na primeira largada... Acho que todos esperavam muito do Senna na Williams aquele ano, então todas as rodas de conversa foram contaminadas pela Fórmula 1 meses antes da sua morte. E quando o acidente ocorreu, aquilo provocou uma fratura na esperança de um povo que vivia numa desastrada democracia recente e que tinha uma chance concreta de sair da hiperinflação. Doeu em todos.


10 – Fittipaldi, Piquet e Senna. Qual dos três é aquele que mais agrada, e porquê?

Senna, pois foi o único que vi correr. Mas isso não quer dizer que não admire Emerson e Nelson, muito pelo contrário. Respeito os três por igual, não acredito que caiba uma discussão sobre “qual deles foi melhor”.


11 – E achas que algum dia, Felipe Massa vai fazer parte deste trio de campeões?

Quem sou eu pra dizer que não? Ele chegou tão perto esse ano. Mas não acredito que ele teria feito por merecer levar o título em 2008.


12 – Comparando-o aos três pilotos acima referidos, Massa é mais parecido com quem, e porquê?

Não consigo traçar este tipo de paralelo. Vejo nele um Prost, quando está inspirado, e um Mansell quando não sabe o que fazer.


13 – Achas que o título de 2008 foi bem entregue?

Sim, foi bem entregue à McLaren. Ele mereceu.


14 – Tirando os brasileiros, qual é para ti o piloto mais marcante da história da Formula 1, e por quê?

Para mim, “mais marcante” é diferente de “mais talentoso”. Fico entre Fangio e Stewart. O primeiro, por ter sido um instrumento fundamental de consolidação da categoria, e o segundo por ter sido o símbolo das primeiras discussões sobre segurança no esporte. Não coloco Schumacher aqui pelo fato de que sua marca na Fórmula 1 é ter transformado a vitória em método. Vencer não é mérito por si só: nunca, na história da Fórmula 1, houve uma corrida sem vencedor. É mais uma circunstância. Se eu quisesse método, não assistiria corridas, assistiria bancas de doutorado.


15 – Para além de Formula 1, que outras modalidades de automobilismo que tu mais gostas de ver?

Quase todas. Moto GP, GP2, até algumas babaquices norte-americanas e a Stock Car Brasil.


16 – E achas que vale a pena falar sobre ele no teu blogue?

Sim, tudo o que é automobilismo. Discriminar categorias seria um recorte arbitrário demais.


17 – Passando para a actualidade: de repente, a Honda anuncia a sua retirada da Formula 1. Como sentiste isso?

É claro que foi uma surpresa e um choque, para mim. Mas, no fim das contas, pode ser um vetor de mudança, que tire boa parte da lama onde a categoria se afundou e a partir do qual se comece a pensar o automobilismo por meio de outros parâmetros, não apenas o monetário. Sei que é idealismo, mas é uma possibilidade.


18 – Se Nick Fry e Ross Brawn encontrarem comprador nos próximos tempos, achas que Jenson Button, e especialmente Rubens Barrichello, conseguem manter os seus lugares?

O Button pode até se salvar, é inglês, tem um rosto bonito. Não tenho muitas esperanças quanto a Barrichello, infelizmente. Digo infelizmente porque, por mais que tenha cometido seus erros, sempre foi injustiçado pela opinião pública brasileira. Basta sair do país e conversar com alguém versado no assunto para perceber isso.


19 - Max Mosley anunciou agora que fez um acordo com a Cosworth para fornecer motores ás equipas, a dez milhões de euros por ano. A FOTA (Formula One Teams Association) concordou em reduzir os custos. Achas que é este o caminho, uma Formula 1 com custos controlados?

Acho que este é um caminho, não o caminho. É fácil exaltar a competitividade da Fórmula 1 nos anos 70, mas poucos se lembram que aquela era uma categoria bimotor. Não acho que seja uma afronta à história da Fórmula 1 lançar mão deste tipo de recurso.


20 - “Correr é importante para as pessoas que o fazem bem, porque… é vida. Tudo que fazes antes ou depois, é somente uma longa espera.” Esta frase é dita pelo actor americano Steve McQueen, no filme “Le Mans”. Concordas com o seu significado? Sentes isso na tua pele, quando vês uma corrida, como espectador?

Como todo fenômeno cultural, as corridas se projetam para além de si mesmas, por isso não concordo com a frase. O que sinto como espectador é que correr é um teatro, uma forma de representar, e Sartre diz que a vida é mais ou menos isso, uma representação. Também aceito associar o correr com o viver na medida que, como disse Shakespeare, “é um conto, dito por um idiota, cheio de som e fúria, sem significado”. Atenção, brasileiros: o idiota NÃO é necessariamente o Galvão Bueno!


21 – Já agora, tens alguma experiência automobilística, como karting? Se sim, ficaste a compreender melhor a razão pelo qual eles pegam num carro e andam às voltas num circuito?

Já pilotei kart algumas vezes, de forma não-profissional, e gostei muito. Mas prefiro ver o automobilismo de fora, ou melhor: prefiro acreditar que a corrida também acontece em volta da pista, além dela.

22 - Tens algum período da história da Formula 1 que gostarias de ter assistido ao vivo?

Sim, todos! E não só. Queria ter assistido à largada da Paris-Madri, às Alfas, Auto Unions e Mercedes na Ostrovivacice de Brno, ver Rosemeyer na Curva Norte de Avus, Caraciolla em qualquer ponto de Nurburgring, Nuvolari na Coppa Acerbo, Ascari no Circuito di Garda...


23 - Já alguma vez viste a briga entre o René Arnoux e o Gilles Villeneuve, no GP de França de 1979? Para ti, aquelas voltas finais significam o quê?

Walter Benjamin morreu 40 anos antes daquela corrida, mas se não tivesse, poderia jurar que foi assistindo àquilo que ele desenvolveu o conceito de “aura”. As coisas legais da Fórmula 1, e da vida, são aquelas que carecem de palavras para serem descritas. E, para descrever aquelas voltas, será preciso inventar novas palavras.


24 – Jeremy Clarkson, o mítico apresentador do programa de TV britânico “Top Gear”, disse que Gilles Villeneuve foi “o melhor piloto que alguma vez sentou o rabo num carro de Formula 1”. Concordas ou nem por isso?

Concordo plenamente. Se pensarmos bem, os grandes pilotos só agiam como pilotos durante poucas voltas a cada corrida. No resto do tempo, não eram mais que motoristas que dirigem carros de corrida. Gilles nunca foi um motorista de carros da corrida, ele sempre foi um piloto, em tempo integral. Como piloto, foi o melhor.


25 - Costumas jogar em algum simulador de corridas, como o “Gran Turismo”, o “Formula 1”, ou jogos “online”, como o BATRacer ou o “Grand Prix Legends”?

Jogo um pouco de GPL, nunca online. Sou uma negação. Mas ele me serviu para descobrir coisas fantásticas sobre a Fórmula 1 dos anos 60. E me faz respeitar muito mais os pilotos dos tempos de grip mecânico.


26 – Eu sei que começaste há algum tempo, mas… que é que tu alcançaste, em termos de prémios, convites, referências, desde que iniciaste o teu percurso na Blogosfera?

Acho que o maior “prêmio” que ganhei foi um Anuário AutoMotor 2007/08. É um presente fantástico aliás, mas fico feliz mesmo em saber que, com o meu blog, ganhei o respeito de alguns profissionais que admiro. Isso não tem quem tire de mim, é inestimável.


27 – E se fosses o Max Mosley, o que preferias ter na Formula 1? Uma grelha só de montadoras ou de “garagistas”?

A Fórmula 1 nunca foi composta apenas de fábricas ou apenas de garagistas. Hoje, não há dúvida de que estes últimos necessitam de mais auxílio que os primeiros, por isso, se eu fosse Max Mosley, além de tomar mais cuidado em minhas festas particulares, tentaria privilegiar a turminha da graxa.


28 – Vamos falar do futuro próximo: Bruno Senna, Lucas di Grassi, Nelson Piquet Jr. Um já está lá, os outros dois querem lá chegar. Achas que algum dos três tem estofo de campeão? Se sim, qual?

Outra vez, não posso responder tão bem. Particularmente, dos três, gosto mais do di Grassi. Tenho um amigo que estudou com ele no colegial, por isso sei que ele não é tão santinho quanto dá a entender nas entrevistas. Apostaria nele... caso gostasse de apostar.


29 – Tens algum plano para o blogue, no futuro próximo? Novas secções, meteres-te num podcast ou videocast?

Por enquanto, não quero explorar novas mídias. Ainda não sei como fazer um podcast ou videocast sem egotrip. Tenho idéias para posts amadurecendo. Faz tempo que quero escrever sobre Vilém Flusser, um filósofo que joga muita luz sobre o desenvolvimento da eletrônica na Fórmula 1 – aliás, fico impressionado de ninguém ainda ter falado nele neste mundinho da blogosfera sobre automobilismo. Talvez ninguém se interesse por isso, na verdade.

Ah, claro, quero inserir uma série de posts sobre um assunto que será bastante pisado no ano que vem. É claro que pretendo abordar o tema por um viés menos comum... Bom, vou deixar em aberto. Já falei demais.


Já agora, se quiserem ver as entrevistas anteriores, carreguem nos respectivos links:


19 de Novembro 2008 - Priscilla Bar (Blog Guard Rail)
22 de Novembro 2008 - Marcos Antônio Filho (GP Series)
29 de Novembro 2008 - Hugo Becker (Motor Home)
10 de Dezembro 2008 - Jorge Pezzolo (jpezzolo.com)
13 de Dezembro 2008 - Ron Groo (Blog do Groo)
17 de Dezembro 2008 - João Carlos Viana (jcspeedway)
20 de Dezembro 2008 - Felipão (Blogspot Brasil)
3 de Janeiro de 2009 - José António (4 Rodinhas)
7 de Janeiro de 2009 - Germano Caldeira (Blog 4x4)
10 de Janeiro de 2009 - Felipe Maciel (Blog F-1)

5 comentários:

Loucos por F-1 disse...

Muito bom o "Speeder Questiona" com o Daniel Médici. Gosto bastante do Cadernos do Automobilismo, acompanho sempre.

Abraços!

Leandro Montianele

Felipão disse...

Só podia ter tido esse resultado. Dois caras fantásticos conversando sobre automobilismo. E o Daniel falou algo importante: Está na hora de utilizarmos palavras nossas para designar as coisa..

Parabéns Speeder...

grande Daniel

Daniel Médici disse...

Já disse isso antes, mas agradeço imensamente pela entrevista e tudo o mais.

;)

Unknown disse...

que excelente entrevista, fico impresionado de alguém tão jovem ter uma visão tão fantástica da categoria. juro que vou seguir o conselho e ver as corridas como metáforas existenciais

Fábio Andrade disse...

Só não retribuo o "Speeder, obrigado por me fazer conhecer mais um blogueiro" do Daniel na minha entrevista porque o Cadernos apareceu pra mim há muito tempo. Desde o comecinho da minha jornada bloguística invariavelmente eu acabava chegando até o blog do Médici, apesar de comentar de forma muito esparsa.

É um fera, cara do maior quilate.