Esta semana que passou li nos jornais da minha terra que a versão espanhola da "Rolling Stone" escolheu como "Rockstar do Ano" o treinador do Real Madrid, José Mourinho. Este anuncio aconteceu, por coincidência, com as declarações politicamente incorretas de Jeremy Clarkson, que ao comentar no "The One Show", da BBC, sobre a greve geral dos funcionários públicos, decidiu "pegar fogo ao circo", afirmando: "Eu os levaria 'para fora' [os funcionários públicos] e executaria todos. Quer dizer, como eles ousam entrar em greve quando têm pensões asseguradas enquanto o resto de nós tem de trabalhar para viver?".
As declarações causaram furor e claro, muita, muita polémica. A BBC recebeu mais de 21 mil reclamações em cerca de 24 horas até os politicos comentaram, com David Cameron a afirmar que o comentário foi "tolo" e Ed Miliband, líder do Partido Trabalhista, denunciou o comentário, chamando-o de "uma desgraça e nojento".
Hoje, Clarkson decidiu pedir desculpas, afirmando que a frase foi tirada do contexto. "Em nenhum momento eu pretendi que estes comentários fossem levados a sério - que eu acredito serem claros se considerados em um contexto. Se eu ou a BBC causamos alguma ofensa, ficarei feliz em me desculpar juntamente com eles".
Pessoalmente, acho que o Jeremy Clarkson exagerou nos seus comentários sobre a greve. Primeiro, porque em qualquer sociedade democrática, esse direito existe e deve ser respeitado no momento em que as pessoas acham que os seus direitos estão ameaçados. E numa era como esta, quer na Grã-Bretanha, como no resto da Europa e nos Estados Unidos, zonas onde se vive uma enorme crise financeira, causada por mercados sem controlo, numa economia dita de casino, milhares de pessoas pagam todos os dias o preço por esses exageros, perdendo empregos, pensões e outros previlégios.
Contudo, há nas declarações de Clarkson outra verdade, esta mais inconveniente de ser dita. O setor publico em cada pais europeu, especialmente depois da II Guerra Mundial, assegurou estabilidade a toda uma geração de pessoas. Doutores, Engenheiros, Professores, etc, puderam fazer as suas vidas sem problemas, com salários e reformas mais do que asseguradas para o resto das suas vidas. Oito horas de trabalho, cinco dias por semana, com direito a reforma aos 60 anos. Mas... passaram-se sessenta anos, nascem cada vez menos pessoas e o setor publico não encolheu, bem pelo contrário. Cada qual a sua dimensão, transformou-se numa enorme máquina, crescentemente burocrática e previlegiada.
Os que vivem independentes ou a trabalharem no setor privado, tem uma vida mais desprotegida, ttablham até aos 65 anos e tem pensões bem mais baixas do que os do setor público. O meu pai é o meu exemplo pessoal desse tipo de pessoas: ainda não se reformou e já sabe que terá uma magra reforma, o equivalente a dois salários mínimos. E eu já tenho consciência de que irei trabalhar quase até à morte, porque tenho uma existência precária, com baixo salário e do qual terei de ter mais rendimentos para ter uma vida sustentavel.
Reforma? Se ainda existir em 2050, deverá ser nos museus ou nos livros de História... a minha geração trabalhará até morrer. As crises das finanças públicas e dos sistemas sociais e a sua parca sustentabilidade fazem com que em alguns casos, as receitas e pensões são estejam asseguradas por mais trinta ou quarenta anos, caso nada seja feito.
E depois, há outra coisa: o aumento da esperança média de vida. Qualquer pessoa que nasca hoje, menino ou menina, arrisca-se a chegar sem problemas ao século XXII. Nos paises mais avançados, ela chega aos 75,80 anos. Eu sei que eu, sem grandes complicações, estarei vivo aos 80, 85 ou 90 anos. Avanços na medicina são anunciados semana sim, semana não, e a cada geração, as doenças que mais tememos são combatidas e derrotadas. Dito isto, pensa-se: quem se reforma aos 60 anos, normalmente é um adulto saudável que foi descartado por ter alcançado determinada meta. Ótimo para ele, mau para as gerações dos seus filhos e netos, que quando eles chegarem à sua idade, muito provavelmente pagarão os custos de um estado falido, por não haver pessoas suficientes para sustentar o estado social.
E é aí onde quero chegar: o estado social tem de ser reformado, não porque não gostam dos seus pensionistas, mas é para que ela continue a existir quando os nossos filhos e netos chegarem à idade dos nossos pais e avós. Alargar a idade da reforma até aos 70 anos pode parecer descabido agora, mas em 2080, muito provavelemte leremos artigos nas "Ativas" e "Cosmopolitans" a dizerem que "os 70 são os novos 40!", ou seja, esataremos bem mais "conservados" do que estamos agora. E setenta anos é tempo mais do que suficiente para se descobrir o elixir da juventude...
Em suma: quando digo que tem de se reformar o estado social, sou a favor. Bem sei que os que estão lá dentro não querem abdicar desses direitos, mas a imagem que dão lá fora dessa sua defesa é a de "previlegiados que não querem lergar o osso" e que gritarão que não abandonarão o navio, mesmo no momento em que o Titanic se afunda. Claro, temos a velha esquerda ortodoxa, mas como esses ainda suspiram "que saudades temos do Muro de Berlim", vinte anos depois deste ter caído, creio que esses... já não têm cura.
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