Numa corrida de Formula 3, com jovens pilotos que disputam tudo por tudo, sem saberem onde podem ceder, para não passarem por timoratos, uma carambola reclama uma vida. Um garoto de 18 anos, perseguindo o seu sonho do automobilismo. A noticia da morte do neerlandês Dilano van't Hoff, depois de uma carambola na pista de Spa-Francochamps, numa corrida de suporte das 24 Horas de Spa, abalou as ideias de segurança do automobilismo.
As circunstâncias do acidente mortal são assustadoramente semelhantes ao acidente de Antoine Hubert, na Formula 2, em 2019. Uma carambola entre a Radillon e a Kemmel, entre os pilotos Joshua Dufek, Emerson Fittipaldi Jr., Adam Fitzgerald, Enzo Scionti e van't Hoff, resultou no pior. Ele bateu na entrada da Kemmel e Fitzgerald bateu nele na temerosa batida em T. A pior de todas.
A corrida foi imediatamente cancelada e todas as corridas ao redor das 24 Horas foram anuladas. E os pilotos de Formula 1, assim que souberam do acidente mortal, no Red Bull Ring, não deixaram de dar os seus tributos ao jovem caído.
Contudo, de uma certa forma, temos de falar do elefante na sala. Aliás, dois elefantes.
Spa-Francochamps é uma pista desafiadora. Tem excelentes curvas e os fãs respeitam isso. Contudo, a rapidez de uma curva como a sequência Eau Rouge-Radillon é inevitavelmente perigosa, e anda-se a ver demasiadas carambolas nos últimos anos naquele local. E ainda por cima, assistimos ao segundo acidente mortal em menos de cinco anos. E nem falamos das diversas carambolas, em diversas categorias, desde a Endurance até à W Series. E quase todos foram assustadores.
Daí se pergunta: que fazer? Pedir aos pilotos que andem mais lentamente? Discipliná-los? Peçam isso a garotos de 16, 17 ou 18 anos, que desde os seus tempos de kart lhes dizem a frase do Ayrton Senna: "se cedes, se não procuras por aquela oportunidade, não és piloto". São seres ultracompetitivos, nunca levantarão o pé porque sim. Porque estão na idade onde os acidentes acontecem aos outros.
Resta o segundo elefante na sala: o circuito, dizendo melhor, a curva. Aquela é "a" curva, a que todos querem fazer a fundo, a tal que todos lhes disseram que separavam os campeões do resto. Mas, conhecendo eu a história dos pilotos que já passaram por ela, lembro-me de algo que aconteceu em 1999, com os carros da BAR, Jacques Villeneuve e Ricardo Zonta, quando decidiram fazer aquela curva a fundo. Ambos acabaram com os carros destruídos, vítimas de despiste. Felizmente, saíram ilesos, mas quando se têm uma atitude destas, a alternativa é mexer na curva.
E se calhar, tem de ser. Por muitos "paliativos" que tentem colocar naquela curva, parece que a única solução é redesenha-la. Mas, como sabem, os conservadores detestam isso. Não querem. Preferem até que os pilotos morram a tirar a "essência" do automobilismo, ou algo assim. Claro, já se mexeu no passado - recordemos o que foi feito em 1994, e a modificação foi criticada pelos espectadores e pilotos. Mas com todos estes acidentes e mortes, qual é a alternativa? Abrandar? Já vimos, eles não farão isso. E encolher os ombros e dizer "a vida continua", também não é solução.
Aliás, já esta tarde, Lance Stroll já disse que é hora de mexerem na curva:
“Não é justo o que aconteceu, e aquela curva tem de ser analisada e alterada, porque perdemos dois jovens talentos em cinco anos, tem de ser alterada. Vamos para lá dentro de algumas semanas, e é horrível o que aconteceu hoje. Perdemos um membro da família das corridas. Precisamos de pensar seriamente no que fazer com aquela curva, porque nunca é divertido passar por lá, sempre que lá passamos colocamos as nossas vidas em risco. Hoje vimos algo de mau acontecer. Não está certo.”
A minha sensação é que a solução está diante dos olhos, mas não querem olhar. Se calhar só acontecerá com algo mais mediático. Temo eu.
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