sábado, 14 de novembro de 2009

Anatomia de um desastre chamado Toyota F1

Provavelmente muitos saberão as razões pelos quais a marca japonesa gastou 2.2 mil milhões de dólares e saiu da Formula 1 pela porta pequena. Mas na edição desta semana da revista portuguesa Autosport, o Luis Vasconcelos dá uma perspectiva relativamente pessoal sobre a razão pelo qual a Toyota nunca foi capaz de aproveitar as oportunidades concedidas ao longo dos anos para fazer bom uso do dinheiro injectado pela sua sede em Toquio.


PORQUE FALHOU A TOYOTA

A Toyota deixou a Formula 1 depois de oito anos nos Grandes Prémios, sem nunca ter provado o sabor da vitória. Com meios impressionantes, os japoneses tiveram sempre a mentalidade errada, imposta por Tóquio contra a vontade de alguns dos responsáveis no terreno.

por Luis Vasconcelos

Como é que o maior construtor do mundo pode falhar de forma tão escandalosa quando compete na Formula 1? Como é que uma estrutura relativamente pequena como a Red Bull, é capaz de produzir um carro excepcional, com poucos anos na categoria e a Toyota só raramente conseguiu levar um dos seus pilotos ao pódio, sem nunca ganhar um Grande Prémio em mais de 150 tentativas, além de nunca ter terminado o Mundial de Construtores nos três primeiros classificados, em oito anos de tentativas?

Nesta altura em que se olha para o que foi a passagem da Toyota pelos Grandes Prémios, é tempo de analisar as escolhas feitas pela marca japonesa, ver o que deu certo e o que falhou e, depois tentar perceber porque se optou pela via errada no final de 2005 quando o sucesso, finalmente, parecia estar ao alcance da equipa de Colónia.


"THE TOYOTA WAY"


Apesar de acompanhar de perto a marca desde a sua estreia, só em 2007 me apercebi que a marca japonesa nunca iria ter sucesso na Formula 1. Dez meses antes, Mike Gascoyne tinha sido despedido, depois de ter estado na origem do que acabou por ser o melhor ano de sempre da Toyota nos Grandes Prémios, quando um amigo comum me apresentou a Tadashi Yamashina, que três meses antes tinha sido nomeado novo lider da marca japonesa na Formula 1. Confesso que saí desse primeiro encontro em Melbourne francamente optimista quanto ao futuro da toyora na Formula 1, pois Yamashina-san, que me surpreendeu pela abertura e franqueza pouco habituais nos japoneses da sua geração - mas provavelmente descontraido pela confiança que o nosso amigo comum depositava em mim, disse-me de forma clara: "Quando cheguei a Colónia, em Dezembro, tinha como missão levar a equipa ao sucesso utilizando a nossa filosofia da marca: responsabilidade colectiva, decisões colectivas, trabalho de grupo sem existência de figuras predominantes. Mas já percebi que o que funciona numa grande empresa não dá forçosamente resultados na competição automóvel e, por isso, vamos ter de adoptar a mentalidade das melhores equipas da Formula 1 para ter sucesso".

Ao longo da primeira metade da temporada os contactos com Yamashina-san eram frequentes, pois este tinha muitas questões para colocar e rapidamente formou uma lista de técnicos que queria contratar a breve prazo. Até que numa reunião do Conselho de Administração, em Julho desse ano, lhe foi dito que tinha de utilizar a politica da marca para a equipa de Formula 1, sendo forçado a renunciar às contratações que tinha em carteira - e que incluíam engenheiros de primeira linha entretanto bem aproveitados por outras equipas - para se manter no lugar.

Com o mesmo entusiasmo que colocara na reformulação da forma de trabalhar da Toyota na Formula 1, Tadashi Yamashina aceitou o desafio que lhe foi imposto pela administração da Toyota, por ser um homem da casa totalmente dedicado à causa, mas confesso que nunca mais o vi tão entusiasmado como nos primeiros meses em que esteve à frente da estrutura de Colónia. Por isso vi nas lágrimas que derramou durante o anuncio do abandono da Toyota, na passada quarta-feira, o sinal da frustração de quem tentou tudo, sabendo que não podia ser bem sucedido por razões que lhe eram alheias e impostas. Tivesse a Toyota mais gente como Yamashina-san e a sua situação, no mercado e na Formula 1 seria bem melhor do que é actualmente.


CINZENTISMO NÃO VINGA


O afastamento de Mike Gascoyne já tinha sido o primeiro grande sinal de que a Toyota não tinha a mentalidade necessária para vingar na Formula 1. Em apenas 15 meses o inglês transformou uma equipa que lutava por marcar alguns pontos por temporada numa força que só perdeu para a Renault nas primeiras corridas de 2005, fazendo uso das suas melhores características: liderança forte, capacidade para colocar os seus funcionários nas posições em que podem render mais, grande conhecimento de aerodinâmica e colocação dos seus homens de confiança em posições-chave na equipa.

Sem poder contratar elementos na Renault, de onde saiu em ruptura com Briatore, Gascoyne identificou rapidamente dentro da Toyota quem poderiam ser os seus generais, treinou-o e deu-lhes rapidamente autonomia, com o resultado a ser o TF105, de longe o melhor dois oito chassis que a Toyota fez na Formula 1. Dois segundos lugares de Trulli nas três primeiras corridas de 2005 mostraram que a equipa seguia o caminho certo, mas o estado de graça durou pouco.

Com uma gestão fraca, a Toyota permitiu que Gascoyne também desse asas às suas características menos positivas: excesso de confiança e ambição desmedida, que o levaram a tentar assumir o controlo da equipa por achar – e bem, diga-se – que poderia fazer bem melhor que John Howlett, que geriu a equipa depois da saída de Ove Andersson. O conflito entre ambos levou ao afastamento de Mike Gascoyne, quando teria sido melhor confiná-lo às tarefas que eram as suas no departamento técnico, afastar Howlett e contratar alguém mais capaz de gerir uma equipa. Os resultados em 2006, 2007 e 2008 mostraram que a Toyota tinha tomado a opção errada, pois apesar da sua capacidade de trabalho, Pascal Vasselon não tem as boas características de Gascoyne e nunca foi capaz de dar à equipa um chassis tão competitivo como o TF105.


FALTA DE CREDIBILIDADE


À falta de credibilidade da gestão da Toyota no ‘paddock’ ficou bem à vista pela total incapacidade de contratar um piloto de ponta em oito anos nos Grandes Prémios. Com um orçamento ilimitado até ao inicio de 2009, a Toyota nunca conseguiu atrair um Schumacher, um Alonso ou um Raikonnen, apesar de ter feito propostas milionárias a todos. Só que nenhum deles acreditou que poderia ter um carro ganhador em Colónia e o melhor que a Toyota conseguiu foi atrair pilotos que tinham passado por equipas de ponta sem se imporem, mesmo se eram capazes de nos seus dias em forma bater qualquer um no plantel. Em Jarno Trulli e Ralf Schumacher a Toyota teve uma dupla de pilotos inconstantes, mas que era capaz de grandes coisas em determinados períodos da temporada. Mas nunca os forçou a trabalhar em conjunto e como o alemão tinha um linha directa com Howlett – nunca bem explicada pela equipa – o fosso entre os dois fez com que a evolução dos chassis fosse menor do que seria desejável.

A forma como Raikonnen se referiu a Howlett e à Toyota no Brasil, quando deixou claro por que razão nem tinha considerado as ofertas que tinham sido feitas, deixou a nu a imagem de incompetência que a marca japonesa granjeara no ‘paddock’ fruto directo da politica seguida e da manutenção dum gestor sem capacidade à frente dos destinos da escuderia.

Por isso, se a Toyota vai fazer falta à Formula 1 porque o seu envolvimento garantia maior visibilidade aos Grandes Prémios, não se pode dizer que se tenha perdido uma equipa de ponta, pois a forma como tudo era gerido inviabilizava, na prática, qualquer possibilidade realística de sucesso.

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