Ainda Dan Wheldon estava a arrefecer na morgue do hospital de Las Vegas e começaram a aparecer as discussões do costume sobre a segurança dos habitáculos, da segurança dos circuitos e sobre a capacidade daquele circuito de receber tantos carros a uma velocidade tão alta como andam aqueles carros da IndyCar Series. Há os exaltados do costume que gritam algo parecido com "cockpits cobertos agora!" ou há quem diga que a Indy deveria abandonar de vez as ovais - excepto Indianápolis - e ser uma alternativa americana à Formula 1.
E ainda há quem peça aos seus filhos para que abandone a competição, como fez hoje Jody Scheckter à BBC, pedindo para que o seu filho Thomas se dedique a outro tipo de competições. Sabendo que Scheckter sofreu muito no seu tempo - Francois Cevért, Ronnie Peterson, Gilles Villeneuve - compreenda-se que esteja preocupado pela saúde do seu filho, mas acho que acima de tudo deveria haver bom senso e não se ceder à histeria. Como ouvi do Ron Groo, a melhor resposta deverá ser o silêncio.
Este é um tipo de conversa que ouvi bastante quando foi do acidente de Felipe Massa, no Hungaroring, há dois anos. De fato, sei que a FIA anda a fazer experiências nessa área, com a ideia de colocar essas proteções nos carros de Formula 1 e outros monolugares. E a tendência na Endurance é de fazer chassis cobertos e com a inestética "barbatana de tubarão", mas sabendo que ela existe para evitar que o carro voe a alta velocidade, como aconteceu a Mark Webber nas 24 Horas de Le Mans de 1999.
Primeiro que tudo: vamos aos aspectos criticáveis no circuito e na organização da Indy, como o fato de terem tantos carros a correrem ao mesmo tempo numa oval de alta velocidade, da organização não ter ouvido os receios dos pilotos em relação a um "big one", ou seja, uma carambola com mais de dez carros. E quando aconteceu o acidente da tarde de ontem, e que matou Dan Wheldon e mandou mais três pilotos para o hospital - o australiano Will Power, a britânica Pippa Mann e o americano J.R. Hildebrand - certamente que na cabeça dos que estiveram envolvidos lhes passou o pensamento de que "eles foram avisados".
Agora, com o cadáver nas mãos e as imagens do acidente a passar dos canais de desporto para os telejornais 24 horas por dia, todos agora aparecem a criticar a postura da atual IZOD IndyCar Series, mais concretamente o seu presidente Randy Bernard, pelo fato de quererem privilegiar o espectáculo em vez de aspectos como a segurança, como forma de bater em termos de audiências a agora poderosa NASCAR. Podem ter razões para isso, porque afinal de contas, os pilotos americanos e alguns mais do resto do mundo querem correr ali em vez de ir para a Indy, mas não creio que esse "espectáculo" tenha de ser feito à custa do sacrifício de vidas humanas. E Bernard, que tem vindo a ser criticado ao longo dos últimos meses por posições controversas - Baltimore, por exemplo - tem aqui mais um motivo para isso.
Ontem à noite, o Renan do Couto falava no seu blog "Por Fora dos Boxes" do fato que a morte de Wheldon foi o definitivo "prego no caixão" - é irónico mas é verdade - da sequência de fracassos que foi esta prova de Las Vegas, a "corrida dos cinco milhões", que a organização tinha lançado para atrair pilotos de outras categorias, com o objetivo de os bater e ficar com essa recompensa. Pensava-se que com essa mala cheia de dinheiro, iriam ter pilotos da NASCAR a fazer fila por ali, pensava-se que pilotos de outras categorias como Kimi Raikkonen e Petter Solberg aparecessem por lá, mas no final, só foi Wheldon, que não tinha equipa para correr em 2011 e vencera as 500 Milhas de Indianápolis da maneira mais inesperada possível. Já se sabia do fracasso financeiro, mas a carambola e as suas nefastas consequências, acentuaram um sentimento fúnebre à ocasião.
Em suma: já ouvi esta conversa antes. E sei que serão tomadas medidas para melhorar a segurança. Mas não podem ser feitas "em cima do joelho" e nem para acalmar os ânimos. Mas talvez não seria mau de todo se a IndyCar Series ouvisse mais vezes os seus pilotos e não tentasse seguir a NASCAR. Simplesmente porque eles são carros diferentes e a organização é diferente. Arriscar a vida de pilotos por um pedaço de publicidade quase nos faz comparar as pessoas que estão a dirigir o circo com os imperadores romanos, que tinham o poder de vida ou de morte apenas com o seu polegar.
P.S: No meio de tantas coisas que li e ouvi sobre a corrida de Las Vegas e do acidente mortal de Dan Wheldon, ainda não ouvi a resposta à seguite pergunta: o que é que a organização vai fazer aos 5 milhões do prémio, 2,5 milhões a Wheldon, caso alcançasse o impossivel? Na minha modesta opinião, acho que deveriam dar esse valor à familia ou a uma fundação em sua honra.
1 comentário:
Sem dúvida, doar o dinheiro do prêmio à família parece razoável. O que mais me entristece nesse acidente é saber que há duas crianças que jamais verão o pai novamente. A insanidade da organização da prova me parece a causa mais visível do problema, colocando carros demais em uma pista rápida demais e curta demais. Mas também acho que a Indy permitiu que seu grid fosse preenchido por pilotos sem capacidade de lidar com situações extremas, e isso tem que ser levado em conta. Sem caça às bruxas, mas com responsabilidade.
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