quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Sobre dinheiros e perdas operacionais

Nestes últimos dias, andava a escrever o meu artigo mensal para o site Nobres do Grid, e escolhi como tema os dinheiros da Formula 1. É um assunto do qual muitos não ficam muito tempo a ler, porque ler as contas é um exercício complicado para quem não entende de contabilidade ou de finanças. Porém, o assunto é tão importante que achei que deixei muita coisa de fora, logo, um artigo aqui para complementar não faz mal algum.

Primeiro que tudo: a Formula 1 ganha muito dinheiro. Em 2014, tinha receitas brutas a rondar os 1700 milhões de euros, com cerca de 500 milhões de despesas, e o resto era distribuído pelas equipas, com Bernie - através do seu fundo de investimento Delta Topco - a deter 15 por cento das receitas, além de, claro, a CVC Capital Partners, que ganhava muito dinheiro sem fazer muita coisa. Contudo, em setembro de 2016, a Liberty Media apareceu por aqui e adquiriu a Formula 1 por oito mil milhões de libras. O negócio foi completo no inicio do ano, e a CVC Capital Partners, bem como Bernie Ecclestone, foram à sua vida, com os bolsos bem cheios. E até foi bem a tempo, porque segundo se conta, a Formula 1 está a perder dinheiro. As perdas em 2017 chegaram aos 160 milhões de euros e as equipas, como seria natural, estão preocupadas.

Primeiro que tudo, a Liberety Media teve de fazer largos empréstimos aos bancos para poder pagar à CVC Capital Partners e a Bernie para que o negócio pudesse ser feito. Aliás, parece que a Liberty Media adquiriu a Delta Topco (o tal fundo que pertencia ao Bernie) por 3,3 mil milhões de dólares, e usou empréstimos bancários para efetuar a aquisição.

A segunda razão é que a Formula 1 é cara. Cara para os espectadores, que gastam mais de cem euros para ver um Grande Prémio - imaginem alguém a querer seguir a temporada inteira! - cara para os que seguem a Formula 1 como jornalistas - certo dia, o Joe Saward contou no seu blog que deveria gastar cerca de vinte mil euros por ano para andar a cobrir toda a temporada - e ao ver as contas das equipas, poderemos ver que o limiar de sobrevivência de uma equipa são cem milhões de euros por ano. Embora haja equipas que usam bem o dinheiro, como a Force India, que tem um orçamento de 150 milhões para ser quarta no campeonato de Construtores... 

Aliás, eu falo frequentemente nestas bandas sobre quanto é que as equipas ganham. Quando falo que, por exemplo, a Ferrari ganha cerca de cem milhões de euros ainda antes de fazer o seu primeiro parafuso do carro da temporada seguinte, só por ser... a Ferrari, muitos parecem que não acreditam nisso, por causa da opacidade destas contas. As pessoas não sabem que Ferrari, McLaren e Williams, por serem as equipas mais antigas do pelotão - a quarta classificada é a Sauber, que está na Formula 1 desde 1993 - recebem um extra para além do que recebem devido à sua classificação geral, e do qual apenas dez equipas é que recebem desse bolo. É por isso que as equipas mais pequenas, que entraram em 2010, não sobreviveram por muito tempo: sem entrarem no "top ten", excepto a Manor-Marussia, definharam e abandonaram devido às despesas incomportáveis.

E atenção: os "insiders" dizem que, por exemplo, o esquema que coloco aqui não mostra todas as finanças da Formula 1. Sabe-se lá a quantidade de clausulas escondidas, por exemplo...

Contudo, todo este dinheiro, todos estes métodos de obter receitas... isso tem consequências. Uma grande fonte de receitas são pagas pelos circuitos, que tem contratos cada vez mais caros e que aumentam de ano para ano. É por causa desses custos que sobem a cada temporada que passa que Silverstone decidiu "roer a corda" este ano, com duas temporadas de aviso, afirmando que em 2019, seria o último ano a receber o Grande Prémio, porque pura e simplesmente, receber a Formula 1 dá-lhes prejuízo. E claro, a Alemanha também abdicou de receber a Formula 1, e a Malásia decidiu que 2017 seria o último ano a receber a Formula 1.

Para piorar as coisas, a Liberty Media anda com dificuldades em arranjar novas receitas. Não tem um grande patrocinador, e também não tem conseguido arranjar novos "major sponsors", e isso é preocupante. Tão preocupante que o pessoal dentro da Formula 1 começa a falar sobre isso.

"O cerne do problema é outra coisa", disse Niki Lauda, diretor não-executivo da Mercedes. "Em face do crescimento dos custos em cerca de 70 milhões de euros de um ano para o outro, as receitas diminuíram. Mas onde queremos ir a partir daqui? Deveria haver ideias para gerar mais dinheiro, mas não as vejo", continuou.

"Se perdemos dinheiro, não ficaremos felizes, mas nosso modelo de receita na Formula 1 é baseado em um que o FOM está nos dando com base em seu próprio EBITDA [resultado bruto antes de impostos]. Então, se o seu EBITDA está abaixo, o que vamos conseguir é baixo. É assim que funciona", comentou Eric Boullier, o diretor desportivo da McLaren.

E sobre isso, Ross Brawn sabe que tem de mexer com pinças, porque a partir de 2018 terá de negociar um novo Pacto da Concórdia, que estará em vigor em 2021.

"Precisamos convencer as equipes de não jogar a água do banho fora com o bebé lá dentro", afirmou Brawn em Interlagos, quando referiu sobre sobre o desconforto causado na queda do prize-money.

"Há uma discussão maior sobre todo o lado comercial que precisa ser feito. Nós [recentemente] tivemos nossa primeira discussão sobre um sistema de controle de custos justo e sustentável para o futuro, de modo que também é parte disso. Precisamos garantir que todos nós crescemos sobre isso, e nós temos uma discussão comercial.

"Haverá discussões difíceis, mas temos o lado técnico da Formula 1 para tentar avançar. Temos o lado do controle de custo deste desporto para avançar. Nós temos o lado desportivo para avançar. Se estragarmos tudo porque estamos tendo esse debate sobre o lado comercial, somos tolos porque é isso que torna o nosso negócio melhor, mais sustentável", concluiu.

Fala-se que a Liberty Media ofereceu parcelas da estrutura accionista da Formula 1 às equipas, mas estas resolveram recusar a oferta - a Formula 1 (FWONK) está cotada na Bolsa de Nova Iorque - porque acham que é mais seguro receber pagamentos fixos, como tem acontecido até agora, do que receber uma percentagem da estrutura acionista, que como sabem, está sujeita e altos e baixos.

Para além disto tudo, por estes dias, o jornalista Chris Sylt escrevia para a Forbes de que há outras preocupações no horizonte. As autoridades britânicas (e francesas) andam a investigar o contrato atual do Acordo da Concórdia, para saber se existe algum indicio de corrupção. O pedido aconteceu recentemente, e até agora, as investigações não tem avançado muito - ou se preferirem, avançaram de forma muito discreta - mas pelo que se lê na imprensa britânica, há noticias de que esta pode ter chegado ao fim e que poderá haver acusações, pois eles tiverem acesso a um cópia confidencial do atual Acordo de Concordia. 

E ali pode-se ler, entre outras coisas, que a FIA poderá ter direito a um por cento das ações da Formula 1 por cinco milhões de libras. Uma bagatela, mas que na realidade, poderá advir um problema de conflito de interesses. E isso pode dar em crime. E se acontecer, há mais sarilhos que possamos imaginar, e claro, poderá afetar as negociações para novo Acordo, que deverão começar ano que vêm, pois terá de entrar em vigor no final de 2020. 

E nestas coisas, todos vão querer ter uma parte do bolo. Mas convêm que as contas estejam equilibradas, e aí entram vários fatores, desde o controle de custos até a uma maior transparência nos gastos. Se querem que a Formula 1 dure muito, mas muito tempo, é preciso que haja controlo e transparência, pois caso contrário, haverão nuvens ameaçadoras no horizonte.

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