quarta-feira, 17 de maio de 2023

No Nobres do Grid deste mês...


No fim de semana de 11 e 12 de junho, as 24 Horas de Le Mans comemoram o seu centenário. No momento em que escrevo estas linhas, a pouco mais de dois meses da corrida, os bilhetes já estão esgotados há semanas. E a organização colocou à venda... 300 mil! Ainda por cima, numa altura em que a endurance está provavelmente a entrar numa "era de ouro", com a entrada de diversas marcas na classe principal, a Hypercar, marcas como a Ferrari - que regressa oficialmente depois de meio século de ausência - a Peugeot, a Porsche, a Cadillac, e em 2024, outras marcas como a Lamborghini e a Isotta Fraschini, também estarão presentes nas pistas, quer em La Sarthe, como nas do Mundial, como Silverstone, Monza, Fuji ou Spa-Framcochamps. 

Mas a aliança entre Le Mans e o automobilismo é muito anterior. Não só a 1923, altura da primeira edição, mas ainda mais antiga, porque foi ali, que em 1906, se organizou o primeiro Grande Prémio de sempre, como as origens desta corrida têm a ver com o que fazer depois de organizar um outro Grande Prémio. É que a prova mais famosa do mundo, a par das 500 Milhas de Indianápolis e do Grande Prémio do Mónaco, usa o traçado de uma corrida que aconteceu antes. 

(...)

Contudo, com a continua alternância entre pistas ao longo do hexágono francês, o ACO tinha de inventar algo do qual faça com que as pessoas pudessem vir todos os anos a aquele lugar, sem estar dependente do Grande Prémio - só voltaria a Le Mans mais duas vezes, em 1929 e 1967 -  os organizadores começaram a pensar em alternativas. A solução surgiu de três pessoas: Georges Durand, secretário do ACO, juntamente com Emile Coquille, diretor da marca de pneus Michelin, e Charles Faroux, editor do jornal "La Vie Automobile". Os três congeminaram uma prova de 24 horas decidida a provar duas coisas: a resistência mecânica, a poupança de combustível.   

O regulamento, publicado em fevereiro de 1923, era estrito: todos os carros eram estandardizados, com quatro lugares, exceto os inferiores a 1100cc, onde poderiam ter dois lugares, os pilotos tinham de ser dois, embora não ao mesmo tempo, o combustível era fornecido pela organização, para evitar compostos mais ricos, e os motores tinham de estar desligados nas boxes, aquando do reabastecimento e das trocas de pilotos. A estandardização significava que os carros tinham de vir pelos seus próprios meios das fábricas até ao circuito. A distância mínima onde os bólidos teriam de ser classificados era o equivalente a 80 por cento da distância percorrida pelo vencedor, dependendo da categoria. Por exemplo: os de 1100cc tinham de percorrer um mínimo de 920 quilómetros, enquanto os superiores a 6,5 litros tinham de andar 1600 quilómetros, pelo menos, a uma média de 66,67 km/hora.

A pista era a mesma do GP de França de 1921 e do qual ficou na memória dos entusiastas, apesar das alterações ao longo dos anos. Os pilotos partiam em reta até Pointelue, onde faziam uma viragem brusca à direita, acelerando até Tetre Rouge, em curva suave. Ali, seguiam em reta pelas Hunaudriéres, até chegarem a Mulsanne, onde viravam à direita. Depois, em reta, chegavam a um empedrado onde os populares chamavam de "Indianápolis" porque fazia lembrar o empedrado que o circuito americano tinha então. Nova viragem em Arnage para a direita, e aceleravam, ate terem de abrandar a um lugar chamado Maison Blanche (Casa Branca, em francês), acelerando até à meta. Em cem anos, a pista sofreu alterações, como as Curvas Porsche, que substituiu a Maison Blanche, por exemplo, mas no essencial, é esta a pista que os pilotos andam há mais de um século. E ainda em estradas nacionais, que são fechadas nas semanas anteriores à corrida e são abertas nos dias seguintes ao trânsito automóvel.      

(...)

No final, 37 carros foram aceites pela organização, dos quais acabaram por alinhar 33. Praticamente todos os carros eram franceses, com três exceções: um Bentley britânico e dois Excelsiors belgas, os maiores de todos com motores de 5,3 litros, com 103 cavalos, velocidade máxima de 145 km/hora e pneus Englebert. A inscrição britânica pertencia ao canadiano John Duff, que era o representante da marca em Londres e trouxe consigo Frank Clament, piloto de testes, com um jogo de pneus extra-longos, para este tipo de corrida... e mais um jogo de pneus extra, elaborados por Lionel Rapson. Foi o primeiro carro a ser inscrito para a corrida.


Há cem anos, numa cidade no centro de França, as forças vivas da cidade organizaram-se para uma prova original: percorrer a maior distância num dia, de forma ininterrupta. Carros estandardizados, como os existentes na estrada, com gasolina comum e pneus comuns, com o objetivo de testar a resistência de máquinas e pilotos. Chamado de "24 Horas de Le Mans", foi um sucesso total e com o passar dos anos, tornou-se numa referência para máquinas e pilotos, criando as suas lendas e heróis. E até um dos episódios mais infames d história do automobilismo. 

Sobre o que foi essa corrida, os seus antecedentes e as sementes que lançou para o futuro, falo este mês no Nobres do Grid.   

Sem comentários: