De uma certa forma, tudo o que aconteceu esta tarde era do conhecimento geral. Sabíamos que Lewis Hamilton seria campeão, pela vantagem que tinha. Sabíamos que a corrida de Abu Dhabi iria decidir tudo, mas pensávamos que a corrida iria ser tão aborrecida que nem nos daríamos ao trabalho de a ver, ou se víssemos, seria mais por obrigação do que por paixão. Mas apesar do roteiro previsível, não saberíamos que esta corrida iria ser mais dramática do que pensávamos.
Primeiro, uma pequena declaração de interesses. Não nego que gostaria de ter visto Nico Rosberg como campeão do mundo. Ficava-lhe bem, um alemão a vencer num carro alemão, com motor alemão, e ainda por cima, um filho de campeão a vencer um campeonato, como fez Damon Hill quando venceu em 1996, quase 30 anos depois do seu pai ter ganho o seu segundo título mundial. Mas sabia que o título ficaria bem a Lewis Hamilton, por ter vencido mais corridas, e ser bem mais veloz em corrida, e isso é o que interessa, em muitos aspectos. Mas ele errou mais vezes do que Rosberg, e ele poderia ter resolvido por ele mesmo mais cedo. Enfim, veio a tempo para corrigir - ou se preferirem, salvar a situação. E claro, merece o campeonato.
E da maneira como se comportou hoje, fez tudo para merecer. O fabuloso arranque, que deu meio segundo a Nico Rosberg, mostrou que ele queria resolver o assunto o mais depressa possivel. O alemão nunca conseguiu reagir nas voltas seguintes, ocupado que estava em se livrar dos Williams de Felipe Massa e Valtteri Bottas. Atrás, Daniel Ricciardo e Sebastian Vettel tratavam de recuperar os lugares perdidos pela exclusão na qualificação. O australiano parecia sair melhor no transito - e saiu, fez 28 voltas com o mesmo jogo de pneus! - enquanto que Vettel tinha outras dificuldades.
Mas o grande drama aconteceu a meio da corrida, quando Nico Rosberg começou a ter problemas com a falta de potência com o seu carro. Eles surgiram na volta 22, quando ele, primeiro, teve uma saida de pista, para logo depois, queixar-se de que os travões não funcionavam. Logo depois, descobriu-se que era a sua unidade de energia. Aos poucos, aquele segundo lugar que parecia ser seu, estava a escapar-se, sendo apanhado e depois ultrapassado pelos seus adversários.
O aborrecimento tinha-se transformado em drama, e as pessoas despertaram dessa letargia no almoço europeu.
A partir dali, o Inferno instalou-se em Nico Rosberg. os mecânicos faziam o seu melhor para que ele pudesse continuar, tal como o próprio piloto. E isso colocava em segundo plano os acontecimentos na pista, como o incêndio do carro de Pastor Maldonado e a reação dos seus mecânicos (um belo tributo à sua temporada, diga-se de passagem...) a tática de Felipe Massa para poder apanhar Lewis Hamilton, que a onze voltas do fim, decidira colocar pneus super macios para poder carregar rumo à liderança, que estava segura, mas de forma mais descontraída e cautelosa, dado que o seu principal rival estava a arrastar-se.
No final, Rosberg arrastava-se e perdia uma volta. Mas mesmo assim, mantinha a sua dignidade. Tato que a duas voltas do fim, a equipa pediu a ele para que fosse às boxes, sinalizando a sua desistência. Mas o piloto não obedeceu, afirmando que queria manter na pista, independentemente do resultado. De uma certa forma, queria ser digno e provar que fez de tudo para continuar, acreditando num milagre. Que não aconteceu e não iria acontecer.
Por fim, Hamilton cortou a meta, com Massa não muito atrás. O brasileiro não conseguiu chegar a ele - ou o inglês não concedeu a vitória - e assim conseguiu tudo: o campeonato, a vitória, 50 pontos. Tudo. Mostrou ao mundo que ele foi o melhor na sua temporada, que é um dos melhores pilotos do seu tempo. Deu um titulo à Grã-Bretanha, que escapava desde 2009 e recebeu os parabéns do príncipe Harry, o terceiro pretendente ao trono britânico. E comemorou como deve de ser: pegou na "Union Jack", como fizera Nigel Mansell mais de vinte anos antes, e fez um "donut" na pista, para expressar o seu contentamento.
Depois, Rosberg foi cumprimentar o seu companheiro de equipa, num gesto de "fair-play" e longa amizade, que poderá ter sido abalada ao longo do ano, mas que não foi destruída. E como todos os outros, aplaudiu o pódio, onde estiveram para além do campeão, os Williams de Felipe Massa e Valtteri Bottas, sinal do reerguer da equipa de Grove, com Claire Williams a assistir a tudo.
E assim acabou a temporada de 2014. Os pontos a dobrar não serviram de nada, porque não houve a mudança dramática que muitos queriam que existisse. E espera-se que, ao mostrar a sua inutilidade, esse capricho acabe no ano que vêm. Mas isso veremos daqui a alguns meses, num inverno que se prevê longo e quem sabe, agitado.
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