sexta-feira, 27 de junho de 2025

A imagem do dia








É fim de semana de "F1 - O Filme", e depois de duas horas e meia de ação, sais da sala de cinema convencido de que é um excelente "blockbuster" de verão. Não ganhará prémios, mas comparado com os outros filmes do seu realizador, Joseph Kosinski, é tão bom como "Top Gun: Maverick".

Contudo, quem já viu a fotografia de Sonny Hayes com o fato de competição amarelo, é hora de falar que isto tem uma base real. E no momento em que vi a fotografia, sabia do que se tratava. E - pequeno spoiler - nos créditos finais, há um agradecimento especial a ele. 

Dito isto, falemos de Martin Donnelly. De como um piloto com um excelente talento acabou numa curva em Jerez, numa sexta-feira de setembro de 1990. A violência foi tal que chocou até Ayrton Senna. 

Nascido a 26 de março de 1964 - curiosamente, o mesmo dia que outros pilotos como Elio de Angelis e Didier Pironi - Donnelly começou a correr na Formula 3 britânica em 1986, pela Swallow Racing, acabando na terceira posição do campeonato. Repetiu a classificação na temporada seguinte, mas ganhou em Macau, e em 1988, parecia que ia a caminho de uma classificação quando Eddie Jordan o chamou para ser seu piloto na sua equipa de Formula 3000. 

A sua estreia foi em Brands Hatch... e arrasou, ganhando a corrida. Mas foi depois de uma enorme carambola na pista, envolvendo meia dúzia de carros, sendo o mais atingido o seu companheiro de equipa, Johnny Herbert, que ficou gravemente ferido das pernas. Ficou nas quatro corridas seguintes, onde ganhou mais uma prova, em Dijon, com mais dois pódios e uma pole-position, acabando no terceiro posto do campeonato. Ao mesmo tempo, já era piloto de testes da Lotus, confiando no seu potencial de rapidez. 

Na temporada seguinte, manteve-se na Formula 3000, numa temporada cheia de compromissos. Participações na Formula 3000 japonesa e nas 24 Horas de Le Mans, pela Nismo, o deixaram muito ocupado, mas no final de junho, teve a sua primeira grande chance, quando Derek Warwick, então piloto da Arrows, magoou-se nas costas quando se entretinha numa corrida de karting, depois do fim de semana do GP do Canadá e a equipa precisava de um substituto. Donnelly foi foi escolhido, e sem grande experiência no chassis... impressionou. No final das duas sessões de treinos, conseguiu o 14º melhor tempo, entre o Onyx de Stefan Johansson e o Larrousse de outro estreante, Eric Bernard. E na frente de outro estreante: o Tyrrell do francês Jean Alesi.

Claro, foi uma corrida atribulada. Uma carambola nos primeiros metros, com o March de Mauricio Gugelmin a voar no meio do pelotão, atingindo, por exemplo, o Ferrari de Nigel Mansell, condicionou a sua corrida, e as suas chances de um bom resultado ficaram comprometidas, porque iria partir das boxes. No final, despistes e outros problemas no seu carro fizeram com que acabasse na 12ª posição, a três voltas do vencedor. O resultado podia não ser grande coisa, mas ficou a experiência. 

No final da temporada, na Formula 3000, Donnelly ganhou mais uma corrida, em Brands Hatch, e conseguiu um terceiro lugar em Birmingham, acabando na oitava posição do campeonato, com 13 pontos. Em duas temporadas, conseguira três vitórias, seis pódios, uma pole-position, no total de 43 pontos. 

Para 1990, a chance que tanto esperava: um lugar na Formula 1. E ainda por cima, na Lotus, e equipa por onde tinha passado Jim Clark, Jochen Rindt, Emerson Fittipaldi, Ronnie Peterson, Mário Andretti, Ayrton Senna e tantos outros. Mas em 1990, era uma sombra do passado. Naquela temporada, tinham projetado o 102, projeto de Frank Dernie, ex-Williams, e tinham o motor Lamborghini de 12 cilindros. Era potente, mas... muito pesado e com tendência para quebrar. 

Contudo, o seu manager, Rupert Mainwarring estava suficientemente confiante sobre o pacote que disse acreditar que iriam conseguir 40 pontos nessa temporada. Só conseguiram três, todos por Warwick, com o melhor resultado um quinto lugar na Hungria. 

Apesar de tudo, Donnelly decidiu aproveitar da melhor maneira o material em mãos. Não andou longe de Warwick, conseguindo um oitavo lugar em Imola e um sétimo posto no Hungaroring, embora nessa temporada, não contava para os pontos. 

Quando a Formula 1 chegou a Jerez de la Frontera, palco do GP de Espanha, penultima prova do campeonato, Warwick e Donnelly lutavam contra uma máquina pouco fiável. Mas até aquela sexta-feira de manhã, não sabiam que aquele chassis também era perigoso. quanto tentava uma volta rápida, o Lotus aproximou-se da Curva Ferrari a 260 km/hora quando a sua suspensão falhou e bateu de frente nas barreiras de proteção. O impacto fez explodir o chassis e o corpo do piloto acabou cuspido do seu cockpit, indo parar no meio da pista, sem proteção. O volante ficou dobrado com o impacto, e a imagem do Donnelly inerte no asfalto chocava o mundo.

Mas, por incrível que pareça, estava vivo. Estava por um fio, mas vivia. Porque tinha fraturas um pouco por todo o corpo: contusões cerebrais e pulmonares, diversas fraturas nas pernas, e ainda estava em perigo de vida. Quando o médico da Formula 1, Dr. Syd Watkins, chegou ao pé dele, a primeira coisa que fez foi desenrolar a lingua para evitar que sufocasse. Depois disso, estabilizou as feridas e as fraturas, para o levar de helicóptero para o hospital mais próximo. 

Alguns metros mais adiante, encostado ao guard-rail, Ayrton Senna assistia horrorizado a tudo o que se passava, e ficou ali largos minutos enquanto ele era socorrido. E nas boxes, Derek Warwick e a Lotus também assistia a tudo com angustia. Afinal de contas, na longa história da equipa, era a segunda com mais mortes, superado apenas pela Ferrari.  

Quando Donnelly chegou ao hospital, o diagnostico era sério. Considerava-se a amputação da perna direita, e os restantes órgãos corriam o risco de falhar. Colocado em coma induzido, sabia-se que iria ficar por um longo tempo... isto é, se sobrevivesse. O seu coração parou por duas ocasiões, chegou a levar a extrema-unção, mas as operações e um pouco de sorte fizeram com que se salvasse. E melhor ainda: depois de alguns meses, conseguiu sair do hospital pelo seu próprio pé.

Contudo, o preço foi alto: não mais voltaria a correr, apesar de três anos depois, ter feito um teste pela Jordan. Mas foi mais para matar as saudades. 

Depois da Formula 1, participou no Rallycross, com um Vauxhall Nova, para depois passar para a Elise Trophy, uma competição da Lotus, em 2007, e mais tarde, em 2015, participou no BTCC, num Infiniti. Hoje em dia, aos 61 anos, depois de um acidente em 2019 o ter atirado para a cama do hospital para ser operado a mais uma fratura na perna e do qual foi ajudado fortemente pela comunidade automobilística para pagar as despesas, tem uma academia em Norfolk especializado em competir carros da Lotus. 

E de quando em quando, aparece em Goodwood para guiar o Lotus 102 que quase o matou, há quase 35 anos. E Hollywood agora o lembrou, para se basear noutra personagem.     

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