Neste sábado que passou comemoraram-se os vinte anos da morte inesperada de James Hunt, vítima de um forte ataque cardíaco à idade de 45 anos. Num ano em que veremos nos cinemas um pouco por todo o mundo a dramatização do seu duelo com Niki Lauda, em 1976, no filme "Rush", de Ron Howard, é bom recordar a carreira de alguém que viveu num tempo em que, enquanto que todos os excessos eram possíveis, poderia ser um piloto competitivo e vencer.
Confesso que não sei como definir um sujeito com carisma, mas creio que dizer o que pensa, sem medir as palavras deve ser um deles. Mas creio que ser corajoso também seja uma delas, e Hunt tinha ambas. Hoje em dia, vermos um comportamento de "playboy" numa competição como a Formula 1 é praticamente uma impossibilidade, excepto, talvez... Kimi Raikkonen. Mas em 1973, quando Hunt chega à categoria máxima do automobilismo, faz o possivel para dar nas vistas, graças a um jovem barão chamado Alexander Hesketh.
Aliás, Harvey Postlethwaithe, o projetista da equipa, contava uma história sobre a razão porque ele foi para lá: "Eram os únicos onde deixavam embebedar-me". Devido ao ambiente de festa que havia numa equipa, onde mesmo assim, tinham sucesso. Hunt foi veloz: deu o seu primeiro pódio no GP da Holanda de 1973, em Zandvoort, venceu lá dois anos depois e tornou-se no menino querido da imprensa, tal como Hesketh. Mas no final de 1975, o dinheiro acabou e o inglês parecia estar num beco sem saída. Até que Emerson Fittipaldi decide ajudar o seu irmão no sonho da equipa brasileira de Formula 1, a Copersucar, e o lugar na McLaren passou a ser seu.
Mas parecia que aquela iria ser uma temporada inglória. O seu maior rival era o austriaco Niki Lauda, que tinha sido campeão do mundo no ano anterior, e tinha tido um arranque quase perfeito, vencendo duas das quatro primeira corridas da temporada de 1976, embora em Kyalami, tinha tido Hunt sempre atrás de si, vendendo cara a sua derrota, mostrando o seu espirito combativo. Depois disso, venceu em Jarama, mas a sua vitoria só seria confirmada em julho, pois inicialmente ele fora desclassificado por causa de uma irregularidade em relação ao tamanho da asa traseira. Uma irregularidade que a equipa depois demonstrou que poderia acontecer com a simples dilatação da peça, com o calor.
Até a 1 de agosto desse ano, toda a gente pensava que apesar da luta de Hunt, Lauda ficaria com o cetro. Mas nesse dia, um acidente no circuito alemão de Nurburgring, no temido Nordschleife, de 23 quilómetros, mudou tudo. Niki Lauda fica envolto em chamas, salvo por mais alguns dos seus companheiros de profissão, como Brett Lunger, Arturo Merzário ou Harald Ertl, e fica com os pulmões queimados, a ponto de ser-lhe concedida a extrema-unção, porque os médicos duvidavam da sua sobrevivência.
Após isso, tudo mudou: Hunt acreditou que era alcançável o primeiro lugar, vencendo em lugares como na Holanda. Mas de um modo surpreendente, quase um milagre, Niki Lauda volta a um carro, em Monza, 42 dias depois do seu acidente e perante o delirio dos "tiffosi". O austriaco consegue arrancar exibições boas, e para melhorar as coisas para os lados da Ferrari, esta venceu o apelo que tinha lançado junto do tribunal da FIA, quando esta contestou o resultado do inicio do GP da Grã-Bretanha, onde uma carambola tinha envolvido Hunt e Lauda. O inglês foi desclassificado e o resultado da FIA tinha sido divulgado no fim de semana do GP do Canadá.
Alastair Caldwell, o "team manager" da McLaren, conta no seu site pessoal que Hunt, que até então seguia um regime minimamente espartano, tutelado por Caldwell, pura a simplesmente tinha desistido e fora celebrar como nunca tinha celebrado, no hotel onde estavam hospedados em Toronto. Apareceu de manhãzinha, aparentemente cruzou-se com um Lauda que ia para o circuito, com uma mulher em cada braço... e contnuou a festa no seu quarto. Venceu a corrida, e depois repetiu a dose em Watkins Glen.
A historia do GP do Japão é o final indicado, com ou sem elementos de lenda. Com ou sem uma festa semanal de orgia com as hospedeiras da British Airways, com ou sem o Barry Sheene, os factos foram estes: uma tempestade enorme no circuito, Lauda a desistir na segunda volta porque teve medo - ou inteligência - de correr - ou deixar de correr - nestas condições. Ele pensava que Hunt acabaria numa valeta, mas na realidade, acabou no pódio, a comemorar un dos títulos mais improváveis da história da Formula 1.
Hunt deu o seu melhor na McLaren. Mas a equipa vivia uma fase descendente, e Hunt começou a ficar mais distraido, mais desmotivado. Os excessos começaram a levar a melhor sobre ele e no final de 1978, após uma má temporada da marca - superada em toda a linha por uma Lotus fabulosa com o modelo 79 - Hunt foi para a Wolf. Mas mesmo com um bom carro, o seu pensamento estava noutras bandas e após o GP do Mónaco, decidiu que era tempo de pendurar o capacete.
E ao longo dos anos 80 a unica coisa positiva foram os seus comentários na BBC, ao lado de Murray Walker. De resto, tudo acabava: o alcool, as drogas, o divórcio com a sua segunda mulher, o dinheiro - teve de declarar falência em meados da década, pois ficou sem dinheiro - e apenas no inicio dos anos 90 é que encontrou alguma paz de espirito. E ele ganhava uma segunda vida na televisão, sendo ele mesmo: James Hunt, uma pessoa que sabia muito de Formula 1 e nunca deixou de dizer o que pensava. Falava mal dos retardatários - certo dia, no Mónaco, em 1989 achou a resposta de René Arnoux sobre a sua dificuldade em adaptar-se aos carros atmosféricos com o seu Ligier como "uma perfeita treta" ("bullshit", no original), chamou Andrea de Cesaris de "idiota" e Phillipe Alliot de "um tipo que é desnecessário à Formula 1".
Nessa altura, parecia que a vida de Hunt tinha dado um circulo completo. Em paz de espirito, tinha intenções de casar uma terceira vez quando um ataque cardíaco fulminante o matou, aos 45 anos de idade. Quando vinte anos depois, voltaremos a recordar o piloto britânico, pode-se dizer que ninguém o esqueceu. Ainda bem, as novas gerações têm de saber quem foi essa personagem e porque tem um lugar tão especial.
1 comentário:
No GP Séries do Marcão tem uma bela foto de Hunt pilotando uma Williams em um teste.
Gostei demais.
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