segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Formula 1 ganhou medo à chuva

Nos anos 80, quando comecei a ver Grandes Prémios de Formula 1, havia invariavelmente corridas debaixo de chuva. Essas provas aconteciam na mesma, sem Safety Cars e com as bandeiras amarelas a assinalar os perigos, caso existissem. Os pilotos iam para a pista, um pouco à sorte, esperando ter habilidade para andar naquelas condições, caso a chuva parasse e a pista começasse a secar. Por vezes, quando as condições agravavam-se, o diretor de prova lá mostrava a bandeira vermelha e parava a corrida, por vezes definitivamente. Até aqui, tudo bem.

Em contraste, nos Estados Unidos, as corridas param sempre que há um pongo de chuva a molhar a pista. Até têm carros com aspiradores desenhados especificamente para acelerar a seca do asfalto, para que a corrida possa acontecer. Não há - dizendo melhor, não querem ter - pneus de chuva, e só voltam a correr quando a pista estiver 98 por cento seca. Isso pode ser válido para as ovais, mas isso chega a esse pontos em circuitos de rua ou convencionais.

As corridas debaixo de chuva são as ideais para vermos a habilidade de certos pilotos. Ayrton Senna, Stefan Bellof, Michael Schumacher, Rubens Barrichello foram pilotos que mostraram toda a sua habilidade no molhado. A primeira vitória de Sebastian Vettel entrou na história por ser no molhado, num Toro Rosso e à chuva. A melhor vitória de sempre de Michael Schumacher foi à chuva, em Barcelona. E nem falamos dos feitos de Senna com o asfalto molhado, começando com o GP do Mónaco de 1984, passando pelo GP de Portugal de 1985 e assim por adiante. E duas das três vitórias de um piloto modesto como o belga Thierry Boutsen foram à chuva.

Em suma, aceitamos as corridas à chuva, desde que haja uma certa segurança. Até gozamos com os americanos quando eles adiam corridas por causa dela. 

Contudo, nos últimos tempos, temos assistido a algo invulgar. Vimos isto no Mónaco e assistimos de novo ontem em Silverstone: as corridas com pista molhada começam agora atrás do Safety Car. Poderia entender isso num circuito como o de Fuji, que em outubro está sempre a chover, mas quer num, quer noutro, a chuva tinha parado e o asfalto estava a secar. Bastava meia dúzia de voltas com os pneus molhados, os pilotos serem mais cuidadosos e não aconteceriam muitas coisas. Mas colocaram o carro guiado por Bernd Mylander na frente do pelotão, a velocidades perigosamente baixas para carros de Formula 1 e estão a dar um péssimo espectáculo para os puristas.

Em suma: a Formula 1 ganhou medo da chuva.

Mas então, porque chegamos a esse ponto? Eu creio que deve ter a ver com os eventos de Suzuka, a 5 de outubro de 2014, há pouco mais de ano e meio. A Formula 1 passou por uma tempestade - pior, estava na trajetória de um tufão! - e apesar dos apelos constantes a um adiamento, a corrida prosseguiu debaixo de imansa chuva. As coisas acabaram na volta 41 com o acidente mortal de Jules Bianchi.

E desde então, passou do "oitenta para o oito". Dizendo melhor, um "quase oito", pois ainda não decidiu adiar corridas para outro dia só porque a pista está molhada. Mas está a usar e abusar do Safety Car, enquanto não tem uma pista mais para o seco. Esse medo, por causa dos eventos de Suzuka, ainda domina as mentes das altas esferas, que colocaram a sua obsessão pela segurança na ordem do dia. É por isso que temos agora os testes com o "halo" (ou a havaiana, como já chamam) em detrimento do "aeroscreen", por exemplo. 

Mas essa obsessão com a segurança não deveria ser feita em detrimento do espectáculo, daquilo que fez a Formula 1 ser aquilo que é. Muitas das suas grandes páginas foram feitas debaixo de chuva, os adeptos tem uma expectativa diferente quando o termpo se degrada e os céus se desabam. Os fabricantes de pneus fazem compósitos especificos para esse tipo de tempo. Se nós sabemos disso tudo, então porquê essa atitude? Para ter uma coisa destas, então estão a dizer, por outros meios, que foram os culpados da morte de Jules Bianchi, que não estão a fazer o seu "business as usual". 

Eu não desejo que as coisas fiquem como estão, como se fosse uma lei eterna do qual não se pode mudar, sob qualquer circunstância. Mas creio que riscar - ou diminuir bastante - o fator tempo é danificar a reputação da Formula 1, e fazer com que os adeptos se afastem cada vez mais dela.

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