quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Secos e Molhados, ou uma tentativa de falar sobre as regras

No sábado, ao ver os eventos em Monza, onde de quinze em quinze minutos andávamos a ver se a pista estava em condições de dirigibilidade, escrevi um post aqui no blog, perguntando sobre se a Formula 1 estava a americanizar-se em termos de segurança. Bem explicado, queria referir se a categoria máxima do automobilismo tinha desistido de ter os seus carros em pista molhada, como faz a IndyCar em relação às ovais. Claro que não: a categoria americana não quer os seus carros a circular a 370 km/hora numa Indianápolis da vida porque se bater nas barreiras em piso seco já é perigoso, bater no molhado mais perigoso fica, com ou sem uma barreira SAFER lá colocada. E a Indy corre em mistos à chuva ou com piso húmido.

Contudo, esse post de sábado teve consequências. Tive uma resposta na caixa de comentários que não só me fez pensar a mim, como a mais alguns dos meus amigos blogueiros. Começo primeiro pela resposta de alguém que se identifica como "Bruz", que coloco aqui na íntegra (mesmo com as asneiras, por uma questão de autenticidade):

"O problema de hoje caro Paulo, é que a FIA não deixa mexer nas regulagens. Se acertar hoje para chuva e amanha faz sol, fudeu. Se as equipas acertaren no sabado para seco y no domingo chover, não tem como andar con eses monopostos baixos demais.

Até a FIA não derogar essa estupida regra que não deixa mexer nos acertos de sabado para domingo, vc seguirá assistindo essa putice de carrinhos andando atrás do SC se chover. Mas tem coisa pior do que essa, lembra que também acabaram com os acertos da Caixa de cambios para cada corrida. Tem alguma coisa mais fora do contexto da F1 e o acerto do piloto do que isso??? Ehhh meu caro, essa foi uma medida anti Vettel.

Agora vem ai o Halo. Eu sou dos que sostenho que atranqueira é perigosa. Pode virar objeto que fere o piloto em caso de pancada..."

O Ron Groo leu a resposta e achou que valia a pena escrever sobre ela no seu sitio, algo que fez na terça-feira. Eu coloco aqui o link para lerem o post no seu todo, mas coloco aqui uma amostra:

"Então porque a classificação foi interrompida? Algumas informações que vieram à tona sobre a construção dos pneus de chuva e de sua eficiência ajudam a entender um pouco. Segundo a Pirelli, o pneu de chuva (composto identificado com faixa azul e ranhuras) escoa pouco mais de 60 por cento da água. Junte isto a uma drenagem insuficiente da pista de Monza.

Outro detalhe: os carros têm menos peso e muito mais potência. Este ano principalmente com as alterações feitas na parte aerodinâmica. (...)

Outra coisa que pode ajudar a entender toda a situação é a rigidez das regras de parc ferné  onde, após a classificação, é proibido voltar a mexer nas regulagens dos carros sob pena de perda de posições.

Este tópico, levantado por um dos leitores do espaço Continental Circus do Paulo, lembra que se as equipes fizerem uma regulagem de suspensão e mapa de motor para pista molhada na classificação e por obra da natureza as condições mudarem totalmente (como aconteceu nesta edição de 2017) para a corrida, nada poderá ser feito e vantagens serão perdidas. O mesmo vale para a situação contraria".

Não há uma resposta simples para isto tudo. Eu direi que a Formula 1 atual vive (para além do excesso de segurança) um regulamento demasiado detalhado, complicado de entender por parte dos fãs e em muitas medidas, opaco. A opacidade vem dos tempos de Bernie Ecclestone e dos primeiros Acordos de Concórdia, e isso vai demorar o seu tempo até mudar essa ideia opaca, rumo a uma maior transparência, por muito que a Liberty Media faça a sua parte para a fazer acessível aos fãs.

Os detalhes - quase mesquinhos, vendo esta parte sobre a proíbição de mexer nas afinações dos carros em parque fechado - fazem lembrar uma ideia do qual pouco se discute, mas muito se fala. Algo que um dia, Mark Donohue chamou (e escreveu um livro sobre), o "The Unfair Advantage", a Vantagem Injusta.

Recuo uma geração, para 1968. Nesse ano, a Ferrari coloca uma asa atrás do motor do carro de Chris Amon, no sentido de dar downforce à traseira, para ganhar maior aderência. A partir dali, houve uma "corrida aos armamentos" em termos de altura e maleabilidade dessas asas, que acabou mal no GP de Espanha de 1969, quando os Lotus 49 de Graham Hill e Jochen Rindt quebraram à vista de todos. Na década seguinte, a aerodinâmica torna-se numa espécie de "wild west" onde as nenhumas regras fazem com que se alimente a imaginação dos aerodinamistas, como Colin Chapman. Foi ele que fez os carros-asa que ficaram na nossa memória, como o modelo 72 e o 79. Ou grandes fracassos como o 80.

Pulando para 1981, Chapman faz o 88, com chassis duplo, independente um do outro, que faz com que o carro fique confortável independentemente das condições da pista. A FISA correu para a proibir, apesar dos comissários locais a aprovarem, nos casos de Long Beach e Jacarépaguá, as duas primeiras corridas daquela temporada. O que aconteceu? O ambiente mudara, as equipas querem impedir essas "vantagens injustas". E já tinha acontecido três anos antes, quando apareceu o carro ventoínha, o Brabham BT46B, no GP da Suécia de 1978, criação de Gordon Murray.

A criação tinha sido cortada. E as regras seguintes fizeram de tudo para que se cortassem aquilo que chamo de "escapatórias" para determinadas regras, quer em termos aerodinâmicos, quer em termos mecânicos. A ideia, para a FIA, era cortar nos custos, mas na realidade, cortou na imaginação, ou seja, não poderia haver uma solução criativa para tentar apanhar a equipa que estava na frente e ficar com o seu lugar. O último dos grandes criativos é Adrian Newey, e ele hoje em dia já disse em entrevistas que está crescentemente frustrado com a Formula 1 atual e com os livros de regras, que não lhe permitem ser criativo.

E é isso que leio com a história destas regras: temos um monopólio em termos de pneus, e a FIA diz a eles para que arranjem um compósito que não seja tão mole, ao ponto de perigar a segurança, nem tão duro, ao ponto de tornar as corridas aborrecidas. E estes compósitos, combinado com a má drenagem de Monza - no meio de um parque florestal, com as folhas a bloquearem os esgotos pluviais em caso de chuva intensa - fazem com que a situação fique próximo do impraticável.

Um quebrar do monopólio seria uma boa solução? Sim... mas a curto prazo. Meter mais uma ou duas marcas no jogo - imaginemos Michelin e Goodyear, ou Goodyear e Bridgestone - faria com que aumentasse a qualidade dos pneus, quaisquer que eles sejam, mas ao fim de três ou quatro anos, a derrotada (ou derrotadas) iria abandonar a Formula 1 e dedicar-se a outras competições. É o risco que corre. Históricamente, a Formula 1 nunca teve mais do que quatro marcas ao mesmo tempo, e não durou mais do que um ano.

Em suma, o excesso de regras faz mal, é certo. Sobre a situação acima referida, está identificável e tem as suas razões e possíveis soluções. Mas quando vamos ler nos comentários das redes sociais sobre o que realmente as pessoas querem sobre a Formula 1 atual, "o que o povo quer", é aquilo que escrevi no dia seguinte por aqui: é uma questão psicológica, quase perigosa. E sobre isso, mantenho o que disse. Nem sempre ouvir o povo é bom conselheiro, porque tem guardada na sua memória um "momento ideal" que de ideal não tem nada, está mais na categoria de uma utopia perigosa, tão perigosa como as que foram seguidas ao longo do século passado, com consequências catastróficas.

Rasgar o livro de regras e começar tudo de novo é como vermos um eclipse solar: só funciona por muito pouco tempo, e não resolve nada a longo prazo.  

1 comentário:

Ron Groo disse...

a última grande solução criativa foram os difusores soprados, não? Foram permitidos por um tempo e depois banidos. Assim como os amortecedores de massa, os difusores traseiros duplos, triplos...
Penso que como não há liberdade criativa, as soluções encontradas são logos engessadas e postas na clandestinidade por quem não as consegue implementar com exito.
Mais um dos problemas com as proibições.