quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

E um campeonato paralelo?

Quando se soube, nesta segunda-feira, que Bernie Ecclestone ia embora da Formula 1, "chutado para cima" pela Liberty Media e substituído pelo tal triunvirato constituído por Chase Carey, Sean Bratches e Ross Brawn, houve quem dissesse que o velho anão não tinha dito a sua palavra final, apesar de ter já 86 anos de idade. Ontem à noite, lia o Twitter do Peter Windsor, que contava uma conversa entre duas pessoas, e quando uma delas lhe perguntou sobre o que Bernie iria fazer a seguir, ele falou que iria tentar criar uma série paralela, que acrescentou: "isto não é uma brincadeira".

A ideia de uma série paralela, criada por "vingança" da parte de alguém que geriu a Formula 1 por mais de 40 anos parece ser fora do vulgar, mas enquanto ele estiver vivo, será sempre uma chance, qual fantasma a pairar. Andrew Benson, jornalista da BBC, publicou hoje no seu Twitter que uma fonte de sua confiança fala que ele deseja lançar uma série paralela em 2019, o mais tardar.

Contudo, as chances de ele fazer tal coisa são escassas... para dizer o mínimo. Outro jornalista britânico, Joe Saward, escreveu hoje no seu blog que tais chances são escassas e bem complicadas, muito por culpa... de ele próprio.

Primeiro que tudo, o nome. Ao longo destes anos todos, evitou sempre a ideia de alguém pegar nesse nome para proveito próprio, e tentou sempre impedir que outros usassem siglas parecidas, como "GP1", que depois usou para seu proveito. Daí existirem a GP2 e a GP3, que correm nos fins de semana dos Grandes Prémios. Contudo, é sabido que, com os novos donos, essas séries poderão ser fundidas com a Formula 2 e a Formula 3, ambas séries pertencentes à FIA, pois os novos donos querem colaborar, e não combater a entidade máxima do automobilismo, algo do qual Bernie nunca foi fã, como é sabido de todos.

O segundo obstáculo será o dos organizadores. É mais do que sabida a politica de Ecclestone em relação aos promotores dos circuitos, que se assemelha-se aos dos vampiros: uma determinada verba, que elevaria sempre a cada ano, chegando ao ponto de eles pagarem mais de 25 por cento do valor inicial. Essa progressão chegaria sempre a um limite do qual os organizadores prefeririam pagar a multa do que arcar com os prejuízos. 

E ainda por cima, as fontes de receita seriam sempre escassas, pois as publicidades, as transmissões televisivas e outras seriam sempre da FOM, deixando a organização com pouco mais do que as receitas de bilheteira. Era por isso que os fins de semana de corridas já começavam a ser proibitivas, e na Europa, os organizadores pura e simplesmente abdicavam de receber os Grandes Prémios, deixando vagas abertas para os asiáticos. Só que, como é sabido, a Ásia está prestes a abandonar a Formula 1 "en masse", já que a Malásia disse que a partir de 2018 não receberá mais a Formula 1, e Singapura vai pelo mesmo caminho. Alguém tem de ficar com a vaga, e o Golfo Pérsico não vai ser a "panaceia de todos os males".

Ora, o triunvirato já disse que as corridas que estão "aflitas", como a Grã-Bretanha e a Alemanha, estão a salvo com a nova administração. E o próprio Ross Brawn já admite que os organizadores recebam um bom desconto nos pagamentos que estão a fazer neste momento à FOM, caso assim o desejem. E tenho a certeza que muitos o irão desejar...

Com estas benesses, acham que alguém iria correr para os braços de Bernie Ecclestone e as suas exigências? Das duas uma, ou teria de deitar tudo isso fora, ou os promotores deverão ter um tremendo desejo de se suicidarem...

Terceiro grande obstáculo: os contratos. A ideia de fazer tal coisa agora poderia servir para "sabotar" as negociações para a próxima renovação do Pacto (ou Acordo) de Concórdia. Atrair equipas insatisfeitas para o outro lado, prometendo "mundos e fundos" caso venham, já que os novos donos disseram que alguns dos privilégios existentes serão retirados, como por exemplo os cem milhões de euros que são entregues à Ferrari ainda antes de fabricarem o primeiro parafuso do carro de cada temporada. Rasgar contratos a meio implica enormes prejuízos dos quais eles teriam de pagar. Bernie tapou bem as saídas nesse campo, e vê-lo destapar isso tudo seria um paradoxo, mas nesse campo, a Liberty Media deseja manter essas clausulas, pelo menos a curto prazo, e retirar as clausulas abusivas para equilibrar as coisas entre si. Veremos se as equipas aceitarão isso de bom grado, mas eles sabem que se manter essas clausulas penalizadoras, a sangria será controlada.

Quatro obstáculo seria a ideia de comprar uma competição e fazê-lo à sua medida. Difícil por duas razões: algumas competições pertencem à Liberty Media (a Formula E, por exemplo) e por outro lado, a FIA não deixaria que tal coisa acontecesse. Todas essas competições são sancionadas pela entidade máxima do automobilismo, e uma entidade paralela não seria bem vista por Jean Todt. Quem queria ir para uma competição não-sancionada pela FIA porque o seu dirigente não vai com a cara (ou os regulamentos) de outro? Teria mais prejuízos do que lucros.

E ha um quinto maior obstáculo: a idade do promotor. Bernie vai a caminho da 87ª volta ao Sol. Viveu bastante mais do que a média atual de idade quando nasceu, e mesmo agora, está para além da esperança média de vida. Como dizia o Joe, a pessoa mais velha de sempre viveu até aos 122 anos, e dizia que o seu segredo para a longevidade era... um cigarro e um copo de Porto após o jantar. Winston Chrurchill costumava dizer que "o segredo para a minha longevidade era o desporto. Nunca o pratiquei!", e é certo que o líder britânico, duas vezes primeiro ministro no mais difícil dos cenários do século XX, fumava o seu charuto e bebia o seu whisky e viveu até aos 90 anos. Bernie não fuma e não bebe, mas não há garantias de que comemorará o seu centenário... e faltam 14 anos para tal.

Ora, se não damos muito futuro para o anão, quem agarrará o bastão quando o Destino se encarregar de Bernie e o chamará para aquela proposta irrecusável de gerir aquele lugar bem quente? E se existir, fará as coisas da mesma maneira do que ele? Mal ou bem, Bernie Ecclestone é único, e desaparecerá quando morrer.

Em suma, a história de um campeonato paralelo é uma espécie de lebre do qual os "papagaios" adoram lançar para dificultar a vida dos novos donos. E para piorar as coisas, nem todos os problemas que ele teve com a justiça estão resolvidos. Provavelmente neste verão, ele voltará aos tribunais por causa da venda da Formula 1 à CVC Capital Partners, há cerca de dez anos. A mesma história que levou Gerhard Gribowsky à prisão e do qual Bernie fugiu, pagando cem milhões de euros à justiça alemã, vai novamente ser discutida na justiça britânica. E os britânicos não tem muito dessas saídas à la sair da prisão sem pagar multa, como costumamos jogar no Monopólio. E para além disso, há a questão sempre mal explicada da sua relação com o serviço de impostos de Sua Majestade...

Em suma - caso tenham lido isto tudo - a ideia de uma série paralela é altamente improvável. Mas também achava que os americanos não iriam eleger Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e deu no que deu. 

Sem comentários: