sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Extra-Campeonato: ainda sobre as escolhas de ontem...

Ontem à tarde andava a dizer jocosamente que, depois da FIFA ter escolhido o Qatar para o Mundial de 2022, bem poderiam escolher Timor Leste para o Mundial de 2030 ou de 2034, porque tem todos os critérios que a FIFA verdadeiramente quer: é pequeno, é rico em petróleo e tem tudo por fazer, incluindo a sua equipa principal, que está no lugar 202 do "ranking" mundial e que este ano perdeu todos os jogos que realizou... por goleada. A última foi contra a Indonésia, a antiga ocupante, por 6-0.

Gozos à parte (e como é óbvio, nada tenho contra Timor, até pelo contrário), neste dia seguinte às polémicas escolhas da FIFA para 2018 e 2022, cada vez mais me convenço de que foram as melhores escolhas que o dinheiro poderia comprar. E que a decisão de eliminar a candidatura britânica à primeira volta foi a forma da FIFA penalizar a BBC, mais concretamente o prestigiado programa de televisão "Panorama", sobre as suas investigações sobre o mundo nada transparente do Comité Executivo da FIFA, que a apresentou quase como se fosse uma "Familglia" da Máfia siciliana e que Joseph Blatter seria um "capo de tutti cappi". Parece que tinham razão, e provavelmente podem ter comprado uma guerra...

Contudo, se no final até se aceita a vitória russa, devido à tradição que tem no futebol e à ideia de expansão do futebol mundial, desde os tempos de João Havelange - do qual Blatter é um digno sucessor dessa politica - o facto de ver Qatar como sede do Mundial de 2022 é definitivamente controversa. Pela sua dimensão, pela sua população, pela pouca tradição do futebol qatari, é unânime o coro de criticas à sua escolha e ao facto de a FIFA ter mandado os relatórios técnicos para o espaço e preferido um camião de petrodólares. Esta tarde, o Alexandre Massi, no seu blog, deu dez excelentes razões porque a escolha de Qatar é no minimo, incompatível.

"1) Falta de transparência - o investimento dos árabes na campanha não foi revelado.

2) Naturalizações - Fábio César Montezine, revelado no São Paulo, é um dos vários jogadores naturalizados da seleção do Qatar. Para não fazer feio em 2022, a federação local deve intensificar a procura por novos talentos. A tarefa não deve ser das mais difíceis, pois não são poucos os atletas que têm o sonho de disputar uma Copa do Mundo.

3) Legado - o Qatar tem 2 milhões de habitantes. Destes, 1,7 mi são estrangeiros. O legado, portanto, ficará para os executivos que trabalham no país.


4) Saúde dos atletas - Entre junho e julho, período em que a Copa é disputada, a temperatura no país chega a 50 graus celsius. A saúde dos atletas e dos turistas será colocada em risco, como a própria FIFA já alertou.


5) Treinamentos - Como os atletas treinarão durante a Copa? A tendência é que eles façam apenas um treino leve, à noite. Com poucos sessões de treinamento, os técnicos terão que quebrar a cabeça para dar entrosamento aos times e para deixá-los 100% fisicamente. Sendo assim, a qualidade do espetáculo ficará comprometida.

6) Mundial indoor - Ainda por causa do calor, essa Copa não deverá ter muita gente na rua. A confraternização entre os povos, tão pregada pela entidade máxima do futebol, deve acontecer apenas em hotéis e escritórios, todos climatizados.

7) Aglomeração - O Mundial será realizado em um raio de 60 quilômetros. Pode haver superlotação nos transportes e aglomeração humana nos estabelecimentos.

8) Seleções longe do Qatar - Se os estádios forem climatizados, não há necessidade de se adaptar ao calor e, consequentemente, dee se hospedar no Qatar. As seleções podem muito bem permanecer na Europa (na Turquia, por exemplo) e pegar um voo para Doha na véspera dos jogos.

9) Concentração máxima - Se forem obrigados a se hospedar no Qatar, a concentração será praticamente uma prisão de segurança máxima. Jogadores e comissão técnica não vão querer sair do quarto do hotel e enfrentar o calor. Os profissionais ficarão entediados e o trabalho da imprensa, prejudicado.

10) Acordos comerciais - O Qatar possui algumas leis rígidas, entre elas, a de consumo de cerveja em locais públicos. A Budweiser é uma das patrocinadoras da FIFA e terá prejuízo com a Copa no país."

Creio que doze anos sejam tempo suficiente para que as autoridades qataris nos convençam que os nossos receios estejam errados. São obrigados a isso, porque fora da peninsula arábica, ninguém acredita como é que a FIFA escolheu um pais de quase 12 mil quilómetros quadrados para acolher 32 selecções e provavelmente mais de dois milhões de adeptos. Será que a FIFA decidiu seguir os critérios de Bernie Ecclestone e quer transformar o futebol numa actividade elitista, em nome da "expansão do futebol"?

E já agora, uma pergunta para rematar: o que aconteceria caso Israel classificasse para o Mundial qatari? Seria aceite pela organização? Parte-se do principio que sim, apesar do governo local não reconhecer o estado israelita, mas a pergunta é pertinente.

O facto é que depois das escolhas de ontem tiveram consequências. A imprensa inglesa de hoje simplesmente demole a FIFA nos seus editoriais e muitos em Zurique começavam a murmurar entre dentes a palavra "reforma"... e doze anos são também tempo suficiente para algumas dezenas de "Panoramas" dedicados à FIFA e ao seu comité executivo, não?

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