quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A crise na imprensa atual e o final do Autosport

Esta segunda-feira, fui surpreendido - tal como toda a gente - pelo anuncio feito pelo Grupo Impresa de que iriam encerrar várias revistas suas associadas, entre os quais as duas publicações relacionadas com os automóveis e o automobilismo, o Volante e o Autosport.

O desaparecimento daquele que provavelmente é a única revista dedicada ao automobilismo, após 35 anos de bons serviços, não me surpreende, confesso. A passagem de uma revista semanal para uma mensal, em março deste ano, bem como a queda de qualidade dos artigos adivinhavam o seu final. Para além disso, o desleixo a que chegou o seu site, limitando a colocar artigos e "press-releases" e deixando que, no seu fórum, os anónimos dominassem os comentários, sem moderadores para cortar o mal pela raíz, por exemplo, fez enxotar os interessados e fez descer a qualidade do conjunto ao nível do esgoto.

Eventualmente, a edição digital paga tem um pouco mais de qualidade, mas não conseguiu atrair pessoas suficientes para ser lucrativa e manter os seus funcionários. E para além da degradação da qualidade, a crise neste país e no mundo desenvolvido, que tira dinheiro do bolso das pessoas e "mata" o consumo - de jornais, revistas e automóveis - faz com que os dirigentes dos grandes grupos económicos decidam fechar jornais e revistas, e despedir profissionais, do que arcar prejuízos e manter projetos.

De uma certa maneira, a extinção do Autosport era uma "morte anunciada". Sinto pena e vou sentir a sua falta, mas não choro por ele. 

E no caso do Volante, uma revista cujo objetivo principal era mostrar automóveis novos, quando se vive num país onde se vende metade dos automóveis do que se vendia há dois anos, e com uma enorme carga fiscal e onde o preço da gasolina "está pela hora da morte"... era outro projeto condenado, da maneira como era feito.

Mas o desaparecimento de revistas e os cortes em jornais, rádios e TV's, por estes dias, em Portugal e Espanha, é uma tendência dos tempos que vivemos. Estamos em crise, os prejuízos são muitos e os dirigentes recorrem ao mais fácil: cortam-se nos salários, despedem-se os profissionais. O jornal "Público", orgão de referência em Portugal, anunciou no passado dia 10 que iria despedir 48 trabalhadores, no sentido de reduzir as despesas referentes ao seu funcionamento. Sendo um jornal pertencente a um grupo empresarial, usou os mesmos métodos de outros jornais um pouco por todo o mundo. Em resposta, os trabalhadores decidiram ir para um processo de greve, ainda sem data marcada.

Todos estes exemplos fizeram com que se aumentasse a discussão sobre a imprensa em geral e os modelos económicos que permitem a sua viabilização, em tempos que definitivamente são de mudança. Estando nós na segunda década do século XXI, e observando os novos desafios que surgem no horizonte, as novas plataformas e o que fazer com elas, para garantir a sua adaptabilidade e sobrevivência, discutir isto é cada vez mais premente.

Acompanho muitos dos meus colegas nestas discussões, mas nesse aspecto, sou mais de ouvir do que intervir. A ideia é de chegar a uma conclusão, ou a uma ideia sobre as razões pelos quais a imprensa em geral chegou ao estado que chegou. A crise não é só a razão pelo qual existem cortes, despedimentos e encerramentos, e os jornalistas e respectivos sindicatos respondem com greves. A coisa vai muito para além disso. Vai para um mundo em mudança, porque estamos a viver uma era de autêntica mutação, passando dos grandes meios, onde os canais de comunicação eram poucos e a massa os seguia, para um meio onde os canais são muitos e os públicos são cada vez mais diversos.

A propósito disso, um colega meu da Universidade, o João Pedro Pereira, que é jornalista do Público, quando lhe perguntaram sobre a razão porque a imprensa chegou a este ponto de crise, onde perdem leitores e ganham prejuízos a cada ano, mês ou dia que passa, respondeu da seguinte forma na sua página do Facebook:

"Foi a Internet e a televisão por cabo, a globalização e a facilidade de acesso grátis ao melhor jornalismo do mundo (e ao pior também). Foi a dispersão da atenção dos leitores por muitas fontes de informação (na era da personalização já ninguém precisa de um único pacote de informação sobre quase tudo, um "one size fits all" que acaba por não servir bem a ninguém). Foi a dispersão da publicidade, que já não precisa de jornais para chegar a consumidores. Foi o fenómeno de desintermediarização (o que é grave para quem é "media") e a tendência para o fim de uma sociedade de massas (o que também não ajuda quem é "mass media"). Foram as novas lógicas de dispersão e (outrora tarefa jornalística) de hierarquização de informação: é para mim importante o que os meus amigos acham que é importante, eles que até são pessoas inteligentes e me conhecem e me mandam notícias por mail e Facebook. Não foi culpa dos jornalistas. Foi o mundo a mudar (e, no meio disto, talvez tenha sido ainda uma centelha de arrogância do jornalismo por achar impossível que o mundo estivesse a mudar de forma tão ingrata sem lhe perguntar nada primeiro)."

Esta não é "a razão" mas "esta razão" explica muita coisa. Certamente que ainda existirão os jornais em papel, mas qualquer pessoa inteligente, que queira no futuro construir um projeto jornalistico, provavelmente estará muito mais interessado em explorar novas tecnologias, novos rumos, novos métidos para manter a qualidade da informação e o lucro do seu projeto. No dia em que se colocar publicidade "online" como se coloca nos jornais de hoje, no dia em que as pessoas terão um "tablet" tão barato como um telemóvel (ou celular), no dia em que uma pessoa estiver disposto a pagar para uma assinatura mensal, como faz hoje em dia para carregar o seu telemóvel, os jornais e revistas emigrarão para lá em força, e o papel será, não uma recordação distante, mais uma espécie em vias de extinção.

Mas "esta razão" não explica a crise na imprensa portuguesa ou espanhola. Contudo, pode ser um aviso de que esta imprensa - falo de rádio, TV e jornais - está a acabar. A imprensa dos grandes grupos económicos, que juntaram vários títulos no sentido de controlar e garantir lucro e influência junto dos poderes estabelecidos, só terá lucros por mais algum tempo. Caso não façam aquela transição para os novos média, estarão relativamente condenados em termos geracionais, pois a próxima geração, com os "gadgets" como os "tablets" e outros, quererão ler por ali do que pagar um valor para pegar num jornal ou revista em formato de papel. A acontecer, daqui a 15, 30, no máximo 60 anos, não existirão jornais e revistas em papel, pelo menos no mundo desenvolvido.

Quanto aos profissionais, os que vão ser mais afetados pela crise, é certo que a sua adaptação á nova realidade será a mais dura. Alguns abandonarão para sempre, outros "emigrarão" para as salas de aula de uma qualquer universidade, outros descobrirão a escrita. Mas isso não vai absorver todos. As universidades continuam a meter centenas de licenciados todos os anos, e claro, não existirão lugares para todos eles, e a ideia de que o jornalismo é uma profissão "sem saida" se vincará cada vez mais nas mentes das pessoas.

Creio que nestas coisas, tem de aparecer projetos alternativos. Juntar um grupo de pessoas para discutir e construir algo que seja viável, mas que mostre de forma diferente dos atuais grupos económicos, um projeto de qualidade, do qual as pessoas não se importam de pagar para ver, ou ler. Não consigo entrar em detalhes, mas creio que - pelo menos em Portugal e Espanha, países em crise - deveria ser a altura de se pensar e erguer um ou vários projetos alternativos ao atual, com públicos específicos, com métodos diferentes de financiamento, com métodos diferentes de estrutura organizativa, no sentido de mostrar que existem alternativas ao que há agora. 

Porque... tal como está agora, o destino será o encolhimento e o desaparecimento. E em breve, ouviremos falar de mais jornais e revistas como o "Publico" ou o "Autosport", que se encolherão ou desaparecerão.

Post Scriptum: O Diário Económico avança esta tarde com a noticia de que o Grupo Impresa vendeu a Autosport e o Volante para a Moonmedia, detido por Pedro Correa Mendes, o que poderá fazer continuar a produzir não só ambos os títulos, como salvar parte dos jornalistas que trabalham por lá. Veremos se haverá alguma mudança nos métodos de trabalho e uma maior qualidade das revistas, pois caso contrário, será apenas um prolongar da agonia, algo que ninguém quer. 

2 comentários:

Julio Cezar Kronbauer disse...

No Brasil, os jornais estão começando a tomar outro foco. Em vez de apenas informar, tentam repercurtir o que aconteceu no dia anterior, supondo que as pessoas já saibam das notícias.

Além disso, vendem a versão digital do produto, como se fosse uma assinatura mesmo, mas com mais vantagens: acesso no site a notícias bloqueadas para o público em geral, versões para tablets ou outros dispositivos móveis, entre outras regalias.

Acredito que o rádio está cada vez mais forte no Brasil, pois é a forma mais fácil para acesso à informação pelas pessoas que vivem em lugares de difícil acesso, onde não há nem energia elétrica.

Para tirar proveito da internet, muitas emissoras fornecem um streaming para que quem estiver longe de sua terra natal possam se sentir um pouco em casa, além da possibilidade de transmitir conteúdo alternativo na web no horário que, na forma tradicional, retransmitem a "Voz do Brasil", programa de notícias produzido pelo governo brasileiro, criado por Getúlio Vargas, na década de 1930, e que, até hoje, é obrigatório para qualquer emissora de rádio brasileira transmitir no horário entre 19 e 20 horas.

Daqui, sinto que o que faltou para a imprensa portuguesa é ter se reinventado "antes que a bolha estourasse".

kimi_cris disse...

O fim do Autosport já se adivinhava á muito, é natural que com o decrescimento da qualidade tivessem menos lucro, enfim é o nosso pais que vai de mal a pior.

Kimi_Cris
http://galaxia-f1.blogspot.pt