quinta-feira, 3 de maio de 2012

5ª Coluna: Mistificação e Desconstrução

Neste 1 de maio passou mais um ano sobre os acontecimentos de Imola, e claro, sobre a morte de Ayrton Senna. Só que neste ano de 2012 é um pouco diferente dos outros porque calha ser o 18º aniversário, logo, uma geração inteira de pessoas que nunca viu Senna correr, ou que viu uma morte na Formula 1 atingiu nesse dia a maioridade, logo, pode votar, beber e guiar um carro como eu e muitos de vocês, mais velhos. Acerca disso, recomendo a leitura do Bandeira Verde sobre esse marco, ao que deu o título de "Os Novos Adultos". 

Por coincidência, nessa noite de feriado, alguém colocou o documentário do Manish Pandey e do Asif Kapadia no Youtube. Achei uma tentação demasiado boa para deixar passar em claro e fui vê-lo de novo. E vi de novo as cenas de Imola. Depois de ver tudo aquilo, voltei a pensar na razão pelo qual Senna foi o  fenómeno no seu tempo. E as razões mais óbvias estavam lá: era o tempo de um Brasil pobre, corrupto, violento e desacreditado em si mesmo. A inflação galopante, onde o dinheiro local não valia nada, os sequestros diários e episódios como o do Collor de Mello, para não falar da seca de títulos na "canarinha". Logo, ver alguém como Senna pegar na bandeira no final da corrida que vencia e mostrar que gostava muito de ser brasileiro foi como abelha para o mel. Foi esse gesto simples que fez com que o povo o adorasse, apesar de ele ser, politica e socialmente, alguém vindo da classe média-alta e politicamente ter um pensamento conservador.

Mas eu sei que o "mito Senna" tem uma dimensão que muitas vezes raia o exagero. Até que suporto esses exageros até um certo ponto. E essa linha vermelha, para mim, é atravessada quando vejo esta pintura. Sobre ela, digo-vos a minha posição pessoal: detesto-a. Profundamente. Da mesma forma que, dezoito anos depois, continuo a não ser capaz de ver Senna a bater no muro de Tamburello. Posso ver o acidente de Roland Ratzenberger na Villeneuve e o seu Simtek a deslizar, inerte, até à Tosa, com o cadáver do austríaco de 33 anos lá dentro, mas ver Senna a bater, provavelmente não o verei enquanto for vivo. Porque já tive a minha dose de pesadelo. Ter a imagem dele a bater na curva, uma e outra vez, durante meses a fio, antes de tu adormeceres já é trauma mais do que suficiente para não a quereres desenterrar e seguires a tua vida normalmente.

Mas esta estúpida pintura - desculpem, mas não a suporto - fez com que fizesse pensar no seu exercício: o que aconteceria se tivesse sobrevivido ao acidente. E já que todos gostam de pensar nessa possibilidade, então, vou entrar no jogo. Mas vou já avisando: não vão gostar muito do meu ponto de vista. 

Assim sendo... vamos a isso: o que teria acontecido se aquela barra de ferro tivesse raspado o capacete em vez de o ter penetrado e o matado? Toda a gente sabe que ele não teve mais nenhum ferimento para além daquele. Muitos dizem que ele teria continuado e ganho títulos, mas gosto mais da visão do Ron Groo sobre a coisa: numa vez, escreveu que teria morrido num acidente de helicóptero em 1998, num 1º de maio, no meio de uma tempestade, em São Paulo.

Mas a minha visão é mais radical. Na minha opinião, ele teria "lido os sinais" e abandonado o automobilismo logo naquele dia. Sem mais, nem menos. Imaginaria-o a sentar-se com Frank Williams e ter-lhe ia dito que não sentia com vontade de continuar. Que lhe teria agradecido a oportunidade de correr com aquele carro e de ter lamentado não estar à altura das expectativas. E depois teria comunicado a decisão à imprensa, que faria manchetes nos dias e semanas posteriores à corrida, dizendo que a situação lhe teria aberto o caminho ao título de Michael Schumacher. Os colunistas teriam dito na imprensa que ele não tinha resistido à pressão que lhe estava a ser sujeito com o piloto alemão e os mais xiitas teriam queimado as efiges e bandeiras de Senna, chamando-o de "cobarde".

A sua decisão teria dividido o Brasil, e causado decisões acesas, tão acesas que ofuscariam a preparação da "canarinha" para o Mundial dos Estados Unidos. Mas um mês depois, eles teriam esquecido disso tudo quando a canarinha regressasse dos Estados Unidos com o "tetra". Senna seria rapidamente esquecido, enquanto que Romário, Bebeto e Taffarel eram elevados ao nível de heróis e levados em ombros ao Palácio do Planalto.

Seria engraçado se estivesse vivo por agora. Muitos achavam que ele estaria ligado à Formula 1, mas honestamente... não acredito. Já tinha alcançado o que queria, embora ainda moesse o facto de não ter sido ele a bater o recorde de títulos do Juan Manuel Fangio. Nem tentaria voltar, apesar das ofertas multimilionárias que lhe fariam da McLaren e da Williams. Hesitaria perante a da Ferrari, e até daria umas voltas, como aconteceu a Alain Prost, mas no final decidiria ficar em casa. 

Estaria provavelmente a ser feliz com os seus negócios em São Paulo, se calhar cuidava da Fundação com a sua irmã e voltaria a pairar pelas boxes, a ver a evolução do seu sobrinho. Se teria casdo com a Galisteu? Se calhar sim, mas depois teria divorciado, com as páginas das colunas sociais cheias de noticias sobre a fortuna dividida por dois, com ela a gozar o novo estatuto com uma capa na Playboy por ano... de perferência antes e depois de ter tido uma filha.

De facto, os exercícios de imaginação podem ser engraçados, mas continuo a não gostar. Cada cabeça tem a sua sentença. E não houve, nem haverá consenso, e fico com a sensação de que quel faz esse exercício são aqueles que nunca aceitaram totalmente o seu destino. E é por isso que dizia isto há uns dias com amigos meus: só se vai começar a discutir Ayrton Senna com cabeça e sem emoção quando as pessoas que o viram correr, envelhecerem e morrerem. Quando se tornarem testemunhas raras.

Pelas minhas contas, isso só acontecerá daqui a duas gerações, quando os netos chegarem à idade adulta, quando comemorarmos o centenário do nascimento de Senna. Até lá, para mim, todo e qualquer tipo de especulação neste sentido só trará amores e ódios, com o objetivo de dividir. 

5 comentários:

Daniel Médici disse...

Também odeio essa pintura. E também não gosto de conjecturar a tal respeito. Aliás, respeito: taí algo que passou batido a muitas manifestações que vi à memória de Senna. Bandos de senhorezinhos da verdade à frente de seus computadores... Poucos trouxeram, de fato, algo novo para a discussão. Fico me perguntando por que não lhes ocorreu silenciar a respeito do assunto.

Voaridase disse...

Acho que nem toda a gente acredita muito que o Senna continuasse. Eu, pessoalmente, gosto dessa pintura, mas apenas pela ideia de que foi um azar tremendo a suspensão o ter atingido no exato ângulo de lhe provocar a morte. Não gosto dela por achar que ele ia continuar na F1 a ganhar.

Aliás, a frase que mais indícios dá de que realmente aconteceria como dizes é aquele testemunho do Sid Watkins em que ele pergunta ao Senna, se não querem ambos abandonar e ir pescar.

toivonen disse...

Adoro este site, mas não podia estar mais contra (nada que isso tenha de mal, aliás como penso que também concorda) a sua "raiva" quanto ao exercício de conjecturar, seja de que forma for..e muito menos o repudio por exercícios de opinião toldados pela emoção...mas que raio, se estamos aqui é com um lugar comum, e esse é o da emoção! Por mais interesse que tenha a razão como modo de explicar as inúmeras e peculiares aventuras e "desventuras" do desporto motorizado, o motor que nos leva a procura-la, encontra-se na emoção que primeiramente sentimos por este "desporto" (acho que chamar de desporto, é pecar por defeito, gosto mais de apelida-lo de aventura motorizada)..ou seja, se a razão é necessária, a emoção, essa é condição ABSOLUTA!
Como muitos já disseram, não há uma historia, há as tantas, quanto o número de pessoas que as contarem!...a "historia" não é mais do que um exercício interpretativo feito por indivíduos subjectivos e ambíguos, de factos que já de si não o são menos.
Aliás, as suas habituais "historias" (que tanto gosto)são de si uma prova viva..
Deixe-me dizer o que penso que aconteceria se o Senna se tivesse levantado do carro, como tantas vezes o fez...
Ele iria voltar à box, com o ultimatum que não voltaria a correr se futuramente não houvessem GRANDES melhorias no monolugar. E essas viriam naturalmente, e ele voltaria a correr e a vencer, e nem é preciso um grande exercíco mental, para perceber que em 1994, seria o seu tetra (se o Damon ficou à distancia do Schumacher que ficou).
E não seria o último...e porque é que eu tenho essa "certeza"?!?..porque doutra forma, esse não seria o Senna, que SEMPRE existiu, ou seja, em que apenas existia uma historia, a sua de ficar em primeiro de TODOS os registos dessa mesma historia! Já para não falar que, também não seria o Adrian Newey que sabemos existir, ou seja, que tinha em comum a obstinação de ser o melhor..demorasse o tempo que demorasse!
Vê, como é possível pintar com as mais emotivas cores, e mesmo assim respeitar a paleta?!..não disse nada de grande improbabilidade pois não?!..pelo menos, quando comparado com uma "historia" que dizia que o Senna abandonaria a competição a seguir a este acidente..o mesmo Senna, que ameaçou abandonar competição automóvel (e chegou a fazê-lo por alguns meses)depois do titulo de Formula Ford, que depois ameaçou abandonar a F1 depois da entrega do título pela FI(S)A ao Prost, que ameaçou Ron Dennis que o faria caso a Mclaren não encontrasse parte da sua competitividade em 92-93, e que em todas as situações respondeu como o fez a Sid Watkins...VOLTANDO A CORRER!!!
Ah, só mais uma coisa...eu na altura nem era fã do Senna...e esta como forma de, com emoção, ter tentado chamar a razão?! Lol
Fique bem , e continue sempre...

toivonen disse...

PS-Já agora que se celebra 30 anos sobre a morte do grande Gilles...deixo no ar o tão comum que teve as circunstancias da sua morte e vida com o Senna..ambos fizeram magia quando conduziam pelos vistos, o "infame" mas guru Denis Jenkinson pensava o mesmo), e morreram obstinados a tentar bater adversários que lutaram com eles com armas desiguais, e como hoje se sabe...o Pironi (que tanto eu gostava também), com a "desigualdade" dum espírito "cego" que em nome dum título, o levou a quebrar o respeito inerente à palavra entre colegas (e alguns dizem amigos) e violou acordado em Imola (a respeito de quem ainda dúvida, convido a ler uma certa tabela de tempos por volta, nesse GP e que mais do que disseram os pilotos e seus fãs e detractores, falam mais)...e o Schumacher, que o futuro só veio a confirmar que mais do que o talento que tem, só é ultrapassado por tudo o que faz para conseguir vencer, dentro e fora das pistas...na altura de Imola 94, fazia-o através dum Benetton, onde pelos vistos se tinha esquecido de aplicar os regulamentos de 94, facto esse a que não seria isento a presença dos Srs tom walkinshaw (respeito à sua memoria) e Briatore nessa equipa...ou seja, a lutarem com a chamada "unfair advantage"!

Unknown disse...

Assim como haviam os que julgam improvável uma carreira tão vitoriosa como ele teve até aquele dia, haverá os que acham que ele desistiria naquele dia. Mas uma das coisas que me encanta no Senna era sua imensa capacidade de derrubar por terra opiniões como essa.