terça-feira, 4 de maio de 2010

Grand Prix (septimus)

(continuação do capitulo anterior)

Cedo pela manhã, Pete Aaron, amparado com uma bengala a apoiar a sua perna direita e acompanhado pela sua mulher, saiu de casa e entrou para o seu Ford Mustang Shelby 500 verde britânico, como o do "Bullit", rumo a Riverside. Era uma viagem curta, que não demoraria mais de 45 minutos, até chegar à pista para ir ter com o seu velho amigo Dan Gurney. Pete conhecia-o quase desde a infância, pois começaram juntos e quase ao mesmo tempo nas mesmas pistas californianas, e foram juntos para a Europa quase ao mesmo tempo, dez anos antes. Gurney para a Ferrari, Aaron para a Cooper.

Quando chegou ao carro, abriu a porta do condutor e ia entrar lá dentro quando a sua mulher falou:

- Estás em condições de guiar um carro destes?
- Acho que sim. A perna que me dói é a do acelerador.
- E também é a do travão, querido. Perfiro que seja eu a conduzir.


Pete ia discordar do assunto, mas parou antes de dizer tais palavras. Antes, afirmou:

- Tens razão, querida. Acho que ainda é cedo para guiar. Só tirei o gesso há duas semanas, mas sabes que não tarda sou eu a guiar, afirmou, entregando as chaves a ela.

A sua mulher sorriu e disse:

- Descansa, não és um velho aleijado. Não tarda nada ficarás bom. Vamos visitar o nosso amigo Dan?
- Vamos. Quero saber que assunto importante tem ele para dizer.


Ambos entraram para o carro e partiram. A viagem decorreu calmamente, por auto-estradas sem transito naquela hora, rumo ao circuito de Riverside, onde estavam os carros da Eagle, a equipa do seu amigo Dan Gurney. Aos 39 anos, ele tinha tido uma excelente carreira ao longo da década na Europa e nos Estados Unidos. Pilotou para a Ferrari, Porsche e Cooper, até que em 1966, a conselho de outro amigo seu, Carrol Shelby, decidiu construir a sua própria equipa, a Eagle. Pediu à preparadora Westlake para construir motores V12, à semelhança da Ferrari, BRM e Yomura, arranjou apoios na Goodyear e tentou a sua sorte coimo contstrutor de automóveis, quer na Formula 1, quer na USAC, correndo as 500 Milhas de Indianápolis.

A unica coisa que teve de lutar foi com o nome. Os patrocinadores queriam "All American Racers", mas Dan não gostou, por achar "demasiado publicitário". Acabou por suferir Eagle, pintou o seu carro de azul escuro com faixa branca, e convenceu os patrocinadores da sua ideia.

Venceu quatro corridas, e em duas delas escreveu história. No primeiro, deu à Porsche a sua unica vitória na Formula 1, e na segunda foi um dos dois pilotos que venceu com o seu próprio carro, sendo o outro o seu amigo neozelandês Bruce McLaren. E ambos conseguiram no mesmo local: Spa-Francochamps, na Belgica. Para além disso, tinha ganho as 24 Horas de Le Mans e corridas na NASCAR e na USAC.

Ao chegar ao circuito, Pete viu Dan a observar um dos seus carros, enquanto que este estava a ser reparado por dois mecânicos. Outros dois tinham ido lá dentro para buscar peças, e outros dois estavam a observar o andamento de um outro carro que rolava na pista. Ambos os carros eram da USAC, que testavam novas especificações para a temporada que aí vem. Dan e a Eagle tinham Riverside como sede para testar os seus carros, enquanto que na Grã-Bretanha, os carros de Formula 1 testavam em Silverstone, com a sua oficina não muito longe dali.

Dan olhou para o casal e sorriu abertamente. Foi ter com ele e trocaram um abraço terno, de dois velhos amigos. Ambos com sorrisos largos, olharam-se e conversaram:

- Velho amigo, como andas?
- Agora bastante melhor, obrigado.
- E essa perna?
- Cada vez melhor. Falta tirar a placa, mas o que interessa é que dentro de umas semanas me livro da bengala...
- É optimo saber isso. E também é optimo saber que não correrás mais, afirmou entre risos.
- Não digas isso, caso contrário volto com a palavra atrás e vou atrás de ti, disse Pete, soltando uma gargalhada.

Ele olhou à volta e disse:

- Riverside... belo lugar. Nunca pensei estar de volta aos circuitos. Cheguei a pensar em largar tudo isto para sempre.
- Não largas, Pete. Conheço-te muito bem, adoras a competição, como eu.
- É, mas olha o preço que paguei. O preço que pagamos a nós e aos nossos amigos, que vemos ir embora.
- Pete... sabemos os riscos e os aceitamos, afirmou, dando uma palmada nas costas. Anda, vamos para o meu escritório. Temos de conversar.
- Está bem, afirmou Pete.

Ambos sairam da pista e foram para uma pequena sala, dentro do complexo. Apoiado na sua bengala, Dan tinha de camihar a um passo mais curto para poder acompanhar o seu amigo. Entraram dentro de um sitio cheio de papeis, algumas peças, óleos, um ou outro troféu e pilhas de revistas e jornais. Nas paredes, algumas fotos e recortes de jornais serviam de decoração, enquanto que numa outra mesa, também cheia de papéis, estava uma máquina de escrever, certamente para escrever as cartas para mandar a fornecedores, patrocinadores, mecânicos, organizadores, entre outras coisas. Mas não havia secretária, o que se supunha que quem as escrevia era o próprio Dan. E provavelmente devia ser a mesma coisa na sede inglesa.

- Pete, vou ser directo ao assunto. Quero-te primeiro fazer uma pergunta.
- Qual é, Dan?
- Gostarias de voltar para a Europa?
- Gostava, ainda tenho casa por lá.
- Optimo, pois tenho uma proposta para ti. Queres ficar com a minha equipa?

Pete ficou mudo, como que a absorver a informação dada pelo seu amigo. Não queria acreditar bem no que via. Dan prosseguiu:

- Pete, vou-te ser sincero: começo a não ter a capacidade de manter duas equipas, aqui e na Europa. Os custos começam a ser grandes, e ainda mais, não tenho o dom de me desdobrar ou de perder tempo em aviões. E como também tenho intenções de abandonar aos poucos as corridas como piloto, achei por bem falar contigo, pois sei que de quando em quando pensas e falas em formar a tua própria equipa.

Pete pensou um pouco e respondeu:

- Quanto é que pedes por ela?
- Um bocado, mas não chega a 75 mil dólares. Quinze ou vinte mil pelos chassis, motores e peças, mais um bocado pelas instalações. Se conseguires arranjar dinheiro suficiente, esplêndido.
- 75 dólares é muito. Não sei onde irei arranjar esse dinheiro.
- Sempre podes arranjar um patrocinador.
- Patrocinador? Mas isso é permitido?
- É, desde que a FIA aboliu a proibição. E tens de mover rapidamente, a Jordan arranjou um de 60 mil libras de uma marca de tabaco.
- Ele conseguiu o quê?
- Claro... Pete, onde andaste por estes dias? Ainda não sabias disso? perguntou em sinal de espanto.

Dito isso, Dan virou-se para uma pilha de revistas e foi buscar uma inglesa, e folheou-a para mostrr a reportagem com a apresentação da Jordan para a temporada de 1969, com os carros pintados de negro com faixas douradas, com um logotipo estranho, um B&G desenhado no flanco, de forma estilizada. E nas páginas seguintes, esse carro em acção com as novas cores, na Tasman Series australiana, numa corrida na pista neozelandesa de Tereronga, ganha por Bob Turner.

Ainda olhou para outro pormenor: uma espécie de tábua sobre o motor, bem como duas asas a sairem de lado na parte da frente. Pete perguntou:


- Que coisa é essa? Pensava que isto não podia ser usado.
- Estou a ver que olhas para o novo "gadget" do Jordan Jr. Ele viu atentamente como funcionava a asa no Chaparral do nosso amigo Jim, e resolveu experimentá-lo no seu carro. E parece que o sucesso é tal que tanto que mesmo eu e o Bruce começamos a experimentar nos nossos carros. E a Ferrari provavelmente deve estar a usar nos seus, se o Commendatore Manetta deixar, claro. Mas acho que sim, o Carlo deve deixar.
- Carlo?
- Carlo Pignatelli, o director desportivo. A FIAT comprou a marca...
- Espera aí, a FIAT comprou o quê?
- Pete... estiveste na Quinta Dimensão ou quê? indagnou Dan.
- Desculpa, estive quase dois meses sem ler nada sobre automóveis. Estive demasiado ocupado com a minha recuperação.
- Estou a ver que me arrependi de te fazer a oferta...
- Não, não. Não te arrependeste, Dan. Dá-me tempo para falar com algumas pessoas.

- Não tens muito tempo. Kyalami é já em Março...
- Não estou a falar de correr em 69. Quero correr em 1970.
- O quê? Como? E como irei manter a fábrica até lá?
- Deixa isso comigo. Se arranjar o dinheiro, compro-te, mas se é para voltar à Formula 1, quero fazê-lo com um verdadeiro projecto. Entretanto, sempre podes alugar os carros a alguém.


Dan pensou por alguns instantes, e depois voltou a falar:

- Vamos fazer assim: vou te pedir 50 mil dólares pela fábrica, excluo os chassis e os motores. Esses vou vender a algum privado que queira. Se comprares a fábrica, vais ser tu a manter os carros.
- OK, deixa arranjar o dinheiro e teremos negócio.
- Pete, vejo que te apanhei desprevenido.
- Sim e não... a minha ideia era voar de novo para o Japão para convencer o Yomura a ficar com chassis e motores dele. Já tive esta conversa e ele disse não, aogra iria tentar de novo dentro de um mês. Agora isto... estou a partir do zero.
- Estou a ver, Pete. Motores Cosworth?
- Tenho outra escolha?
- Creio que não, Pete.
- Optimo. Eu também penso assim.
- E pilotos?
- Tenho ideias, mas isto é tudo inesperado...
- Então dou-te um nome: John O'Hara. Acho que tem tudo o que pretendes.
- Como assim?
- Tem dinheiro e talento. Ele falou-me ontem se podia vender um dos meus chassis. Disse que ficaria de dar uma resposta.
- Quando?
- Talvez amanhã. Ele está em Los Angeles.

- Fazer o quê?
- Por incrivel que pareça... querem que entre em Hollywood.

Pete ficou de novo em silêncio. Lá fora, um sol de meio dia incidia directamente sobre a pista de Riverside, enquanto que o Eagle da USAC tinha um mecânico à volta para verificar eventuais fugas e consequêntes reparações. Do outro lado da mesa, Dan esboçou um sorriso enquanto via o seu velho amigo Pete pensar com os seus botões. Sabia que tinha o apanhado de surpresa, mas confiava na capacidade do seu amigo em fazer as coisas como deve de ser. E sabia que iria salvar, pelo menos, as suas operações na Europa.

Quanto a Pete, a sua mente travalhava a uma velocidade semelhante às duas suas corridas, e sabia que tinha não só de tomar uma posição, como também de delinear um plano a prazo, pois queria entrar com um projecto sólido e vencedor. E sabia que tinha sido dado um primeiro passo.


(continua)

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