Caro Tom:
Quando tu te foste, tinha apenas sete meses de vida. Estava mais preocupado em ver se me erguia da minha posição de sentado e tentava ter noção do mundo à minha volta, sem saber que para além desse meu pequeno espaço, havia algo enorme, um planeta azul, cheio de vida, com coisas boas e más, onde anjos e génios conviviam, nem sempre pacificamente, com demónios. Como é óbvio, não faço a mínima ideia do que fazia nesse dia 5 de março de 1977, mas certamente que os maus pais e avós devem ter visto, certamente com horror, aos eventos do qual acabaste por ser vítima, sem que a vida te tenha pedido licença. Nem a ti, nem a aquele jovem comissário de pista.
Com o passar dos anos, primeiro quando cresci e me apercebi do mundo à volta, depois quando achei o automobilismo e me apaixonei por ela, é que parecebi do seu passado. E de quantos pagaram o preço mais alto pela sua paixão pela velocidade. Pela sua vontade de vencer, de ser o mais rápido, de ser o melhor de todos. De como jovens promessas se tornaram grandes campeões ou morreram a tenter sê-lo: Collins, Von Trips, Bandini, Rindt, Cevért... tu, meu caro Tom Pryce, viste colegas teus a morrerem em pista ou a sofrerem acidentes graves, se calhar passou na tua mente se serias o próximo ou se algum dia irias acabar como alguns deles. Infelizmente, esse foi o teu destino.
Engraçado saber que podias ter ido para a Lotus e ser campeão do mundo, caso tivesses aceite a oferta de Colin Chapman em 1975. Perferiste ficar na Shadow e estava no teu direito, mas não conseguiste mais do que uma pole-position e dois pódios. Podias ter conseguido mais, e irias ter conseguido mais, se não fosse aquele extintor, transportado por aquele adolescente. Eu sei que é a vida, e que muitas vezes é injusta, especialmente quando vejo em video a violência do acidente.
O tempo passou e hoje, é uma nova geração. Os bebés do teu tempo se tornaram adultos e têm os seus bebés. A Formula 1 é mais um negócio do que um desporto de milhões e a segurança é enorme. Morrer tornou-se impossivel, graças à tecnologia dos carros e dos pilotos. Já não morre ninguém há quase 18 anos. Já reparaste? Quase uma geração inteira sem ver pilotos a morrerem em direto na TV, pelo menos na categoria máxima do automobilismo.
Contudo, apesar do tempo passado e daquele dia horrivel não ser mais do que uma memória difusa, não posso esquecer de ti, Tom Pryce. Pessoalmente, apesar de nunca ter cruzado contigo, tenho quase aquele dever moral de recordar às gerações mais novas o que tu foste e o que poderias ter sido, caso aquele comissário não tivesse aparecido à tua frente, ou atravessado a pista um segundo mais cedo. Nem eu posso esquecer de ti, nem os "petrolheads" que te conheceram ou cresceram a admirar-te.
De ti, sei que escreveram um livro. O seu autor era um admirador teu, o David Tremayne. Ele até batizou um dos seus filhos com o teu nome. A tua cidade natal fez-te um mural a lembrar de ti, e eu, claro, faço a minha parte. Afinal de contas, falo sobre o primeiro - e até agora unico - piloto galês na história da Formula 1.
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