terça-feira, 6 de março de 2018

Eletricidade, competição e preconceito

Esta terça-feira apareceram em Genebra os novos carros da Formula E, a segunda geração. De uma certa forma, é o cumprimento da promessa de que iriam ter carros que lhes permitiam fazer toda uma corrida sem trocar de carro. Já se conhecia o carro propriamente dito desde há umas semanas, quando foi mostrado o bólido perante a imprensa, e hoje, perante o presidente da FIA, Jean Todt, mostraram-nos com as cores das velhas... e das novas equipas, como a Mercedes, Porsche e Nissan, que vai substituir a Renault na competição, pois a marca francesa vai se concentrar na Formula 1.

As equipas já receberam os novos carros na semana passada, antes do ePrix do México, e falaram que a diferença entre os velhos e novos carros é quase da água para o vinho. São muito mais potentes - terão 220 kw de potência - e andarão perto dos 300 km/hora. As corridas terão cerca de uma hora, porque a capacidade das baterias serão muito maiores do que são agora, e já houve consequências: na próxima temporada, esses carros andarão no circuito do Mónaco, no mesmo traçado do que usa a Formula 1, ou seja, andarão a fazer o gancho do Hotel Loews ou sairão do túnel para travar forte na chicane do Porto.

É certo que irão existir as inevitáveis comparações, mas quando pensamos que um circuito citadino como aquele pode condicionar a velocidade dos carros de Formula 1, pode-se dizer que as duas competições terão carros com performances idênticas.

A Formula E está lentamente a transformar-se, mas também se está a tornar-se no espelho da industria automóvel actual. Os carros eléctricos há muito deixaram de ser motivo de chacota, os fabricantes de carros eléctricos estão a deixar de ser um nicho, e agora só falta que deixem de ser um nicho nas vendas de automóveis novos. E nesse campo, é uma questão de tempo: com as vendas a dobrarem em cada ano, dentro de cinco anos poderão ser metade das vendas de carros novos. E se acham que é uma fantasia, podem ver as vendas de carros na Noruega em 2017: mais de 50 por cento de carros novos foram movidos a electricidade. E com os camiões novos a aparecer - Tesla, Nikola e Volvo, por exemplo - alguns dos objectivos políticos que foram traçados poderão ser alcançados em pouco tempo. Não ficaria admirado se no final da próxima década, pelo menos no mundo ocidental, os carros, camiões, barcos... e até aviões eléctricos poderão dominar a paisagem.

E há outra coisa: a electricidade e as fontes renováveis vão ser moda. Digo isto porque esta tarde o Bernie Ecclestone apareceu ao lado do Alejandro Agag!

Pequeno aparte: não, não se converteu, apenas está a fazer a classica "divide et impera" para demolir os novos proprietários da Formula 1. Ele está velho, mas não gagá.

Há uns dias, no Sábado, andava a ler o Facebook do João Carlos Costa, jornalista da Eurosport que comenta a Formula E. E ele fazia a seguinte pergunta:

"DISPAM os preconceitos, até mesmo os mais que aceitáveis e justificados. Leiam apenas pela componente técnica ou pela chamada de atenção do título. Servirá para perceber, em parte, porque estamos a caminhar para uma dezena de construtores envolvidos na disciplina. Há muitos anos, numa noite da transmissão de Le Mans no Eurosport, ainda antes de existir F.E, lancei o debate se, no futuro, preferiam que só houvesse Desporto Motorizado com carros/motos assim ou que este, pura e simplesmente, deixasse de existir?!?"

Era, claro, uma pergunta retórica. E as respostas... digamos, não me desiludiram. Para baixo. Toda a gente sabe qual é a minha posição sobe este tema, mas tento ser o mais pragmático possível e evitar ao máximo o preconceito. Nem sempre consigo, mas tento arranjar os melhores argumentos para defender a minha parte. Pelo menos nesse campo, argumento.

Mas do outro lado, só vejo preconceito. Não vou apontar ninguém, não vou usar as citações de outras pessoas, mas os argumentos que usam são facilmente refutados. Porque mais de noventa por cento das pessoas tem uma ideia fixa há anos do qual acham que nada mudou desde então. O que é errado. As coisas mudam, e mudam muito mais rapidamente do que julgam. Em menos de uma geração, serão "dinossauros". As reações vão desde o desprezo ou a zoeira até à hostilidade, roçando a "teoria da conspiração" rosnando os velhos argumentos de que as alterações climáticas são um embuste e acreditando em argumentos falsos, mentirosos até, porque lhes convêm.

Não vou discutir os preconceitos dos outros. Eu até sei que alguns deles fazem como eu: ler artigos e ver videos sobre o assunto. Só que se eu vou ler um artigo online da Wired ou ver um video no Youtube de canais como o "Now You Know", por exemplo, os outros poderão ver videos de teóricos da conspiração, que lhes dirão aquilo que querem ouvir. Podem gritar o que quiserem do Elon Musk, mas o que vejo é que todos andam a fazer a mesma coisa do que ele. E mais: os fabricantes chineses de automóveis estão a fazer a mesma coisa, e como tem vontade de fazer as coisas bem - e não tem nada a perder, atenção - se calhar vão fazer a mesma coisa que os japoneses fizeram nos anos 70, quando os seus carros pequenos e económicos aguentaram melhor o impacto do primeiro Choque Petrolifero de 1973.

Em jeito de conclusão, à falta de filtros para o geral, é melhor que os factos falem por si. Eu sei que os engenheiros estão demasiado concentrados em resolver os problemas, em melhorar as tecnologias das baterias e aumentar a autonomia dos carros com novos materiais à sua disposição para ler as caixas de comentários. Provavelmente deverão existir grupos de engenheiros que se sentam à hora do serão e vão ler esses comentários para ver quais deles é que serão os mais disparatados do dia ou do ano. São eles que mexem na massa e não nós, que limitamos a cuspir na atmosfera, não planeando onde é que cairá o escarro, sabendo que a possibilidade de cair ns nossas cabeças será muito elevada.

Daquilo que já vi, tenho a certeza de algumas coisas: daqui a dez, doze anos - ou seja em 2030 - os carros elétricos serão a maioria, que o inevitável aumento do consumo da eletricidade será compensada com milhões de baterias que providenciarão energia a qualquer hora do dia, sempre que a rede elétrica precisar; que mais de metade dessa energia será providenciada por fontes renováveis como vento, solar e energia das ondas, que o carvão, gás e petróleo serão bem menos precisos do que é agora, e que as centrais nucleares de fissão serão elefantes brancos difíceis de construir e de manter, sendo financeiramente inviáveis. E os carros serão movidos com dois tipos: baterias de litio e supercapacitadores de grafeno. Ah! E teremos muito menos carros do que agora, porque a condução será maioritariamente partilhada, em carros autónomos. Comprar um carro será mais uma fonte de renda do que de despesa.

Claro, a Formula 1 continuará a existir, com a Formula E. Mas será mais um anacronismo do que outra coisa.

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