domingo, 18 de março de 2018

A entrevista de Tiago Monteiro à Playboy portuguesa

A Playboy portuguesa deste mês tem coisas bem interessantes nas suas páginas (e não, não é isso que vocês pensam, seus pervertidos). Quero dizer que está uma entrevista bem interessante a Tiago Monteiro, onde ele fala sobre a sua carreira, e especialmente, sobre o seu acidente há quase seis meses em que andou todo "vesgo" e que colocou a sua carreira em risco.

Há coisas interessantes sobre esta "entrevista de vida", e começa logo com a sua passagem pela Formula 1. Desde ser operado por Colin Kolles (sim, ele é dentista de formação!) até ao infame GP dos Estados Unidos de 2005, onde ele conquistou o terceiro lugar, numa corrida com... seis carros.

P - Ser operado antes de uma corrida por um diretor que também era dentista foi a coisa mais esquisita que e aconteceu na Formula 1?

R - Muito provavelmente foi o mais caricato que tive na carreira, quase de certeza. Para já, teres um abcesso e uma inflamação no fim de semana não é fácil, nunca é agradável mas depois tens a coincidência de ter um dentista como patrão. É uma pessoa que não é muito agradável, é brilhante, mas não é muito simpático e tinha um aspecto assim muito agressivo e tal, por isso era a última pessoa que escolherias como dentista e a relação que tinha com ele era muito profissional, não própriamente de amizade. Não estava para aí virado, mesmo cheio de dores, e imaginar que iria ser tratado pelo Colin Kolles, estava mesmo muito preocupado. Mas olha que ele foi uma grande surpresa, o homem tinha umas mãos de fada e foi incrível, muito bom mesmo. 

(...)


P - E a corrida em que chegaste ao pódio foi a mais estranha da tua vida? [GP dos Estados Unidos de 2005, em Indianápolis]

R - Foi também algo muito caricato, inédito até hoje, toda a gente se lembra dessa corrida, aquele boicote dos concorrentes com os pneus Michelin e óbviamente foi a grande oportunidade, estavamos no sitio certo, na altura certa, mas nesses seis era preciso estar o mais à frente possivel e a luta lá atrás era feroz mesmo.

P - Então sentiste a pressão.

R - Ah sim, talvez a maior da minha carreira. Porque eu estava consciente que era uma oportunidade única. Era um fim de semana onde podia haver oportunidade de pontos, mas nunca imaginaria que seria assim, que houvesse tanta adesão ao boicote e iríamos ser só seis carros. A partir do momento em que víamos que éramos seis foi ainda pior. Um dos meus concorrentes na altura era o meu companheiro de equipa [o indiano Narain Karthikeyan], a luta era muito renhida entre nós e qualquer um poderia ter acabado em terceiro.

Felizmente naquele fim de semana estava muito forte, confiante. A equipa a meio da corrida, quando já estava com um bom avanço, deu-me indicações que estava com uns problemazitos da temperatura de caixa, etc, e que tinha de abrandar um bocadinho o ritmo que eu não queria. Não queria perder a minha concentração, manter aquele meu ritmo, estava confortável assim e não queria estar sob pressão no final da corrida. Por isso continuei a atacar ao máximo ate aos três quartos da corrida. 

Se perguntares quem fez quarto, quinto e sexto, quase já ninguém se lembra, por isso foi mesmo importantíssimo estar ali em terceiro. Se aquilo foi bom ou mau, não tenhas dúvidas que aquilo não foi fantástico para a Formula 1, mas fez parte daqueles pontos na história que eles se lembram, a bem ou a mal, tanto faz, mas o importante é que estava lá e agarrei aquela oportunidade.

A partir daqui, a entrevista fala sobre a passagem anterior pela então ChampCar, onde em 2003 foi piloto da Fittipaldi-Dingman, que surgiu depois de ele ter feito um teste com o Renault de Formula 1, no final de 2002, onde estava, entre outros, Sebastien Bourdais. E que o facto do teste e a final do programa de jovens piloto da marca do losango o fez migrar para a América e assentar boa parte do ano em Miami.

Também fala do seu filho, que já corre em karts, e depois fala do acidente que teve em setembro e que colocou a sua carreira em perigo.

P - Mas algum dos teus acidentes te fez pensar se deverias parar?

R - Sabes que, em 20 anos, o acidente que tive agora em setembro foi o primeiro onde realmente me magoei, passei perto de uma catástrofe muito maior. Estar aqui hoje a falar contigo já foi um milagre, segundo os médicos todos, e estar a andar, a mexer-me, é outro milagre, porque se não tivesse ficado lá o mais provável é ter ficado tetraplégico. Portanto, o facto de estar agora a treinar como estou a treinar, a andar como estou a andar, a falar...

Estive uma semana sem falar, estive um mês sem andar, estive bloqueado à direita, estive sem ver praticamente, durante alguns meses, ou seja, tive muita sorte na forma como as coisas estão agora a resolver-se. No entanto, se me perguntares se me fez pensar, óbviamente que num mês e meio acamado num hospital tive tempo para pensar em tudo e mais alguma coisa. Se me pensar em parar, acho que nunca, e não sei se isso é grave ou não, é um lado inconsciente que podemos ter. Acho que nem nos dias seguintes, quando comecei a recuperar os sentidos, nunca pensei em parar, antes pelo contrário, só queria recuperar o mais rápido possível, mas também acho que me deu a força para lutar, porque a recuperação foi muito dolorosa, fisicamente e psicologicamente também. Acho que se não tivesse esse objetivo de querer voltar, teria deixado andar as coisas, se calhar ficava deitado a ler um livro que é muito mais fácil. Ao inicio os médicos estavam bastante preocupados e alguns não sabiam se eu voltaria a andar.

P - Quando ficaste consciente já sabias que não ias ficar tetraplégico?

R - Eu só estive inconsciente oito horas. Quando acordei nas primeiras horas, estava completamente sedado, os primeiros dias não percebia nada do que é que se estava a passar, não tinha noção da realidade da situação, achava que a questão da visão foi só do impacto, que numa questão de dias iria passar, achava que não me mexer também era uma questão de dias, por isso não, não tens consciência. A pancada é tão forte, foste tão abalado e as drogas que te dão por causa das dores, estás completamente noutro planeta. 

Mas pouco a pouco, nas semanas seguintes, vais começando a perceber a gravidade das coisas mas também ao mesmo tempo sim, percebes que foi muito mais grave mas há uma boa hipótese de recuperar e foi isso que, apesar de algum negativismo em médicos que estavam mais pessimistas, felizmente havia alguns também optimistas e que me deram essa força. E tinha uma equipa fantástica à minha volta. O objetivo era voltar o mais rapidamente possivel, alguns médicos diziam-me no mínimo dois anos de recuperação até voltar a estar mais ou menos normal. Isso para mim, fora de questão. Aliás, durante o primeiro mês e meio, dois meses, era das oito da manhã até às oito ou nove da noite, fisioterapias todas, homeopatias, optometria, oftamologia, todos os tratamentos possiveis e imaginários, eu estava a fazê-los.

Agora passaram cinco meses e meio, ainda ontem estive com estive com um médico que me viu logo no início, um dos que dizia que isto. no mínimo, um ano e meio, dois e estava muito surpreendido, óbviamente, com a recuperação. Feliz, mas surpreendido. E isso eu acho que faz dar esta força, senão sabes, em vez de fazer oito horas por dia, se calhar já só fazes duas horas de tratamento e tal, o tempo vai passando e depois tenho 40 anos, se tivesse 20 era uma coisa, com 40 é outra.

P - como foi estar a liderar o Mundial e vê-lo escapar sem poder fazer nada?

R - Essa foi a parte mais difícil, uma coisa é estares em pista e as coisas não correrem bem, mas estás a lutar. Outra coisa é estares em tua casa, ou nos tratamentos, seja o que for e ver na televisão os outros a roubarem-te os louros. Foi um exercício psicológico duro, mas interessante ao mesmo tempo, porque descobri muitas coisas sobre mim próprio, obrigou-me a uma luta interna óptima, uma força muito grande para aceitar isso e passar à frente. Ainda fiquei uma corrida à frente do campeonato, apesar de não estar lá, e na segunda perdi a liderança, mas por meio ponto. E faltavam duas para acabar, ou seja, se voltasse à terceira corrida ainda dava. Não foi possível e foi uma fase difícil de aceitar mas só deu mais vontade que nunca.

Não digo que isto foi bom, isto não foi bom para nada, mas por um lado estou consciente de que vou saír disto muito mais forte. Foi uma bofetada muito forte, estão a roubar-te o campeonato, claro que ninguém me garante que eu tivesse ganho mas toda a gente sabe que era o maior candidato à vitória e roubar-me dessa forma é muito frustrante. Não digo que tenha perdido a paixão, antes pelo contrário, mas deu-me uma nova vontade, um novo alento de ir buscar o que é meu e de voltar à competição. Quando fazes isto há 20 anos, nem todos os dias é fantástico, é como tudo, há dias em que estás cansado, dias em que não te apetece tanto, e quando vais três/quatro dias para Barcelona ou para Valência no inverno, está um gelo e tu lá o dia todo no carro, com dores de cabeça, dores no corpo, não é fácil. Mas mesmo dessa parte agora estou com vontade, voltou a dar.me uma motivação interna incrível. 

A parte final da entrevista têm a ver com o novo WTCR, que basicamente é uma união entre o WTCC e o TCR, e um pouco sobre a atual Formula 1, e as hipóteses de ver pilotos portugueses a subirem a escada para o topo do autonmobilismo.

P - E agora, o que vai mudar no WTCC, para além do nome?

R - A grande diferença é o regulamento do carro, que é muito mais simples, ou seja, também muito mais limitado, não deixa tanta abertura de desenvolver o carro, para limitar os custos. Não podes partir de uma folha branca e fazer o que queres, tens de partir de um carro que já existe e desenvolvê-lo dentro dos parâmetros que são controlados, por isso todas as marcas têm muito interesse porque esse tipo de carros é mais fácil, não precisam de 50 engenheiros e designers para fazer um carro, partem de uma base que já existe. Obviamente alteram tudo e mais alguma coisa, mas dentro de certos parâmetros e tens um equilíbrio entre marcas muito maior. Dá um interesse para a marca, porque não só estão a vender carros e peças também, ao mesmo tempo fazem publicidade, são os carros deles que estão a andar. Continua a ser a Eurosport a promover o evento e a ter o carimbo da FIA, que também é muito importante.

P - E as três corridas no fim de semana, vão fazer muita diferença?

R - Não faço ideia, acho que a intenção é dar mais importância e interesse ao sábado, até agora eram treinos e qualificação, e agora ao final da tarde era mais atividades comerciais e coisas assim e quiseram por uma corrida também ao sábado. Francamente, não sou muito a favor porque já temos uma agenda muito preenchida, agora se vai trazer mais espectáculo, talvez.

P - Os testes para a nova época, não vais ser tu a fazê-los.

R - Não, por enquanto não estou, mas também mais uma vez os testes tem uma limitação, nos últimos anos no final de fevereiro, já tinha feito para aí uns 15 dias de teste. Desta vez foram feitos dois ou três dias de testes, lá está, para limitar um pouco os custos. Por isso não estou a perder assim tanto e vou, em princípio, começar a testar em março. 

P - Como vês a atual F1?

R - Altos e baixos. Não a vejo em grande forma para certas coisas, mas é claro que a F1 é sempre a F1, mas com esta nova compra dos americanos [Liberty Media] eles estão a procurar ainda, qual será o melhor formato, estão a tentar moldar a F1 às novas tecnologias, hoje em dia a forma de veres corridas, de veres televisão, mudou completamente. Já não é aquela situação de domingo à tarde que tens três canais na televisão, toda a gente via F1 porque era quase o que havia, hoje tens muito mais escolha, tens muito mais desportos interessantes. A F1 está a combater uma dificuldade de angariação de novos fãs muito grande porque querem coisas mais radicais, mais espectaculares e têm acesso a essas coisas. A nível desportivo, acho que não está mal, é verdade que houve um domínio nos últimos anos da Mercedes, mas com algumas lutas interessantes por parte da Red Bull, da Ferrari também. Tenho seguido obviamente de muito perto e acho que há muitas coisas interessantes mas têm de ser mais valorizadas.

(...)

P - E agora, é ir buscar o campeonato?

R - Tem de ser. Não tenho ainda garantias de estar a 100 por cento em abril, mas se me derem o OK para correr e começar o campeonato desde o inicio, o meu objetivo vai ser lutar pelo campeonato, não há dúvida. Apesar de ser um campeonato novo, os circuitos alguns são novos, carros novos, produtos novos, muita coisa nova, no entanto, sei que posso lá estar e lutar pelo campeonato e é isso que quero. Claro que não sei como é que vai estar o carro, isso também vai obviamente ter interferência nestas ambições, mas tenho experiência e capacidade para isso, vamos ver.

P - Quem é que dá esse OK? É mesmo a FIA?

R - Primeiro, vão ser os meus médicos cá em Portugal e depois tenho de fazer uma série de exames com a FIA. eles querem assegurar-se que não será um perigo para mim nem para os outros, e que não seja ainda prematuro a nível fisico, porque não é o facto de apto, é o facto de voltarmos a ter um acidente, muitas vezes os regressos são adiados por causa disso. Estás de perfeita saúde para pilotar ao mais alto nível, no então estão aí algumas lesões que podem estar um bocado fragilizadas e que, se voltas a ter um acidente grave, aí pode ser uma catástrofe e eles não querem arriscar isso.

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