quarta-feira, 7 de março de 2018

Outra vez as mulheres

Outra vez as mulheres? Pois... sabem como é, quando a Carmen Jordá abre a boca, sai asneira. Pode estar a aprender as manhas de Bernie Ecclestone ou de Niki Lauda, sendo politicamente incorreta e defender uma via que muitos não gostam, mas a coisa boa é que quando fala, todos comentam o assunto, mesmo que ela refira os piores motivos.

Contextualizando: no fim de semana que passou, Jordá foi experimentar um Formula E no México. No final, disse que o bólido seria melhor para as mulheres porque - alega ela - tinha... direção assistida. Ou seja, por causa do físico, as mulheres não são capazes de guiar um Formula 1. Pilotos como Robin Frijns e Jenson Button foram logo a público responder que não era assim, especialmente o campeão do mundo de 2009, que respondeu da seguinte forma:

"Oh Carmen, você não está ajudando as pilotos de corrida femininos com este comentário. Prtgunta a @DanicaPatrick sobre ser [forte o] suficiente para dirigir um carro de corrida! Ela chutaria meu traseiro no ginásio e ela provavelmente é tão forte como qualquer piloto na grelha de partida da Formula 1 agora. A barreira física não é problema, Carmen".

Já agora, só para as estatísticas: a Formula E já teve três mulheres piloto na sua história: Katherine Legge, Michela Cerrutti e Simona de Silvestro. Apenas a suíça pontuou, com dois nonos lugares em 2015-16, ao serviço da Andretti. Agora está na Austrália, a correr nos V8 Supercars.

Em suma, Jordá calada seria uma poetisa digna de um Nobel. Mas se quisermos ver de outra forma, se calhar ser a mázinha da fita poderá fazer com que haja mudanças na maneira como as coisas são feitas e acalentar a discussão. Má, mas a acontecer. E havia coisas que já deveriam estar a acontecer há muito tempo e só acontecem agora.

Um exemplo: ontem, em Genebra, a FIA lançou um "Karting Challenge" para as raparigas entre os doze e o 18 anos, que vai decorrer em oito países, Portugal incluído, e o objetivo é atrair o maior número de jovens para experimentarem a modalidade. As melhores irão disputar uma grande final em Le Mans, no final do ano.

Quanto à FPAK (Federação Portuguesa de Automobilismo e Kerting), esta terá como missão organizar esses eventos e fazer a seleção nacional para a final francesa. “A importância do desporto automóvel português no panorama europeu. Atrair mais mulheres para a nossa modalidade é uma das grandes missões desta direcção. Será um enorme desafio colocar de pé estas duas iniciativas em consonância com as directrizes da FIA e da União Europeia. Estamos a planear desenvolver uma das ações a Norte e a outra a Sul e procurar envolver o maior número de jovens possível. Temos a certeza que a dinâmica imposta vai ser atractiva de forma abrangente e uma mais-valia para o nosso desporto”, disse Ni Amorim, o presidente da FPAK.

Sempre defendi a igualdade, para ser honesto, mas pelos vistos, daquilo que se lê nas caixas de comentários (nada recomendáveis, eu sei, mas não se consegue escapar...) parece que ou apareci demasiado antes de tempo ou vivo num mundo paralelo. É que a maior parte das pessoas que opinam sobre isso referem que as mulheres no automobilismo, no seu melhor, deveriam estar numa categoria à parte, como acontece no futebol, ténis, ciclismo, atletismo, etc. Eu não defendo isso porque é uma medida de discriminação. E todas essas modalidades mostram isso. E mesmo as mais desenvolvidas, as mais profissionais - dou o exemplo do ténis - descriminam as atletas femininas em comparação com as masculinas no "prize money". Se dão um milhão de dólares a um Roger Federer, um Rafael Nadal ou Novak Djokovic, para uma Serena Williams ou uma Gabrine Murguza, vão lhes dar 75 por cento desse "prize money", na melhor das hipóteses.

E essa defesa, por muito que seja justificada, não serve. Só serve para as colocar numa posição inferior para sempre. Alguém imagina uma "Formula 1 feminina"? A acontecer, como seria a distribuição dos prémios? Que tipo de carro teriam? Quem é que iria apostar nisso? Alguém já se questionou porque é que não temos nada disso até agora? É simples: uma mulher-piloto não rende dinheiro, pelo menos na Europa. Porque na América, outro galo canta. E o exemplo da Danica Patrick está aí para que todos possam ver.

O exemplo da FIA é de louvar, porque é um principio. Mas depois vêm o resto, porque elas vão passar pela mesma coisa que passam os rapazes, quando fazem a transição para os monolugares: arranjar dinheiro para pagar uma temporada. O automobilismo é caro, muito caro. Não é só nas pistas, como também é no rali e nos turismos. E claro, elas estão sujeitas à mesma coisa: se não arranjam dinheiro, penduram o capacete e vão se dedicar a outra coisa na vida.

Mas não é só como pilotos que as mulheres deveriam se dedicar no campo do automobilismo. Precisam-se de engenheiras e mecânicas, por exemplo. Quem conhece minimamente os cursos universitários, sabe que as faculdades de engenharia são praticamente o último reduto masculino, porque a maior parte dos alunos são homens e boa parte dos professores são do sexo masculino. Pode-se dizer que a matemática é um grande obstáculo, mas também há professoras de matemática e de fisico-quimica, não é? Não deve ser por aí, deve ser por algo mais. 

O automobilismo sempre foi um reduto machista, mas tem de se mexer para não ser considerado como "o último reduto do homem branco". O que acontecer quando aparecer uma mulher piloto que for um pouco acima da média, como uma Michele Mouton, há 40 anos? Cortam-se as asas? Mandam dizer-lhe que o seu lugar é na cozinha? Ou passarão vergonha por parte da sociedade, e sentirão as consequências, porque o mundo está a mudar?

Enfim, é uma discussão longa de um problema que tão cedo não vai ter um fim à vista. É uma questão geracional, que está à espera de uma nova geração que veja isto como uma injustiça e esteja disposta a corrigir e resistir aos chamamentos das pessoas que se queixam de serem policiados pelo "politicamente correto" quando a Formula 1 e outros desportos decidiram tirar as "grid girls" da pista - e agora, dos Salões do Automóvel...

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