domingo, 1 de novembro de 2009

The End: Tom Wheatcroft (1922-2009)

O circuito de Donington Park deveria receber em 2010 o Grande Prémio de Inglaterra de Formula 1, e por isso está em obras. Mas a crise económica mundial e a falta do aval dos bancos para conceder empréstimos fez com que o projecto se atrasasse e perdesse a confiança de Bernie Ecclestone, o homem que dita quem recebe ou não a Formula 1. Este circuito é um dos mais antigos da Grã-Bretanha, e estava a passar pela sua terceira encarnação. A primeira aconteceu antes da II Grande Guerra Mundial, quando recebeu as Flechas de Prata em 1937 e 38, com vitórias de Tazio Nuvolari e Bernd Rosemeyer. A segunda aconteceu nos anos 70, quando foi recuperada para a competição, após anos de abandono como depósito militar. O homem que fez isso era um construtor civil, apaixonado por automóveis, que ajudou a carreira de Roger Williamson e disse certo dia que quando viu Ayrton Senna vencer em 1993 "sentiu-se como uma criança". Esse homem era Tom Wheatcroft e morreu ontem aos 87 anos.

Wheatcroft nasceu a 8 de Maio de 1922 em Castle Donington, não muito longe do circuito que lhe ocupou toda a sua vida. Somente teve 18 meses de educação formal, e cedo se apaixonou por automóveis, quando ia ver os Flechas de Prata a correr no circuito. "Você teria de estar lá para perceber. Ver os Mercedes W125 e os Auto Union V16 a darem mais de 200 km/hora na recta... o cheiro a gasolina, a velocidade, o barulho que faziam... nunca tinha visto nada antes", afirmou anos depois. Na II Guerra Mundial esteve numa unidade de artilharia do Exército Britânico e passado o final da Guerra, estableceu o seu negócio de construção civil, onde prosperou, conseguindo uma fortuna que hoje em dia está establecida em 120 milhões de libras.

No final dos anos 60, Wheatcroft exprime a sua paixão pelo automobilismo ao construir a sua própria equipa, a Tom Wheatcroft Racing. Em 1970 compra um Brabham BT30 para Derek Bell, no sentido de correr o campeonato de Formula 2. As coisas correram bem e acabou vice-campeão da categoria. Depois tentou a mesma sorte na Formula 1, comprando um Brabham BT26A para Bell, mas as coisas não foram bem sucedidas.

Em 1971, vê o seu circuito de infância, Donington Park, à venda. Comprou-a por cem mil libras e transferiu para lá a sua colecção de automóveis de competição antigos, naquilo que se transformou depois no Donington Grand Prix Exibition, que hoje em dia se tornou na maior do mundo, com extensas colecções de cárros como Vanwall, BRM, McLaren, Williams, Lotus, Cooper, entre outros. Para além disso, tem uma extensiva colecção de capacetes, de pilotos que marcaram eras na Formula 1, desde Juan Manuel Fangio até Fernando Alonso, passando por Graham e Damon Hill, Ayrton Senna, Jim Clark, James Hunt e Nigel Mansell, entre outros.

Recuperou o circuito e pô-lo a funcionar em 1977, como um "Motor Trial" devido a questões legais relacionados com a Assiociação de Caminhantes "The Ramblers", que tinha um contencioso com Wheatcroft devido aos direitos dos caminhos pedonais existentes na área do circuito. Algum tempo depois, a questão foi resolvida e foi-lhe concedida a licença.

Em 1972, Wheatcroft ressuscitou a sua equipa, toda ela construida à volta de um promissor piloto de Formula 3 chamado Roger Williamson. Numa altura em que existiam dois campeonatos nacionais de Formula 3, patrocinados por diferentes entidades, Williamson cometeu a proeza de vencer a todos, o que, acumulando com outra vitória em 1971, tornou-se no recordista da competição. Vendo o potencial para ir longe, comprou um March 731 para ele e foi correr em Silverstone, no GP de Inglaterra de 1973. A sua estreia durou apenas uma volta, pois envolveu-se no acidente causado pelo McLaren de Jody Scheckter, e que colocou onze carros fora de combate. Na corrida seguinte, na Holanda, Williamson despistou-se na volta oito e acabou por morrer preso no seu carro, pois este tinha capotado, apesar dos esforços corajosos de um dos seus adversários, David Purley, de o salvar. Até morrer, Wheatcroft disse que esse foi o dia mais triste da sua vida, e nunca o esqueceu: existe um pequeno canto no seu museu a recordá-lo, e uma estátua de tamanho real, inaugurada em 2003, no 30º aniversário da sua morte.

Wheatcroft não mais se envolveu no automobilismo desta forma, e a partir de então se dedicou mais ao circuito do seu coração. Sempre acalentou o sonho de receber a Formula 1, e cumpriu-o em 1993, quando recebeu o GP da Europa. A Formula 1 foi lá uma vez, mas foi o bastante para entrar nos livros de História. A primeira volta de Ayrton Senna, onde partiu mal, bloqueado por Michael Schumacher e perdendo duas posições para Karl Wendlinger e Michael Andretti passou depois esses pilotos e mais os Williams de Damon Hill e Alain Prost. Essa primeira volta foi memorável para todos, incluindo Wheatcroft, que mais tarde disse que tinha sido uma das melhores exibições que tinha visto na sua vida, feita por qualquer piloto.

Em 2007, a empresa fez um aluger dos seus direitos de superfície por 150 anos à Donington Venture Leisures Ltd (DVL), no sentido de fazer profundas obras de reabilitação da pista, no sentido de se candidatar a receber o GP da Grã-Bretanha, algo que fora conseguido em 2008, com um contrato que entraria em vigor a partir de 2010, substituindo Silverstone, e que teria duração de... 17 anos! Contudo, as rendas em atraso e os atrasos nas obras fizeram com que a empresa processasse a DVL no inicio de 2009. A questão ficou resolvida num acordo extra-judicial, mas por esta altura já era tarde demais para salvar o contrato, pois Bernie Ecclestone já tinha denunciado o contrato e a Formula 1 iria continuar em Silverstone em 2010.

Por esta altura, o negócio já estava nas mãos de um dos seus sete filhos, e Wheatcroft tinha-se retirado para cuidar da sua colecção. A sua reputação a amor pelos automóveis tinha-o levado longe e o seu museu, bem como a recuperação do seu circuito favorito, lhe garantiram o seu lugar na história do automobilismo britânico e mundial. Ars lunga, vita brevis.

1 comentário:

Antonio Manoel disse...

GRANDE PESSOA.

QUE VÁ COM DEUS, ESSAS PESSOAS QUE SE DEDICAM AO AUTOMOBILISMO, QUASE NÃO EXISTEM MAIS.
VALEU.
ANTONIO
OURINHOS SP