quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Discutir "o melhor do mundo" é uma armadilha

Na semana após a consagração de Lewis Hamilton como campeão do mundo pela sexta vez, muitos começam a falar se ele é o melhor piloto de todos os tempos. Como é óbvio, para os fãs ele é o maior, e dizem que baterá todos os recordes de Michael Schumacher, final de discussão. Mas quem está metido neste meio sabe que não é bem assim. As "viúvas" sennistas são os mais conhecidos, mas há fãs do Schumacher, de Sebastian Vettel, do Fernando Alonso e de outras personagens do passado e do presente. E também existe os nostálgicos, bem como os que afirmam a pés juntos que Max Verstappen e Charles Leclerc irão dominar e no final das suas carreiras, apagarão o britânico dos seus registos.


Tenho experiência suficiente e poder de observação experimentado para afirmar que tipo de discussão é essa, e na segunda-feira dei por mim a falar no Twitter sobre o que tal significa: um veneno. Foi em reação a aquilo que o site Contos da Formula 1 falou sobre isso. Eles escreveram:


"Maldita mania do povo querer falar do "melhor da história da F1". Justo a F1, uma categoria que mudou tanto com o passar das décadas. Impossível, por exemplo, comparar Hamilton a Fangio ou a Clark. #ContosdaF1 #USGP"


Algumas horas mais tarde, escreveu estes quatro tweets, que decidi juntá-los por uma questão de espaço e coerência:

"Schumacher foi a quebra do paradigma das carreiras na F1. É a partir dele que a visão estratégica das corridas se torna algo obsessivo na categoria. Antes de Schumacher, Senna, um obcecado por recordes, queria a todo custo destruir todos os números da F1. O destino não quis que ele se aproximasse disso. Schumacher, sem admitir isso, foi lá e fez.


Hamilton segue a toada do alemão. E por isso vai bater as marcas dele. 

Não dá para comparar Hamilton a outros grandes da história da F1. Mas dá para observar claramente que ele absorveu a forma como Schumacher conduzia suas provas. E dá pra dizer: faz isso com uma naturalidade irritante. 

Quem é melhor: Hamilton ou Schumacher? No auge, difícil dizer. Mas considero Lewis mais talentoso e Michael mais inteligente."

É uma opinião. Respeitável, inteligente, válido, mas apenas isso: uma opinião. E sei perfeitamente - é o que dá ver este desporto há mais de 35 anos - que esta discussão sobre o paradigma "o melhor do mundo" é um veneno. Especialmente quando há pessoas que ainda acreditam em mitos. Um exemplo: a do piloto bom em carro bom. Ainda há quem jure que Ayrton Senna fazia milagres em carros "péssimos" como o Toleman TG184, de 1984 ou o McLaren MP4/8 de 1993. O que esquecem é que o primeiro foi desenhado por Rory Bryne, que mais tarde desenhou os carros da Benetton - a equipa foi comprada no ano seguinte por eles - e da Ferrari, a partir de 1996, a instigação de Ross Brawn e de... Michael Schumacher.

E o McLaren MP4/8 poderia ter motor cliente da Ford, uma evolução inferior a da Benetton, mas foi no inicio do ano. No final, eles forneciam a mesma evolução a ambas as equipas. E o sistema eletrónico da McLaren era superior ao da Benetton. E o talento do Senna em provas de transição seco-molhado em Interlagos e Donington Park fez o resto. E também tendem a esquecer que no final do ano, o McLaren era o melhor carro do pelotão, porque a Williams parou de desenvolver o seu FW15C para se concentrar no FW16. Uma espreitadela nos anuários do Francisco Santos confirma isso.

Mas estou a escapar do assunto inicial.

E que gostaria de dizer sobre este tópico é uma armadilha, e é tão tentador que é fácil cair nela - e o parágrafo anterior é indicativo dessa facilidade.


Voltando a ela, transcrevo o que falei sobre esse assunto na rede social (caso ainda não me sigam, o meu endereço é @speeder76):

"Discutir "o melhor da Formula 1" significa uma coisa, e apenas uma: armadilha. Porque todos temos o nosso favorito e ninguém quer ser visto como estando no lado do perdedor. É uma questão egoísta, de orgulho, quase de arrogância. 


Por isso fujo desse debate, porque é inútil.

Alguém discute o sexo dos anjos? Claro que não, porque é uma inutilidade. E é por isso que comparar Fangio, Clark, Stewart, Senna, Prost, Schumacher e Hamilton é uma idiotice. Todos foram bons. Todos. Sem excepção.

E depois... "Formula 1". Então, e o Tom Kristensen, multi-vencedor de Le Mans? Sebastien Loeb, 9 vezes campeão do mundo de ralis? A.J. Foyt, vencedor em Indianápolis, Le Mans e Daytona? Malcom Campbell, recordista de velocidade em terra? Excluídos porque nunca entraram num F1?
"

Se é assim, porque é que ainda há aqueles que voltam sempre à carga? "É uma armadilha atraente para muitos. Mas é uma bela cilada.", o pessoal do Contos da F1 respondeu.

Quem me conhece, sabe que escrevo bastante sobre a história do automobilismo. Já escrevi sobre a primeira corrida da sua história. Costumo escrever numa publicação sobre episódios dela, seja Formula 1, Ralis, Endurance, o que quer que seja. Conheço pessoal que faz a mesma coisa que eu. 

Mas depois, alarguemos os GOAT's (Greatest Of All Time, a versão inglesa) a outras modalidades. Desde os americanos - futebol, baseball, basketball, hóquei no gelo - até aos europeus, com o futebol, o "soccer". Ainda por cima, venho de um país que fez o seu GOAT, Cristiano Ronaldo, numa era onde temos outro, Lionel Messi. Mas viu os Ronaldinhos, o Diego Maradona, Johan Cruyff, etc. 

E tudo vai dar nas mesmas conclusões. Cada um teve o seu tempo, cada um foi excelente, e a discussão comparativa de um com o outro é inútil, como comparar o sexo dos anjos. Mas é tentador, e o melhor exemplo é ver as redes sociais e a imprensa falar sobre isso. É terreno fértil, é a melhor armadilha do qual adoramos cair. E confesso que caio por vezes. Pudera, é facílimo!

Mas no final é aquilo que disse atrás: todos temos o nosso favorito e ninguém quer ser visto como estando no lado do perdedor. Simples, fácil, claro, revelador. E como também dizem os americanos, "here's my two cents", a minha opinião.

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