sábado, 16 de dezembro de 2017

A imagem do dia

Há precisamente 35 anos, Colin Chapman estava encurralado. Não porque tinha tido uma temporada modesta, apesar de ter ganho uma corrida na Austria, com uma decisão quase de "photo-finish", onde Elio de Angelis foi o vencedor, contra o Williams de Keke Rosberg; ou então que a partir da temporada de 1983 iria ter motores Renault V6 Turbo. Ou mesmo que naquela manhã tinha começado a tentar uma ideia nova em relação ao piloto não sofrer com os altos na estrada, algo que o iria levar à suspensão ativa. Não, não era a equipa que o tinha encurralado, ou que estava nas suas maiores preocupações.

Era outra coisa. Maior e mais grave.

No final de 1978, Chapman deveria estar a gozar os frutos de mais um título mundial com uma máquina que somente aquela mente teria concebido. Um carro como o Lotus 79, atrtavés do americano Mário Andretti e do sueco Ronnie Peterson tinha-lha dado ambos os títulos de pilotos e Construtores. Mas a morte do sueco, em Monza, e os problemas que tinha na sua fábrica fizeram com que tomasse as decisões que viria a sofrer dali a quatro anos. De uma certa maneira, semeou os ventos das tempestades que iriam aparecer mais adiante.

Chapman necessitava de dinheiro, e algumas pessoas apareceram com a palavra mágica: desbloquear todos os seus problemas. Os seus carros não eram vendidos nos Estados Unidos por causa de apertados regulamentos em relação a emissões poluentes e de ruído, e tinha de fazer algo em relação a isso. Precisava de dinheiro, senão falia. Quase ao mesmo tempo surgiram duas personagens: David Thiemme e John DeLorean. O primeiro tinha especulado no petróleo e ganhou uma imensa fortuna, o segundo queria construir o seu superdesportivo, à revelia da Big Three americana: Ford, Chrysler e General Motors. Ambos prometiam-lhe mundos e fundos, e Chapman ficou encantado com isso. Quase hipnotizado.

Nos quatro anos seguintes: David Thiemme e a sua Essex eram presença assídua nas boxes. Thiemme tinha dinheiro e queria exibir-se, e a Formula 1 era o sitio ideal. Só o lançamento do modelo 81, em 1980, no Royal Albert Hall, custou um milhão de libras, um terço do orçamento de uma Fittipaldi, por exemplo. Contudo, a meio de 1981, ele é preso pelas autoridades suíças, que, não encontrando evidências de fraude e "inside trading", deixam-no solto. Contudo, a sua reputação sai danificada e a Essex acaba por desaparecer em meados de 1981.

Por esta altura, Chapman colabora no projeto DMC-12 da DeLorean. Havia uma fábrica na Irlanda do Norte e o governo de Margaret Thatcher estava a injetar dinheiro para uma região afetada pela pobreza e violência sectária. Enquanto que os operários trabalhavam para montar os seus carros, no The Maze, a prisão mais sinistra da Grã-Bretanha, ativistas do IRA decidiram efetuar uma greve de fome até à morte. 

Só que Chapman tinha outro defeito: não queria pagar ao estado os seus impostos. Houve uma altura em que os impostos aos ricos eram opressivamente altos, chegando a quase 90 por cento. E ele, em conjunto com seu contabilista, Fred Bushell, tinha arranjado uma conta no paraíso fiscal do Panamá (como vêem, isso não é um problema recente...) onde por exemplo, os salários dos pilotos eram pagos. E eram desde os tempos de Graham Hill e Jim Clark, por exemplo. E os dinheiros que DeLorean pagava a Chapman para redesenhar o DMC-12 (que ficou parecido com um Esprit) iam para essa conta no Panamá. 

Só que boa parte desse dinheiro vinha dos cofres de Sua Majestade. E quando em outubro de 1982, a DeLorean entrava em falência, depois do FBI ter prendido o seu presidente quando estava numa operação de tráfico de cocaína, filmada e organizada... pelo FBI. Os ingleses tinham investido 40 milhões de libras e viram de 10 milhões tinham ido para a Lotus, no qual prederam o seu rastro. E eles, nessa altura, estavam com um atraso na apresentação das contas. Chapman sentia o longo braço da lei a tocá-lo, a ele e a Bushell, e já tinha sido chamado a depor. 

No final desse dia 16 de dezembro de 1982, Chapman sentia que estava encurralado. Adormeceu e não mais acordou. Um ataque cardíaco fatal, por volta das 4 da manhã, acabou com a sua existência, aos 54 anos de idade. A teia no qual ele estava enredado foi forte demais para o seu coração.

A Lotus Cars ainda existe, agora controlada por chineses. A Team Lotus, que tinha as operações da Formula 1, acabou em 1994, apesar de uma reavivação no inicio desta década. Fred Bushell acabou por ser julgado, quase dez anos depois, e foi condenado a três anos de prisão. Na sentença, o juíz disse que se Chapman estivesse ali sentado no banco dos réus, teria levado "pelo menos dez anos de prisão".

Contudo, apesar de tudo isto, Chapman é uma personagem do qual Hollywood lhe deve um filme. Eventualmente, espero que um dia tal coisa aconteça.

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