Poucas horas depois de Nigel Mansell colocar Ayrton Senna na gravilha do Autódromo do Estoril, outro brasileiro completava a sua história de redenção que tinha começado alguns anas antes. Na oval de Nazareth, Emerson Fittipaldi vencia aquela corrida e terminava com "chave de ouro" um ano incrivel para ele, que tinha ganho alguns meses antes, em Indianápolis, as 500 Milhas. Era o primeiro estrangeiro a fazê-lo desde 1966, e fazia com que os seus compatriotas começassem a olhar devidamente para os Estados Unidos e a então CART como outra competição, alternativa à Formula 1. Mas para Fittipaldi, então com 42 anos, tinha entrado na história do automobilismo brasileiro e americano, por outro motivo: era o primeiro estrangeiro a vencer esta competição.
Naquele 24 de Setembro de 1989, Fittipaldi completava o seu circulo que começara num ponto baixo - a falência da Copersucar-Fittipaldi, o sonho brasileiro de ter uma equipa de Formula 1. "Em 1982, quando paramos, estava muito desgastado. Foram anos muito difíceis. Parei para pensar um pouco. Foi um momento muito bom, pois deu para fazer uma triagem, analisar nos valores, pensar no que gostaria de fazer no futuro. Aproveitei para recarregar as baterias", disse Fittipaldi numa entrevista feita ao jornalista português Francisco Santos, em 1989.
Um dia cruzou-se com Mario Andretti, que estava na CART, após a sua experiência na Formula 1, que durou até 1982, que lhe respondeu a razão porque continuava a correr após aqueles anos todos. E era uma razão simples: "Estou me divertindo, faço o que gosto". Para Fittiapldi, essa resposta ficou-lhe na cabeça, e assim, voltou a correr em karts, para ver se o bicho da competição voltava. E voltou em força.
Um dia aceitou o convite de correr em Miami numa corrida da Taça IMSA, em 1984. Deu-se bem, embora tivesse abandonado a corrida devido a problemas mecânicos, e pouco depois, em Setembro desse ano, o telefone tocava. Pat Patrick queria-o para que substituisse um dos seus pilotos, um tal... Chip Ganassi. E alguns meses depois, era primeiro piloto, com a reforma de Gordon Johncock.
"Senti-me bem de volta às competições, e os americanos receberam-me muito bem. Vi que estava em forma. Pouco depois fui convidado para estar em Indianápolis, e aí as coisas estavam a acontecer. No principio, pensava fazer meia dúzia de corridas nos Estados Unidos e continuar a viver no Brasil. Mas a situação evoluiu, e decidi voltar à competição, mas desta vez apenas como piloto, já que havia aprendido uma dura lição do passado, de tentar fazer a minha própria equipa. Esse havia sido o maior erro da minha vida. Agora pretendia apenas ser competitivo de novo e desfrutar da vida", afirmara nessa entrevista de 1989.
Com o tempo, na Patrick, evoluira e aprendera a correr nas temidas ovais, onde quase se faz médias superiores a 300 km/hora, pelo menos nas mais rápidas, e onde a diferença entre o sucesso e o desastre são apenas milímetros. "As ovais exigem um nivel de concentração maior do que outro tipo de circuito. Um piloto tem de ser muito mais cuidadoso, pois é-lhe exigida uma muito maior 'finesse' de pilotagem, e uma maior atenção constante. Temos de ser delicadosaté na maneiracomo viramos o carro na entrada da curva a 400 km/hora. E estamos a falar de pistas como Michigan, a mais rápida de todos, onde a velocidade média é de 360 km/hora. Ao contrário do que se pensa, as ovais são muito mais emocionantes. Aqui não há margem para erro. É preciso grande prática na pilotagem no vácua, essencial para ultrapassar, mesmo os carros mais lentos."
E naquele ano de 1989, conquistava definitivamente a América. E o brasileiro comum, totalmente concentrado em Prost e Senna nas suas manhãs de Domingo, na Formula 1, redescobria Fittipaldi e dava o seu aval. Era a hora da redenção de Emerson, dada uns meses antes, em Indianápolis. Vencera não só essa corrida, mas também outras quatro, em Detroit, Portland, Meadowlands e Nazareth, bem como mais três pódios, conseguindo superar os americanos Rick Mears e Michael Andretti, filho de Mário. E aí, em conjunto com a sua sua então segunda mulher, Tereza, e a atitude dos amiericanos em relação a ele, estava novamente feliz, como nos tempos da Formula 1: "Eles [os americanos] adoram os vencedores. aliás, a atitude deles para com as pessoas de sucesso é bem diferente da nossa, dos latinos, muito mais preocupados com o êxito dos outros. Os americanos tem orgulho de falar das coisas materiais que o sucesso proporciona".
E com isso, aproveitava para alfinetar a Formula 1: "A Formula Indy é mais desporto, na essência da palavra. A Formula 1 perdeu muito disso. A Indy é uma grande familia, enquanto que a Formula 1 tem muita tensão, muita intriga, e poucos momentos para relaxarmos e convivemos. A essência da competição é o desporto, e isso existe na Indy. no fundo, é fruto da atitude americana. Tudo fica mais fácil para o atleta, o jornalista, para o público, não só pelo clima vivido como pela excelente organização, muito melhor do que a Formula 1. Todo o mundo se está divertindo muito mais". E concluia: "Realmente perfiro a CART actualmente, e não sairia dela para voltar à Formula 1.
Naquele ano de 1989, Emerson Fittipaldi reencontrava-se consigo mesmo e com o sucesso. Os seus compatriotas reencontravam-no e esqueciam-se dos anos amargos que passara, mais o seu irmão, no projecto Fittipaldi. Corria num campeonato que estava no seu auge, dez anos após a sua criação, e era o primeiro estrangeiro a ganhá-la, dando ainda maior prestigio a esta competição. Os anos seguintes iriam confirmar esse prestígio além fronteiras, que continua até aos dias de hoje, mesmo com as cisões que deram lugar à IRL, e que fizeram perder imenso do seu sucesso a favor da NASCAR.
Emerson Fittipaldi não mais voltaria a vencer o campeonato, mas ganhou de novo em Indianápolis, e correu até quase aos 50 anos, seguindo o exemplo de Mário Andretti, que correu até aos 54 anos. No seu tempo, somente ele e Raul Boesel é que corriam em paragens americanas. Hoje em dia, o Brasil tem a mais importante comunidade estrangeira a correr na Indy, superando até o Canadá. E tudo isso deve-se em muito a "Emmo".
2 comentários:
Emerson Fittipaldi , não vi estes momentos na formula 1 , muito menos na Indy mas posso apostar que se o visse correr seria com muito prazer.
Emmo Saudades!
Que belo relato,
Emerson abriu as portas da F-1 para os brasileiros, e também o fez nos Estados Unidos.
Parabéns!
Abs.
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