Que os tempos que vivemos são outros, disso não há dúvida. No ano passado, meio mundo ficou chocado quando se soube que o Papa Bento XVI decidiu abdicar do seu trono, quebrando uma tradição vaticanista de seiscentos anos em que as pessoas deverão ficar nos seus lugares "hasta la muerte". Hoje, pela hora do almoço, soubemos que o Rei de Espanha, Juan Carlos I, decidiu abdicar após quase 39 anos de reinado. O cansaço relativo à idade, as suas várias lesões e os escândalos associados à sua família, cujo melhor exemplo é o que afeta a Infanta Cristina e o seu marido, o ex-andebolista Iñaki Urdangarin, para não falar a famosa "caçada do elefante" no Botswana, levaram a que a percepção pública sobre a família real espanhola alcançasse recordes de (não) popularidade em 40 anos e que ele decidisse que, aos 76 anos de idade, era a melhor altura de se reformar e entregar o trono ao seu filho, que será coroado como Felipe VI de Borbon, algures no meio do verão.
Mas o que aconteceu em tempos mais recentes não deverá apagar o papel que teve no consolidar da democracia numa Espanha que temia o seu futuro após a morte de Francisco Franco, a 20 de novembro de 1975. Pensando todos que iria continuar com o trabalho do "Caudilho", surpreendeu toda a gente quando decidiu levar a Espanha para a democracia e ser o seu maior garante, especialmente depois do golpe de estado de 23 de fevereiro de 1981, quando Tejero Molina tentou sequestrar as Cortes num golpe patético, transmitido em direto (e a cores) pela TV.
Felipe VI de Borbon, agora com 46 anos, vai ter desafios tão grandes quanto o do seu pai. Não só por causa dos escândalos em que estão metidos a sua irma e o seu cunhado, as pressões para que a sua mulher faça um filho para que seja um rapaz e não uma rapariga para suceder no trono - acreditem, ainda há pessoas em Espanha que preferem isso! - como também os desafios provenientes de uma sociedade em mudança, num país com a mais alta taxa de desemprego na Europa e de movimentos separatistas, especialmente na Catalunha, onde o governo local quer organizar um referendo e do qual o governo do Partido Popular está manifestamente contra, porque está agarrada à ideia de que o que a descentralização é melhor do que a separação.
Mas num sitio de automobilismo como este, queria realçar o lado automobilista de Juan Carlos I. Quem for ver as imagens ao Arquivo Cahier ou do Rainer Schlegelmilch, a partir do inicio dos anos 70, podem vê-lo nos pódios, a entregar os troféus a pilotos como Emerson Fittipaldi, Jackie Stewart, James Hunt, Gilles Villeneuve, Michael Schumacher, Mika Hakkinen e especialmente Fernando Alonso. É que Juan Carlos de Borbon - que já agora foi criado no Estoril - adorava tudo que era velocidade, fossem carros ou motos.
Recentemente, conta-se que foi ele que obrigou dois motociclistas desavindos - Jorge Lorenzo e Dani Pedrosa - a cumprimentarem-se no pódio à frente de toda a gente. Mas há historias mais antigas deste "rei automobilista". Desde os anos 80 que se falava que Juan Carlos costumava dar passeios à noite numa moto de alta cilindrada pelas ruas de Madrid, decerto para se descomprimir dos compromissos de ser o rei. Outra história muito boa, contada pelo jornalista da Eurosport João Carlos Costa, foi algures em 1999, quando andou no McLaren bilugar guiado por Martin Brundle na pista de Montemeló. Ele e mais uma duzia de "vips" andaram a bordo desse carro como passageiros, e cada um tinha um botão onde tinham de carregar, caso quisessem que ele andasse mais devagar. Ora, ele foi o unico que não carregou. E a razão, segundo ele fala, foi porque... deixou cair o botão. Sem querer ou de propósito?
Enfim, poderemos dizer que é uma personalidade com as suas paixões. Não acredito que as venha a gozar nestes seus anos de reforma que aí vêm, devido ao seu delicado estado de saúde. Mas sendo um dos "nossos", saudemo-lo pela sua decisão. E não deixe de aparecer nos circuitos, onde decerto será sempre bem-vindo.
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