domingo, 1 de maio de 2022

A imagem do dia


Por muitos anos que passem, a minha geração, aquela que cresceu com ele e estava presente naquele 1º de maio de 1994, nunca o irá esquecer, nem o dia, nem a hora, nem o local onde estavam quando aconteceu o acidente. No meu caso em particular, até me lembro de como estava o tempo naquele dia: estava um céu azul, sem nuvens, e uma temperatura amena. Nem me lembro de qualquer nuvem no céu naquele dia, sequer de nevoeiro.

É para ver até que ponto tudo aquilo me impregnou na minha mente.

Para quem tinha 17 anos, como eu, aquela entrada na idade adulta foi bem bruta. E de uma certa forma, entendo a razão porque se ouve aquela frase chata do "parei de ver quando o Senna morreu". Afinal de contas, 400 milhões de pessoas viram o impacto do carro na parede, seja depois da hora do almoço, na Europa, ou por alturas do pequeno almoço, no Brasil e parte da América do Sul, ou depois do jantar, no Japão. 

É... psicológico. Os mais velhos falarão onde estavam quando mataram o John F. Kennedy ou quando o Neil Armstrong chegou à Lua. Nós falaremos de Imola ou do 11 de setembro, uns anos mais tarde, quando o Osama bin Laden convenceu umas pessoas a sequestrar aviões e atirar contra as Torres Gémeas de Nova Iorque. São eventos que mudam, nos moldam a vida. No meu caso em particular, mostrou-me duas coisas. A primeira, que os teus heróis morrem aos domingos à tarde, e a televisão está ali para captar esse "memento mori". A segunda, no meu caso em particular, que o meu amor ao automobilismo é superior a qualquer piloto, morra na pista ou pendure o capacete, quando o seu momento chegar. 

Teve alturas em que sempre ouvir o nome dele era cansativo. Que o culto das "víuvas" por vezes transbordava o copo do enjoo, mas no final, entende-se a razão para isso tudo. Para algumas pessoas, era "deus" ou um motivo de orgulho por ser brasileiro, entre outras coisas. Quem vê o documentário "Senna" sabe disso. Não faria algumas das coisas que alguns fazem, tenho a minha maneira de o respeitar como o excelente piloto que foi, que quis sempre ser o melhor, que por vezes ia para além do limite, fisico, psicológico... e legal, mas sabia separar o piloto competitivo do ser humano sensível a muitas coisas. Sabia ser empático, não suportava o sofrimento dos outros, mas para defender os seus interesses contra algo que achava ser uma injustiça, conseguia ser implacável.

Não sei se há biografias em mirandês, aramaico e ovibundu, mas para lá caminha. Conheço gente que tem biografias em mais de uma dezena de línguas, mesmo que não saiba ler, eu sei que tenho em línguas que consigo ler. 

Eu sei que um dia, alguém escreverá um livro de ficção sobre isto tudo. E sei também que a história, a admiração e o culto a ele continuarão, muito provavelmente, até ao final dos tempos. E nós, que vimos tudo, só posso dizer que hoje, começa o ano 29 do tempo pós-Senna.

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