quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Ninguém quer saber de Helmut Marko

Há alguns anos, tive esta conversa com uma pessoa do meu circulo de amigos, do qual temos em comum a nossa paixão por automobilismo. Nesse dia, discutimos sobre Helmut Marko, e essa pessoa achava que ele tinha sido um mau piloto, e por isso ele tinha maus julgamentos sobre os rapazes que apareciam na Red Bull Junior Team e que depois os deitaria fora sem dó, nem piedade. Eu retorqui que a sua carreira ao volante é bem mais rica do que se pensa, pois falamos de alguém que ganhou as 24 Horas de Le Mans e teve grandes performances em provas como a Targa Florio, quer ao volante de Porsches, quer ao volante dos Alfa Romeo.

Contudo, essa pessoa preferia ver a sua carreira na Formula 1: dez corridas, zero pontos. Mas salientei que a sua carreira teve um fim prematuro no GP de França de 1972, quando uma pedra vinda do Lotus de Emerson Fittipaldi furou a viseira e cegou-o de um olho. Em jeito de conclusão, concordamos em discordar, e a amizade continua sólida, como sempre, apesar de agora estarmos em continentes diferentes e falarmos pelas redes sociais.

Recordei essa conversa esta semana com o Paul-Henri Cahier, a propósito de uma foto tirada pelo seu pai, Bernard Cahier, nessas 24 Horas de Le Mans de há 45 anos, quando ele comemorava ao lado do holandês Gijs Van Lennep. Ambos, a bordo de um Porsche 917 com as cores da Martini, tinham batido um recorde de distância, de 5355 quilómetros, a uma média de 222 km/hora, superado apenas em 2010 pelo Audi R15 TDi. Mas aí, pelo meio, tivemos as chicanes... 

Pouca gente sabe, mas ambos guiaram sem que lhes contasse de um segredo que aquele carro tinha. Em vez de ser de alumínio, aquele carro era feito de um material mais leve, magnésio, que tinha a particularidade de ser combustível. Tão combustível que, se um deles tivesse o azar de bater com o carro, ele iria se tornar numa tocha enorme e o piloto poderia acabar em cinza. Mas isso só souberam depois, quando estavam no lugar mais alto do pódio e a comemorar com champanhe.

Mas voltando a Marko, as pessoas de hoje em dia - a não ser que sejam tarados por História - não sabem que ele foi, por uns tempos, o sucessor de Jochen Rindt. Nascido a 27 de abril de 1943, em Graz, foi colega de turma de Rindt e seguiu-o na sua carreira de automobilista, mas pelo meio, decidiu tirar um curso universitário. Sim, ele é licenciado em Direito! No final da década de 60, dedicou-se ao automobilismo a tempo inteiro, e aquele período entre 1970 e 72, foi o seu auge, com o que fez quer na Endurance, quer na Formula 1, onde foi piloto pagante na BRM. E quando ele teve o acidente, esse lugar foi preenchido por Niki Lauda.

Depois, ele fez um pouco de tudo, especialmente... empresário. Teve azar nos seus primeiros pilotos. Helmuth Koinigg foi um deles, cuja carreira terminou debaixo de uma barreira de proteção, em Watkins Glen. Seis anos depois, em 1980, quis levar Markus Hottinger à Formula 1, mas um pneu durante uma corrida de Formula 2 em Hockenhim, cortou essa chance. Chegou a ser repórter no paddock da Formula 1, mas foi apenas nos anos 80 é que teve sorte, primeiro com Gerhard Berger, e depois com Karl Wendlinger. E foi nessa altura é que conheceu Dietrich Mateschitz e a Red Bull, que levou à aliança que todos conhecemos. Foi a Red Bull, que, por exemplo, lhe financiou a sua equipa. a RSM Marko, quer na Formula 3 alemã, quer depois, na Formula 3000.

É óbvio que não se pode pedir à nova geração que tenha na ponta da língua os feitos de Marko como piloto, mas antes de falar asneiras, até seria de bom tom entender um pouco a razão porque ele deseja ser implacável para com os pilotos que chegam por aí. Num mundo de "darwinismo social" como é o nosso, não se pode acomodar ao topo, uma vez chegado lá. Todos quererão o seu lugar, e se tiveres azar ou relaxar, noutro dia, outro ficará com o teu lugar.

Mas também, aquela conversa que tive, num tempo não muito distante, com esta amizade, me fez lembrar de outra coisa. Os "petrolheads" não são uma cultura uniforme, há várias subculturas, todas elas ligadas à nossa paixão em comum pelas quatro rodas e um volante. Há quem ache a Formula 1 (ou outra categoria do qual podem colocar aqui) o pináculo de tudo e menospreza-se o resto, e há quem veja todas as categorias como um conjunto uniforme, no qual, todos os carros são belos e os seus pilotos valorosos. Eu confesso que faço parte desse último grupo, pois gosto de rally, Endurance, Indy ou mais recentemente, a Formula E. E tenho tanto fascínio pela parte técnica do automobilismo e respeito os que tentam melhorar os carros em termos de performance, e não quero saber - e nunca quis saber - sobre barulhos e não sou xiita em relação ao motor a combustão.

E na minha opinião, creio que todos deveriam ver o automobilismo dessa forma, mesmo que depois optem por uma determinada categoria.

Par finalizar: a minha defesa de Marko como piloto não é a mesma sobre Christian Horner. Ao contrario do primeiro, Horner era mesmo um mau piloto!  

1 comentário:

Vitor A. Veine disse...

É irritante ver como as pessoas menosprezam os pilotos de outras categorias, sem falar naquelas que criticam os ases da F1 atual ao compara-los com os de 20 ou 30 anos atrás. Tenho alegria em dizer que também faço parte do último grupo, aquele que dá valor a todos os pilotos e a todas as categorias do mundo, sendo eles parte do nosso glorioso esporte a motor.