terça-feira, 1 de outubro de 2013

1976: O ano do verdadeiro "Rush" (parte III)

(continuação do capitulo anterior)

5. "HUNTMANIA"

A meio da temporada, tudo parecia indicar que o bicampeonato de Niki Lauda era uma questão de tempo. O austríaco da Ferrari tinha 53 pontos e quatro vitórias em oito corridas, contra os 26 pontos de James Hunt, no seu McLaren, que tinha alcançado apenas duas vitórias. Mas a vitória em Paul Ricard e o apelo favorável aos interesses da McLaren por parte da FIA, após a polémica com a largura do carro no GP de Espanha, fizeram com que o inglês estivesse de volta à luta pelo título, embora as hipóteses fossem diminutas, já que a temporada estava a alcançar o meio.

Contudo, isso não impediu que a 18 de julho mais de 80 mil pessoas estivessem no circuito de Brands Hatch, que nesse ano era palco do GP da Grã-Bretanha. Com a Europa a passar um dos verões mais quentes de que havia memória, a hipótese dos ingleses verem um dos seus a ganhar era bom demais para ser verdade, ainda por cima, tirando os escoceses, a última vez que um britânico tinha ganho ali fora em 1958, com Peter Collins.

Apesar das esperanças e do McLaren estar finalmente arranjado, as coisas pareciam não correr bem para Hunt, pois Lauda conseguira batê-lo para fazer a pole-position. O britânico foi o segundo, mas tinha atrás de si o outro Ferrari de Clay Regazzoni. Jacques Laffite, no seu Ligier, era o quarto.

A partida foi lenta e confusa. Hunt largou mal, com Lauda a superar, mas Regazzoni arrancou muito forte e ficou na frente nos primeiros metros. Mas a seguir, quando todos faziam a primeira curva, a Paddock Hill Bend, uma curva altamente inclinada à direita, o piloto suíço tenta ficar com o primeiro lugar… e ambos os Ferrari colidem, atravessando-se na pista e causando confusão atrás. Hunt tenta escapar, mas bate num dos pneus de Regazzoni e fica danificado. Outros carros batem no Ferrari do suíço e ficam atravessados na pista, sendo os comissários obrigados a mostrar a bandeira vermelha e a interromper a corrida.

Imediatamente, os mecânicos entram na pista para recuperar os carros, e vê-se que os estragos sofridos pelo piloto britânico são tão graves que não conseguiria levar o carro até às boxes. Contudo, Hunt aproveita a confusão para entrar nas boxes por um atalho. Os comissários observam o que aconteceu e decidem que os pilotos envolvidos - Hunt, Regazzoni e Laffite - não poderiam voltar a correr com os carros de reserva. logo, estes tinham de ser reparados. Para além disso, eles observam o "atalho" de Hunt e excluem-no de imediato, afirmando que não poderia participar na segunda corrida.

Contudo, quando o anúncio foi feito, o público protesta de forma ruidosa, primeiro assobiando, depois gritando em uníssono: “WE WANT HUNT!” (Nós queremos Hunt!). Alguns manifestantes mais exaltados, começaram a atirar as suas garrafas de vidro para a pista, causando graves problemas. O neozelandês Alastair Caldwell, diretor técnico da McLaren em 1976, recordou numa recente entrevista à Motorsport britânica o que se passou nessa tarde:

"[James] levou o carro às boxes e começamos imediatamente a arranjá-lo para a segunda largada, mas os comissários disseram imediatamente que tinha recebido 'assistência externa' e não poderia alinhar na segunda corrida. Assim que os espectadores souberam disto, eles começaram a gritar e a assobiar - encorajados por mim, tenho de admitir - porque tinha visto que iria haver alguma politicagem mais tarde. Os gritos e os assobios das bancadas foram uma coisa incrível, que nunca tinha visto antes - ou depois - e eles atiraram coisas para a pista. Quando os comissários voltaram atrás, a Ferrari protestou, o que era previsível." contou.

Quando a decisão foi anunciada no sistema sonoro do circuito, a multidão celebra ruidosamente. Enquanto tudo isso acontecia e os minutos passavam, os mecânicos da McLaren conseguiram reparar o carro em contra-relógio, enquanto que Regazzoni e Laffite iriam alinhar com os carros de reserva, arriscando uma posterior exclusão da corrida.

Esta recomeçou com Lauda de novo na frente, seguido de Hunt, Regazzoni e Laffite. O austríaco liderou nas primeiras 45 voltas, até começar a sofrer de problemas com a caixa de velocidades, fazendo com que Hunt o ultrapassasse e ficasse com a liderança. No final, para gáudio dos presentes, o britânico vencia pela segunda vez consecutiva, tirando mais três pontos ao austríaco.

Mas enquanto Hunt celebrava no pódio a sua vitória, três equipas - Tyrrell, Copersucar e... Ferrari - decidiram protestar, afirmando que o britânico não deveria ter participado na segunda partida, pois não tinha dado toda a volta ao circuito. Os comissários acharam o protesto improcedente e após três horas de deliberação, mantiveram Hunt no primeiro posto, afirmando que a corrida já estava interrompida quando tal aconteceu. Mas a Scuderia decide apelar para a RAC, Royal Automobile Club, e esta acede ao pedido, com a reunião a ser marcada para o dia 4 de agosto, três dias depois da próxima corrida, o GP da Alemanha.

6. PRELUDIO PARA O DESASTRE

Nurburgring Nordschleife era o maior circuito do mundial de Formula 1 naquele ano, e um dos classicos do automobilismo. Situado nas montanhas de Eifel, tem 22,835 quilómetros de circuito, com mais de 130 curvas. A diferença de elevação chegava a mais de 300 metros e as curvas eram tantas que muito poucos sabiam onde poderiam travar e acelerar na medida real. Até em certos sítios como Flugplatz e Pfanzgerten, os carros... voavam. Inaugurado em 1927, tinha visto ao longo da sua história corridas de antologia, como a que fez Tazio Nuvolari, em 1935, e Juan Manuel Fangio, em 1957, mas também acidentes fatais, como a de Peter Collins, no ano seguinte.

Em 1970, os pilotos, crescentemente preocupados com a velocidade dos seus carros e a falta de segurança do circuito, fizeram "finca-pé" e decidiram que iriam boicotar a corrida no Nordschleife, se estes não fizessem as devidas medidas de segurança. Para evitar que o GP da Alemanha fosse cancelado, as autoridades alemãs decidiram transferir a corrida para Hockenheim, um circuito mais pequeno - quase sete quilómetros - mas com guard-rails de proteção. Logo depois, reforçaram a segurança, e a corrida voltou ao Nordschleife no ano seguinte.

Os meteorologistas locais previam que o tempo para esse final de semana iria ser instável e isso causava preocupação nas hostes, especialmente Lauda, que sempre fora critico com o circuito. Três anos antes, ainda nos seus tempos da BRM, tinha tido um acidente que o impedira de correr em sua casa, na Áustria. Sempre tivera receio em correr neste circuito de quase 23 quilómetros à volta do castelo de Nurburg nos montes Eifel. E sempre que podia, nunca perdia a oportunidade de afirmar que era um circuito perigoso, devido à sua estreiteza e a quantidade de curvas e elevações do qual um erro era fatal. Pior era quando o tempo na zona se tornava mau, com chuva e nevoeiro. Jackie Stewart tinha ganho em 1968 sob tais condições, mas disse depois que tinha sentido muito medo nesse dia.

Sempre que podia, Lauda trazia o assunto Nurburgring à baila, quer nas reuniões de pilotos, quer nas entrevistas com os jornalistas. Alguns meses antes, em Zolder, tinha relatado isso numa entrevista, relembrada anos depois pelo britânico Peter Windsor:

"Aqui em Zolder devo ter provavelmente 70 por cento de hipóteses de morrer no meu carro, caso algo de mal aconteça. Sou piloto de corridas. Tenho plena consciência de que irão acontecer acidentes e que alguém poderá morrer aqui em Zolder. Mas ao menos neste circuito tenho uma hipótese de sobrevivência, caso algo de mal aconteça." 

"Em Nurburgring não tenho tal hipótese. É de cem por cento. Porque é que Zolder tem de se reger por um 'standard' e Nurburgring por outro? Nos outros circuitos temos áreas de escape e redes de segurança, porque é que Nurburgring tem de ser diferente? É pelo seu nome? É pela sua importância? É porque é ali que querem ver a classe de um piloto em vez de ser noutro? Acho que é pelos acidentes."

E nesse ano, tinha havido um acidente fatal numa prova da Formula Super Vê - a 149º fatalidade nos 49 anos que já levava de história - e ele queria que eles cancelassem a corrida ou pelo menos transferir a corrida alemã para outro circuito. Depois de muita conversa entre eles, passaram ao voto... e Lauda perdeu. Em vez disso, os pilotos assinaram uma petição em que caso o circuito não fosse substancialmente modificado para 1977, com novas áreas de escape nas partes mais rápidas, os pilotos não correriam mais ali.

Apesar das criticas de alguma imprensa especializada, nesse final de semana, Lauda decide levar alguns jornalistas para dar uma volta no circuito. Ainda nas boxes, comentava não só as pressões do momento como também as estranhas manias de alguns dos seus fãs. Momentos antes de arrancar, um deles entrega-lhe uma fotografia, e comentou: "Para si, senhor Lauda. Estive em Graz há pouco tempo e fiz esta imagem do túmulo de Jochen Rindt”. Agradeceu a foto, colocou-o no seu porta-luvas e comentou depois: "Eu apanho cada louco. Vocês nem fazem ideia o tipo de cartas que eu recebo. Teve um que me escreveu: ‘Lauda, quando é que você vai morrer?’”

Com isto, levou-os no seu carro para uma volta ao circuito, exibindo aquilo que ele achava serem os pontos críticos. Ao chegar à zona de Bergwerk, comenta sobre a velocidade que se passa ali, de forma estranhamente prenomonitória: "Aqui você chega em quarta, pedal a fundo, à volta de 240,250 Km/hora. Se tiver um furo não tem hipótese, já era! Não há nada que proteja o piloto: pedras, uma depressão no piso e uma cerca. Se tem azar, não sabe onde vai parar".

(continua amanhã)

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