domingo, 9 de fevereiro de 2025

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Este é um carro histórico. Até 2023, foi o último Ferrari a triunfar em Le Mans, e ao volante estiveram gente como Jochen Rindt e Masten Gregory. E aparentemente, um piloto fantasma...  

Mas agora, este Ferrari 250 LM foi a leilão e alcançou um número histórico: 34,8 milhões de euros. A venda deste bólido aconteceu em Paris pela RM Sotheby's e era um dos mais cobiçados pelos colecionadores, especialmente por causa do seu legado significativo na história do automobilismo. O valor alcançado é o mais caro de sempre de um Ferrari - excluindo os GTO - e o mais caro de um vencedor das 24 horas de Le Mans. 

E já agora, para quem não sabe, este carro pertencia ao Indianápolis Speedway Museum (adquirido em 1970 e mais tarde restaurado), ou seja, estava ao lado do Mercedes W196 Streamliner de 1954, e que foi vendido no mesmo por mais de 51 milhões de euros. Ou seja, só com estes dois carros, Roger Penske conseguiu cerca de 86 milhões...

Contudo, uma das razões pelo qual este carro foi vendido a um valor astronómico não foi só por ser um carro vencedor, ou a história que está por trás. Há muito mais. 

Em 1965, estamos em plena guerra Ferrari-Ford. O investimento da Ford nos seus GT40 tinha sido bem forte, e toda a operação era já liderada por Carrol Shelby, na ordem de alguns milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento - e muitos mais iriam ser investidos. A Ferrari, que ganha ininterruptamente desde 1960, quer manter a série de vitórias, e está a construir carros muito potentes para manter o ritmo dos americanos. Mas eles reconhecem os seus limites, e alguns já começam a pensar que aquele será o ano em que perderão o ceptro. Especialmente quando a Ford tem quatro carros inscritos. 

Os 250 LM foram os carros que dominaram a competição, mas em 1965 eram carros "obsoletos". A NART, North American Racing Team, liderado por Luigi Chinetti, conseguiu um 250 LM e inscreveu dois pilotos de Formula 1: o americano Masten Gregory e o jovem austríaco Jochen Rindt. Ambos corriam naquele ano, respetivamente, num BRM e num Cooper, ambos inscritos por equipas privadas. As suas chances de um bom resultado existiam, mas eles eram privados, com máquinas datadas.

Mas isto era uma corrida de resistência, não de velocidade. 

Debaixo de sol, depois de uma semana cheia de chuva, a corrida começou com o duelo Ford x Ferrari, que já tinha começado no ano anterior. Tanto que, pela primeira vez na história, a corrida estava a ser transmitida em direto na televisão americana, com Phil Hill como comentador. Chris Amon, num dos Ford, tinha ido para a frente, seguido por Bob Bondurant e Bruce McLaren, noutros Ford. Atrás, Lorenzo Bandini era o melhor dos Ferrari, seguido por John Surtees. Nas voltas seguintes, este subiu para terceiro, atrás de Jo Sifert, que liderava num Maserati, e Amon, num Ford. Mas o suíço retirou-se na quinta volta, depois de um despiste em Tetre Rouge. 

Atrás, no carro da NART, o estado de espírito não era o melhor. Masten Gregory, para começar, era dos poucos pilotos que competiam com óculos, para além dos de corrida - e também tinha nascido a 29 de fevereiro. Rindt, então com 23 anos, tinha chegado ali com muitos pensamentos, menos os de... correr. Aliás, tinha até comprado um bilhete de comboio para Paris para o final do dia, convencido que o carro não aguentaria até lá. Gregory foi o primeiro a correr, mas na quarta hora, o carro foi para as boxes com problemas no motor. Trocado o distribuidor e perdido meia hora no processo, regressou à pista na 18ª posição, e quando foram chamar Rindt para fazer a sua vez... encontraram-no vestido à civil e pronto para sair dali. 

Pela noite, com os problemas com os Ford e alguns dos Ferrari oficiais, Gregory e Rindt aceleraram a fundo, sem nada a perder. Chegaram ao ponto de andar cinco segundos mais rápidos que a média, e a meio da noite, graças à sua fiabilidade - todos os Ford GT40 estavam KO antes das 12 horas, por exemplo - eles eram segundos classificados, atrás do líder, outro 250 LM do privado francês Pierre Dumay.

E a partir aqui, surge um dos grandes mistérios do automobilismo. perto do amanhecer, Gregory tinha parado nas boxes de forma inesperada porque tinha os óculos embaciados e não podia continuar. Rindt foi chamado à pressa... mas ele não estava presente. Há quem afirme que estava a divertir-se na noite francesa (ou ferrado no sono), e colocá-lo em forma demoraria o seu tempo. Oficialmente, Gregory regressou à pista e fez mais algumas horas, mas quem pegou o volante tinha sido o piloto reserva, outro americano, Ed Hugus. A sua parte demorou cerca de uma hora, antes de Gregory resolver o seu problema e regressar ao volante. 

Na manhã, o diferencial do carro começou a dar sinais de fragilidade, o que fez abrandar o ritmo, e até a Ferrari queria que o carro da NART deixasse desdobrar um 275 GTB da Ecurie Francochamps por causa do... fabricante de pneus (eles tinham Englebert, contra os Pirelli dos NART). Mas os americanos não obedeceram e acabaram por ganhar, com cinco voltas de avanço sobre o carro de Dumay. No pódio, apenas Gregory e Rindt comemoraram, um pouco contra a corrente do jogo, mas a fiabilidade tinha compensado. 

Anos depois, Hugus - que morreu em 2006, aos 82 anos - disse numa carta que, de facto, fizera algumas voltas no Ferrari, o que de acordo com os regulamentos da altura, não era legal. Contudo, como não foi comunicado, e não existiam testemunhas fiáveis, isto nunca foi comunicado e a coisa ficou nas brumas da lenda e do nevoeiro francês. Contudo, hoje em dia, embora oficialmente Gregory e Rindt foram os únicos pilotos a pegar no carro, aceita-se a colaboração de outro americano. E como dizia no "western" "Quem Matou Liberty Valence", entre a realidade e a lenda, publique-se a lenda.    

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