Ontem fazia a minha leitura habitual no blog do Joe Saward quando fui surpreendido com um post dele dedicado a Angola. Mais concretamente à petrolifera estatal Sonangol. O post era bem informado sobre a estrutura dela, das suas fortes ligações com a China e o seu negócio altamente diversificado em vários setores, desde o setor dos transportes até à sua própria companhia aérea, a SonAir, que voa dentro do pais e em mais algumas capitais regionais e a sua participação em dois bancos nacionais, o Banco Africano de Investimentos (BAI) e o Banco de Comércio e Industria (BCI).
Tudo muito OK, mas o que interessava era a sua participação na Formula 1, e aqui entra em cena Ricardo Teixeira, Team Lotus e a Williams. A Sonangol há muito que apoia pilotos angolanos - ou com ligações angolanas - com o objetivo de colocar o pais no mapa do automobilismo mundial. Conheci três casos: Teixeira; Luis Sá Silva, que no inicio de 2010 correu algumas provas na Formula 3 alemã e agora Duarte Ferreira, que está agora na Indy Lights e do qual dediquei algumas linhas há umas semanas. Para além disso, é a principal patrocinadora da Superleague Formula, a tal competição que mistura alhos com bugalhos - futebol e automobilismo.
Achei o post tão interessante que me dei ao trabalho de responder ao Joe, falando da ligação que os angolanos tem ao automobilismo, a importância da Sonangol e alguns contras sobre isto, claro.
Primeiro que tudo, um campo pessoal: sou filho de angolana, logo, boa parte da minha familia, como sejam avó, primos e tios, vivem e trabalham em Angola, portanto, sempre que falam desse país, fico já interessado. Apesar de nunca ter colocado lá os pés, com pena minha...
Segundo: não é segredo nenhum que os angolanos adoram automobilismo. Nos tempos coloniais, o panorama automobilistico só era inferior ao da Africa do Sul. Era pujante, organizavam-se provas de Turismo e Endurance em Luanda, Benguela e Nova Lisboa (atual Huambo). Aí, a edição de 1972 das Seis Horas de Nova Lisboa chegou a ter presenças de pilotos como Jan Balder, Norman Casari, Hans-Joachim Stuck e Nicha Cabral, entre outros, que competiam com locais como António Peixinho, Carlos Gaspar e Helder de Sousa, só para lembrar de alguns. Nesse mesmo ano foram inaugurados duas pistas permanentes, das melhores de então. O Autódromo de Luanda, projetado pelo brasileiro Ayrton Cornelson - o mesmo que projetou o Autódromo Estoril - chegou a ser visitado por Emerson Fittipaldi, que teceu rasgados elogios a ela. Tudo indicava que num futuro próximo poderia acolher a Formula 1, mas a descolonização - que enxotou meio milhão de portugueses - e a subsequente guerra civil cancelou esses planos.
A partir de 2002, a paz levou à reconstrução e desenvolvimento do pais. Este cresce a ritmos impressionantes - uma média de onze por cento ao ano - mas está agora a sair do fundo do poço, e apesar de ter permitido a chegada de largas dezenas de milhares de pessoas, desde ex-residentes no tempo colonial até aos trabalhadores chineses, as bolsas de pobreza ainda são evidentes e levarão o seu tempo para acabar.
A Sonangol sabe que apoiar o automobilismo é uma excelente maneira de se afirmar no mundo um tipo diferente de pais, que seja falado por outras razões que não fome, guerra, corrupção e outros males que o povo aponta à elite dominante. Só que o piloto que escolheram para apoiar é... bem, um piloto modesto, para ser meigo.
Ricardo Teixeira nunca foi um grande piloto por estas bandas. Nascido em 1984 - alguns falam bem mais cedo, em 1982 - Ricardo era filho de angolanos, e quando o pai começou a trabalhar por lá, cedo arranjou uma maneira de prosseguir a carreira. Uma licença desportiva angolana, o apoio da petrolifera e... voilá. Quatro temporadas na Formula 3 britânica - apoiou muito a Ultimate, uma equipa irlandesa - depois a GP2 e acabou na Formula 2, em 2010. Sempre um piloto do fundo do pelotão, somente conseguiu pontos na F2, bem como uma espectacular pirueta no circuito marroquino de Marrakesh...
Agora está este ano na Formula 1 como piloto de testes da Team Lotus. E pelo que me contam, foi um patrocinio tirado "nas barbas" da Williams, que andava a namorar esse patrocinio desde 2009. Por alguma razão, Adam Parr, o homem que costuma tratar desta secção, não conseguiu fazer negócio, cujo valor, fala-se, rondava os 25 milhões de euros. Provavelmente eles quereriam Ricardo Teixeira como um dos pilotos, mas eles se calhar tinham mais escrupulos que Tony Fernandes, não sei... alguém explicará um dia porque negociaram com um e acabou noutro.
O mais interessante é que ainda não vi o logotipo da petrolifera nos flancos do Lotus. O acordo está feito, o piloto já fala e rola como fazendo parte da Lotus, a par de Luiz Razia e Davide Valsecchi, mas... e o logotipo? Talvez já apareça nas provas seguintes, veremos.
O exemplo de Ricardo foi seguido por outros, como Duarte Ferreira. Baseado na Belgica, em 2006 o piloto queria uma licença desportiva para correr em monolugares mas a FPAK (Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting). Só que ele tinha 14 anos e esta não lhe concedeu, pois só o faz a partir dos 16 anos. Resultado, os seus pais, de origem angolana, recorreram às origens e conseguiram. E ele, depois da formula Renault belga, com alguns bons resultados, passou agora para a Indy Light, na equipa de Bryan Herta onde até nem se tem portado mal.
Ora, porquê uma pessoa como o Joe se dedica tempo para falar sobre isto? Mais do que o patrocínio que todos andam à procura e as suas devidas contrapartidas, por mais baixas que sejam - sejamos honestos, se corresse como português, já teria acabado a sua carreira há muito - isto é uma maneira de ver até que ponto se vai para ter mais algumas dezenas de milhões nos orçamentos das equipas. Se a Williams, que para ter a PVDSA, teve de engolir Pastor Maldonado como piloto efetivo, tirando o lugar a um talento como Nico Hulkenberg, arrepiaria-me se Tony Fernandes reformasse um dos pilotos titulares para ter em troca um piloto pífio como Ricardo Teixeira. Espero que não chegue a esse ponto.
E também há outro assunto interessante. Africa é o único continente ao qual a Formula 1 não vai por estes dias. Com o Golfo Pérsico a passar por problemas, Ecclestone pode andar à procura de outros ares, embora que eu saiba não existam projetos especificos para o automobilismo no pais da Palanca Negra. Não oiço noticias sobre a recuperação ou reconstrução do Autódromo de Luanda ou Benguela, mas quem sabe que tipo de planos terá a Sonangol para um futuro próximo? E que tipo de "peixe" ele consiga vender ao Tio Bernie? Ainda por cima, os angolanos adoram automobilismo...
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